Apesar dos dilemas, lockdown alemão deve ser ampliado

Da esquerda para a direita: o jornalista Markuz Lanz, o ex-vice chanceler, Franz Müntefering, o político Boris Palmer, a jornalista Anja Maier e o astrofísico Heino Falcke, no programa do dia 11 de novembro na rede ZDF.

“O corona mata quase exclusivamente pessoas acima dos 80 anos, que é a idade em que elas normalmente morrem aqui… dizendo de forma brutal, é como se estivéssemos salvando quem, em meio ano, estará morto de uma forma, ou de outra”, respondeu o matemático Boris Palmer, prefeito de Tübingen, pequeno e próspero município do estado de Baden-Württemberg no sudoeste da Alemanha. O político do partido verde (Bündnis’90/die Grünen) foi um dos entrevistados do jornalista Markus Lanz em seu programa na rede pública ZDF na noite de quarta-feira (11/11). 

Suas declarações, recebidas com indignação pelo establishment político-midiático presente e ausente no programa, são combustível para um debate que o país não consegue encaminhar. “Inaceitável. Todo ser humano, independente da idade tem direito à vida”, lacrou o quase octogenário ex-vice chanceler, Franz Müntefering, também entrevistado na noite.

Da esquerda para a direita: o jornalista Markuz Lanz, o ex-vice chanceler, Franz Müntefering, o político Boris Palmer, a jornalista Anja Maier e o astrofísico Heino Falcke, no programa do dia 11 de novembro na rede ZDF.

Idéia fixa

Palmer explicou que não repetiria a frase, pois a comoção que ela provocou ao final inviabilizou qualquer debate. “Mas existe um dilema relacionado com a estratégia global de combate da pandemia. Um receio bastante concreto, de que ela acabe causando mais perdas em vidas, do que as vidas que conseguimos salvar, seguindo as medidas que temos hoje em vigor”, insistiu. 

A idéia fixa, de que não há nenhuma outra alternativa, é o que indigna muita gente na Alemanha no momento. “Criamos um serviço de táxi subsidiado pela prefeitura, para que pessoas do grupo de risco não precisem usar o transporte público”, exemplificou o prefeito da cidade de 90 mil habitantes. Boris Palmer reclama que já tentou replicar soluções assim em nível federal, sem sucesso.

Razão do medo

“Nada me deixa mais doente que a solidão”, reclama o professor e músico brasileiro de 35 anos, João de Alencar Rego. Em tratamento de um câncer desde 2019, João está fazendo agora a última parte da quimioterapia. Duas vezes por semana precisa ir ao hospital onde foi operado. Para isso, usa o transporte público da capital Berlim, onde mora desde 2012, mesmo sendo parte do grupo de alto risco.

“Conseguir que o seguro de saúde (Krankenkasse) pague o táxi é uma burocracia gigantesca, e com sorte eles pagam metade”, conta ele. Para o músico, neste confinamento, a razão está do lado do medo. “Sempre uso máscara, lavo as mãos etc, me cuido, mas é difícil ver que os amigos passam aqui pra deixar as compras e só acenam de longe com máscara e vão embora… A gente fica mais doente alimentando esse pânico toda hora”.

Tarefa mamute

O gargalo da pandemia é o sistema de saúde. Na potência germânica da segunda onda não existem enfermeiros suficientes para atender todos os 30 mil leitos de tratamento intensivo disponíveis. Estimativas do próprio governo apontam um déficit de seis mil profissionais só para UTIs em todo país. “Pacientes do corona ficam mais tempo internados e requerem mais atenção. Isso afeta a demanda por mão de obra”, justifica o ministro da saúde, Jens Spahn (CDU).

O ministro da saúde da Alemanha, Jens Spahn.

O governo havia anunciado um plano para empregar 13 mil novos enfermeiros durante a primeira onda. Menos de três mil foram efetivados até o momento. O ministro Spahn propõe, caso necessário, fazer os enfermeiros continuarem trabalhando, mesmo quando infectados. Em sessão do parlamento (Bundestag) dia 06 de Novembro, ele já havia avisado:  “A pandemia é uma tarefa realmente gigantesca – e essa tarefa ainda não atingiu seu clímax”.

Últimas notícias

O fim de semana, como de costume, foi de apreensão. As imagens de UTIs lotadas em Nápoles, na vizinha Itália, onde o número de mortos ultrapassou a marca dos 500 por dia, aumentam o medo. Mesmo com o achatamento da curva e uma leve redução do total de óbitos, na Alemanha para os próximos dias é esperado o endurecimento das restrições. 

O barômetro político, enquete encomendada pela rede pública de comunicação ZDF, indica aceitação das medidas do governo por 58% da população. Segundo a pesquisa, 26% acham elas insuficientes e aprovariam restrições ainda mais severas. Acima de tudo, o otimismo de 85% dos alemães que, de acordo com o levantamento, acreditam que o país vai superar bem a crise.

Autor: Mariano Senna

Mariano Senna, nasceu em Porto Alegre. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (1995). Trabalhou em veículos impressos diários, semanários e mensários no Sul do Brasil. No JÁ, coordenou o projeto dos jornais de bairro (JÁ Bom Fim, JÁ Moinhos) e a criacao da Agência de Notícias Ambientais - Ambiente JÁ, no final dos anos 90. Em 2003 mudou-se para Berlim, na Alemanha, onde atua como correspondente, tradutor e consultor. Mariano têm mais de 20 anos de experiência no acompanhamento e reportagem de temas controversos, envolvendo interesses corporativos. É mestre (Master of Science) em mídia digital pela Universidade de Lübeck e tem doutorado (PhD) em ciência da informação no Instituto de Biblioteconomia e Ciência da Informação (IBI) da Universidade Humboldt de Berlim.

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