Onda de demissões ameaça europeus após confinamento

Empresa anunciou a demissão de 8 mil dos 70 mil funcionários em todo o mundo/Divulgação

Mariano Senna, de Berlim

Enquanto o Brasil sofre para conseguir respiradores e unidades de terapia intensiva no mercado internacional, a economia mais forte da Europa, com UTIs sobrando, não sabe como evitar algo pior do que já aconteceu até agora. Seja em questões de saúde ou econômicas.

O Produto Interno Bruto no continente vai encolher pelo menos 7,7% nos próximos anos, segundo as previsões oficiais.

Na Alemanha, motor financeiro do bloco, o governo já anunciou um prognóstico de 6,3% negativos para o desempenho do PIB em 2020. E isso é algo bem otimista quando se olha os detalhes da crise.

A Alemanha gastou até agora 820 bilhões de euros com o plano de contenção da pandemia, incluindo o resgate de empresas semi-falidas, pagamento dos funcionários parados (Kurzarbeit), ajuda social e gastos emergenciais na área de saúde. Este último inclui o prêmio de 1.500 euros oferecido a todos os enfermeiros do país, como uma forma de incentivo, e os 750 milhões de euros liberados para a pesquisa da vacina contra o Covid-19.

O noticiário vem alertando para uma onda de demissões e falências. Em alguns setores como gastronomia, 1/3 de todos os estabelecimentos estão ameaçados de fechar. Em Berlim, os restaurantes abriram desde o último dia 15/05.

“O movimento ainda está 40% abaixo do normal devido às medidas condicionais para reabrirmos”, informa Stefano D’Ambrosi, proprietário de um pequeno restaurante no bairro de Neukölln.

As medidas se referem especialmente à distância mínima de 1,50 metros entre uma pessoa e outra, além do uso de máscaras para o pessoal do atendimento. “Com menos mesas vai ficar mais difícil de recuperarmos as perdas da quarentena”, prevê ele.

Ao mesmo tempo, o ministro da economia, Peter Altmaier, defende o plano do governo federal por “ajudar a preservar milhões de empregos”, sem mencionar os casos excepcionais.

Empresas estratégicas, como a Lufthansa, que negocia receber uma ajuda de 10 bilhões de euros, e mesmo assim quer desativar 100 aviões, desempregando 10 mil pessoas. A outra gigante do turismo, TUI, recebeu 1,8 bilhão de euros para logo depois anunciar a demissão de 8 mil dos 70 mil funcionários em todo o mundo.

Entre as fabricantes de automóveis, as questões são ainda mais paradoxais. Pela sua importância para a economia, empresas como Volkswagen, BMW e Mecedes-Benz receberam apoio decisivo do governo, que pagou o “Kurzarbeit”, equivalente a 60% do salários dos funcionários durante o confinamento. Na retomada, elas pleiteiam mais uma vez apoio estatal na forma de “prêmio” para os compradores de carros novos, um incentivo ao consumo. De quebra, fazem lobby para garantir o pagamento de dividendos aos acionistas, enquanto iniciam as demissões entre os trabalhadores com contrato temporário por toda a sua rede de produção e comercialização.

Não menos contraditória, a condução da política pandêmica enfrenta crescente oposição, inclusive dentro do próprio governo. Na primeira semana de maio, um funcionário do Ministério do Interior emitiu um comunicado oficial classificando o pânico causado pelo Covid-19, incluindo o confinamento, como um “alarme falso”.

Ministro Horst Seehofer (CSU)

“Somos pelo princípio democrático, mas o mínimo que se espera de quem trabalha com você é lealdade”, declarou o ministro Horst Seehofer (CSU) ao justificar a demissão do servidor por conta do episódio.

Apesar dos bons índices de opinião pública, a chanceler Angela Merkel (CDU) luta também com os governadores dos 16 estados para dar uma impressão de ordem às medidas agora tomadas. Em alguns já voltaram as aulas, ao menos por meio período. Em outros elas continuam suspensas. Restaurantes e cafés já abriram, mas bares e casas de espetáculo continuam fechadas por prazo indeterminado. Esporte, por enquanto, só futebol, e sem público. Para quem assistir fora de casa, ainda está proibido vibrar (jübeln). Missas também podem acontecer, mas sem canto. Tudo com no mínimo 1,5 metros de distância entre cada participante.

“Para nós, que nao temos o dinheiro dos clubes de futebol é impossível cumprir as exigências”, revela Christoph Barth, gerente de cursos do Centro de Esportes da Universidade Humboldt de Berlin. Entre as exigências está o teste dos atletas antes de cada jogo. Cada teste custa 90 Euros. Impagáveis para os estudantes da universidade.

Nas ruas cresce o número de protestos contra a política do governo federal. Munique, Berlin, Leipzig, Hamburg, Frankfurt, Stuttgart foram palco de demonstrações públicas que reuniram milhares de pessoas desde o início de Maio. Autoridades e grande mídia culpam teorias da conspiração, de direita e de esquerda, pela motivação para ir às ruas. Mas isso sem esclarecer nenhuma das incertezas dessa crise. A principal delas, sobre quando haverá a segunda onda da gripe.

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