Travessia de Viamão (4): Aos 50 anos, Parque de Itapuã é um ‘santuário’ da biodiversidade

Por Cleber Dioni Tentardini *

Não existe uma unidade de conservação no Rio Grande do Sul com a mesma diversidade de ecossistemas do Parque Estadual de Itapuã (PEI), que completa 50 anos neste 14 de julho.

Localizado na zona de transição entre os biomas Mata Atlântica e Pampa, o parque abrange ilhas, lagoas, praias, banhados, dunas, vegetação de restinga, floresta estacional e morros graníticos, distribuídos em 5.566 hectares.

Diferente de uma estação ecológica ou de um refúgio de vida silvestre, onde são permitidos visitantes somente para educação ambiental e pesquisa científica, a área é de uso público. Especialmente no verão, quando a população busca a calmaria das suas praias com águas balneáveis.

São nove praias: das Pombas, da Pedreira, da Onça, do Araçá, do Sítio, do Tigre, do Cascalho, de Fora e Prainha. Mas apenas as duas primeiras estão abertas. A Praia de Fora aguarda obras de infraestrutura. As demais têm limitações de acesso.

Praias da Pedreira, de Fora e das Pombas (abaixo, na sequência)) são as que, normalmente, estão liberadas para uso público. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

No parque, são encontrados animais como leão baio (puma), graxaim, ema, capivara, carcará, jacaré, serpente, bugio-ruivo, tuco-tuco, gato maracajá, 29 espécies de anfíbios, 39 espécies da flora endêmicas e com um algum grau na lista de espécies ameaçadas de extinção, como o topete de cardeal e a corticeira do banhado.

Caranguejeira.
Graxaim. Fotos: Mariano Pairet/SEMA

 

 

 

Ouriço
Puma captado por armadilha fotográfica

 

 

 

A bióloga Dayse dos Santos Rocha, analista ambiental da SEMA, assumiu a gestão da unidade faz seis anos e diz que trabalhar em uma área de preservação como essa, onde é permitida visitação pública, é um desafio diário para coibir atropelamentos dos animais, invasões, caça e pesca ilegais, supressão de árvores, subtração de plantas, pedras.

Dayse Rocha, a gestora do Parque Estadual de Itapuã/ Cleber Dioni

“O nosso trabalho é focado na conservação dos ecossistemas, pesquisa científica, uso público e educação ambiental. Temos que ser versáteis para conversar com escolas, pescadores, assentados, indígenas, pesquisadores, produtores rurais”, destaca a bióloga.

Segundo a gestora, já convenceram dois produtores convencionais a plantar o arroz orgânico no entorno da unidade.

– É importante essa redução do uso de pesticida na água, que vai para o solo, contamina as águas subterrâneas, enfatiza.

Ambientalistas salvaram a reserva

Itapuã significa ponta de pedra, na língua Guarani. Os primeiros habitantes de Itapuã foram os povos indígenas de tradição Umbu e Guarani.

Granito em abundância. Foto: Cleber Dioni

A extração do granito de Itapuã foi muito grande na década de 1960 e só não continuou porque a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), liderou uma campanha nos anos de 1970 para transformá-lo numa reserva ecológica.

– Aquilo é uma das paisagens mais bonitas e ricas do mundo. Mas estava praticamente abandonada. Tinha mais de trinta pedreiras atuando nos morros. Felizmente, parece que vamos conseguir impedir a destruição, disse José Lutzenberger, depois de realizar uma inspeção de rotina no parque de Itapuã, nos anos 1990, na época uma área de 1.500 hectares.

Parque Estadual de Itapuã, Lago Guaíba e Ilha do Junco (à dir.) e Lagoa Negra e Laguna dos Patos (à esq.). Google Earth

Hilda Zimmermann, uma das ativistas mais importantes do movimento ecológico do RS, registrou que havia muita extração de pedras e areia, pesca e caça predatórias. “Certa que certa vez fomos em dois ônibus e convidamos a imprensa para ir ver as pedreiras de Itapuã, que eram exploradas por um ministro de Brasília. Parem as marteladas, gritávamos. Saiu na primeira página um homem com cara de apavorado e eu com as mãos na cintura”, lembrou Hilda no livro Pioneiros da Ecologia (Editora JÁ).

Vista das praias do parque, a partir do Morro da Fortaleza. Foto: Cleber Dioni

A área foi declarada de utilidade pública em dois momentos, nos anos de 1973 e 1976.

O Parque Estadual de Itapuã (PEI) foi transformado em uma unidade de conservação de proteção integral do Estado somente em 1991, já com 5.566 hectares, incluindo a Lagoa Negra. Dois anos depois, incorporou as ilhas das Pombas, do Junco e da Ponta Escura.

Pesquisadores da SEMA na Lagoa Negra, dentro do Parque de Itapuã. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

 

 

 

 

 

Detalhe: a gestão era feita pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, pois não havia órgão específico do Estado para cuidar do meio ambiente.

Unidade foi fechada para retirada de moradias

Até 1990, havia 880 casas com moradores dentro do Parque de Itapuã. As praias recebiam ônibus turísticos aos finais de semana. A Praia das Pombas, por exemplo, que suporta 350 visitantes, chegava a ter mil pessoas.

“Lotearam, venderam terrenos e transformaram a reserva em um balneário, sem nenhum regramento sob aspectos ambientais. Isso, associado à extração do granito”, ressalta a gestora Dayse Rocha.

A desocupação começou em 1991, com o parque interditado para demolição das casas. O Estado indenizou os donos de imóveis regulares, com escrituras, e muita gente entrou em negociação com o governo. Dívidas viraram precatórios e algumas ainda não foram pagas.

“Isso explica, em parte, um certo inconformismo das comunidades do entorno com o Parque. Também, porque cortamos a extração de granito, a entrada de milhares de veranistas, coibimos a caça, a pesca predatória, especialmente na época da piracema (subida dos peixes nos rios para a reprodução), também chamada de período do defeso, a lei que protege as espécies.

Além disso, reclamamos dos resíduos sólidos deixados na praia externa ao parque, dos pesticidas nas lavouras”, explica Dayse. O parque foi reaberto em 2002 e vem se recuperando bem, segundo a gestora.

Aspilia montevidensis
Bromélia
Cattleya intermedia
Dickia
Gravatá
Mamica de cadela

 

Mandevilla coccinea
Cactus Parodia Ottonis
Topete-de-Cardeal

 

 

 

 

 

 

Um passeio até o Farol de Itapuã da Lagoa

Farol garante segurança aos navegadores, iluminando mais de 22 quilômetros. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A reportagem saiu de lancha, do terminal do Catamarã, em frente ao Mercado Público de Porto Alegre, em direção a Viamão, passando pelo Parque Estadual de Itapuã, pelo Farol, até entrar na Laguna dos Patos.

É uma das maiores do Brasil, com cerca de 300 km de comprimento e margens baixas. A profundidade máxima é de 7 metros. Diz-se que seu nome é proveniente da tribo dos índios patos, que habitavam a região. Atualmente, abriga uma ativa comunidade pesqueira.

Está separada do mar por uma faixa arenosa, com largura que varia de 10km a 36km. Diversas cidades desenvolveram-se às margens da lagoa e dos rios que ali deságuam, dentre elas, Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.

Na condução da lancha, Hugo Eugenio Fleck, empresário do setor de transportes terrestre (Ouro e Prata) e fluvial (Catamarã), e um auxiliar.

Gaúcho de Crissiumal, Fleck acumula experiência de 60 anos de navegação em vários países. Começou aos 15 anos, com um barco comprado pelo seu pai, navegando justamente pelas águas do Delta do Jacuí e do Guaíba.

Hugo Fleck navega desde criança pelo Guaíba. Foto: Cleber Dioni Tentardini

“Pela costa da Capital, em direção à zona Sul, só é possível atracar em dois clubes náuticos ou no ponto de embarque e desembarque do Catamarã, em frente ao Barra Shopping. Agora liberaram outro terminal no Pontal do Estaleiro, mas a burocracia é muito grande, demora uns cinco anos para aprovarem”, lamenta Fleck.

Passava das 9h, e o vento começara a virar do Norte para o Sul. Segundo Fleck, o microclima da região pode provocar ondas.

Ele também estava preocupado com os bancos de areia e as redes, levando em conta a sinalização deficitária. “As pedras são um problema somente próximo à terra firme, explicou o empresário.

Na travessia, é possível avistar os bairros Assunção, Ipanema, Ponta Grossa e Belém Novo até chegar em Viamão. Passados clubes náuticos, pequenas enseadas particulares e as praias da unidade de preservação, surge o Farol de Itapuã e, logo, a Laguna dos Patos. Alguns barcos com pescadores emolduravam a paisagem

Proximidades do farol são locais preferidos dos pescadores. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Atrás do Farol, embora encobertas pela mata, ainda podem ser vistas ruínas de um pequeno forte erguido pelos Farrapos para barrar a entrada dos inimigos do Império.

Pouco antes do meio-dia, o barco ancorou na Colônia de Pescadores e Agricultura Z4, em Itapuã, distrito histórico, à beira da Prainha, onde moradores e turistas têm à disposição escolas, igrejas, agências bancárias, lojas, bares e restaurantes, supermercados, posto policial, além de clube náutico e pousadas.

Farol ilumina até 22km

Farol de Itapuã da Lagoa. Foto: Egon Filter

Desde o início do século 19, os navegantes que se aventuravam por suas águas ressentiam-se da ausência de referências visuais que os ajudassem a alcançar aqueles portos em segurança. Requisitavam um farol, sobretudo, para a Ponta de Itapuã, que sinalizaria a foz do Guaíba, e o acesso a Porto Alegre.

Inaugurada somente em março de 1860, a torre de alvenaria tem forma octogonal, e mede 16,25 metros de altura. A sua volta ficam as casas dos faroleiros, protegidas do vento e das águas da lagoa por um paredão de pedras. Pintadas de branco, as construções contrastam com a vegetação e as pedras da Ponta de Itapuã, formando um dos cenários mais bonitos da Laguna dos Patos.

Construção cercada de pedras e vegetação do Parque Estadual de Itapuã. Foto: Cleber Dioni

Em 1903, após 40 anos de funcionamento, o obsoleto aparelho luminoso de Itapuã foi substituído por um Barbier, Benard & Turenne, com queimadores de vapor de petróleo comprimido.

Em 1914, uma comissão da Superintendência de Navegação aprovou, por unanimidade, o emprego de um revolucionário sistema de iluminação automático com gás acetileno.

Farol de Itapuã da Lagoa. Foto: Egon Filter

A partir de 1915, Itapuã da Lagoa, já modernizado, dispensava a assistência permanente do faroleiro.

Hoje, são utilizadas baterias como fonte de energia, e estas, alimentadas durante o dia por painéis solares (energia fotovoltaica).

baterias como fonte de energia, que são alimentadas por painéis solares. Foto: Cleber Dioni

O farol possui uma lanterna de lente de acrílico com um eclipsor no interior. Eclipsor é um dispositivo eletrônico.

O alcance luminoso é de 12 milhas náuticas, mais de 22km, suficiente para iluminar toda a foz do Guaíba. O acesso se dá somente pela água. A operação é de responsabilidade da Marinha do Brasil.

Vestígios farroupilhas no Morro da Fortaleza

A reportagem percorreu a trilha Fortaleza, um dos três percursos oferecidos pela administração do parque.

Godoy

O educador ambiental João Godoy Fagundes guiou a equipe em uma caminhada de quase três horas, levando em conta as paradas para fotos, vídeos, apontamentos da fauna e flora e de registros históricos.

A subida é íngreme em vários trechos dessa trilha e exige um bom preparo físico. O ronco dos bugios acompanha os visitantes durante quase todo o trajeto.

No caminho, há vestígios das trincheiras onde os soldados ficavam à espreita das tropas inimigas. Os Farrapos dominaram Viamão por quase toda a guerra. Tanto é que foi rebatizada de Vila Setembrina, 1838. E os morros permitiam uma visão ampla da região.

Morro da Fortaleza, onde os Farrapos posicionaram a artilharia para barrar a passagem dos imperiais. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

 

Vestígios das trincheiras

O líder dos farroupilhas, general Bento Gonçalves da Silva, tinha raízes em Viamão. Sua mãe, Perpétua da Costa Meireles, nasceu e foi batizada no município, e seu bisavô, Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcellos, povoou os campos de Viamão a partir de 1732.

Livros contam que os insurgentes posicionaram canhões no topo do Morro da Fortaleza voltados para um trecho do Guaíba defronte à Ilha do Junco a fim de impedir a passagem dos navios imperiais provenientes da Laguna dos Patos rumo à Porto Alegre.

Em 1836, uma força imperial conseguiu desembarcar na praia das Pombas – chamada de Saco do Faria, na época – e seguiu por terra até a Fortaleza, onde as refregas provocaram 32 mortes e vários foram presos. O comandante farrapo Simão Barreto teria sido colocado pelos legalistas no cais da vela de um dos barcos, onde morreu.

Balas de canhão, adagas, espora encontradas nas praias do parque

Foram encontradas balas de canhão, adagas, espadas, ganchos, até esporas, indicando que os revolucionários ocuparam os morros também a cavalo. Muitos desses materiais estão no museu do parque estadual. Outros, ficaram soterrados ou perdidos em meio à mata, de difícil acesso.

Há ruínas da época dos Farrapos também atrás do Farol de Itapuã, na embocadura do Guaíba.

Passo do Vigário

Em uma das escaramuças morreu o revolucionário italiano Luiz Rossetti, um dos principais redatores do jornal O Povo, órgão oficial da República Riograndense.

Carbonário e companheiro de Garibaldi, Rosseti, foi vítima de uma lança*, durante a tomada de Viamão pelos imperiais no dia 24 de novembro de 1840, na Batalha do Passo do Vigário (*site Viamão Antigo, editado por Paulo Lilja).

*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.  

Travessia de Viamão (3): “Temos que conciliar uso com preservação”, diz gestora da APA do Banhado Grande

Por Cleber Dioni Tentardini *

São 136 mil hectares, área maior que o município de Porto Alegre, de terras alagadiças que encerram o segredo de uma biodiversidade única, na transição da Mata Atlântica para o Pampa.

Em três banhados interligados (Banhado Grande, Banhado do Chico Lomã e Banhado dos Pachecos), porções de terras baixas onde se acumulam as águas de vertentes e das chuvas, que descem das últimas elevações da Serra do Mar.

O maior deles, o Banhado Grande dá nome à Área de Proteção Ambiental (APA), criada em 1998 para protegê-los do avanço das lavouras, da caça predatória e até da mineração. É considerada santuário de biodiversidade e “berçário” das espécies que habitam a região.

A área de preservação se estende por quatro municípios: Viamão (36%), Santo Antônio da Patrulha (33%), Glorinha (24%) e Gravataí (7%).

Uma das nascentes do rio Gravataí, no Banhado Grande, chamado de Rio Guará, uma zona de uso restrito. Foto: APABG/SEMA

Das águas que eles acumulam, como uma esponja, se alimenta o Rio Gravataí, um dos principais afluentes do Guaíba, responsável pelo abastecimento de 1,2 milhão de pessoas na Região Metropolitana de Porto Alegre.

– O desafio é compatibilizar as atividades de criação de gado, das lavouras de arroz e, cada vez mais, da soja, enfim, os múltiplos usos no território, com a conservação, diz a gestora da APABG, a engenheira agrônoma Letícia Rolim, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado.

As lavouras de arroz, por exemplo, que ocupavam a quase totalidade das terras planas da região – plantações irrigadas, com poucas pragas, necessitando menos venenos – causavam impacto menor.

Mas os produtores estão trocando o arroz pela soja, por causa dos lucros e do mercado internacional.

Além de mais defensivos, a soja exige a drenagem das áreas úmidas, o que afeta todo o ecossistema dos banhados, segundo a analista ambiental.

Lavouras de arroz dentro da APABG. Foto: Cleber Dioni Tentardini

– A pecuária também é atividade importante no entorno, dada a abundância de pastos e aguadas. Mas o gado não prejudica as áreas úmidas, a não ser quando a lotação do campo é alta. Aí, o pisoteio de muitos animais causa erosão e drena o banhado, ressalta.

Foto: Divulgação APABG

Um plano de boas práticas agropecuárias para orientar os produtores e reduzir o uso desses químicos está em desenvolvimento pelo Conselho Gestor.

– Precisamos criar regras que não existem no plano de manejo da APABG para conseguirmos trabalhar algumas áreas sensíveis do Banhado Grande, como a recuperação de áreas úmidas, na zona de adequação ambiental, explica a gestora da UC.

Letícia, gestora da APABG, com o colega da SEMA, o biólogo André Osório, gestor do Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Foto: Cleber Dioni Tentardini
Bióloga Cecília Nin, em fiscalização da APABG

– Um dos problemas mais sérios é o uso de agrotóxicos em lavouras no entorno da unidade de conservação e até dentro dela, reforça a bióloga Cecília Nin, analista ambiental da APABG.

MAPA DO BANHADO GRANDE

Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande abrange136.935 hectares, que se estendem por quatro municípios: Viamão (36%), Santo Antônio da Patrulha (33%),Glorinha (24%) e Gravataí (7%). Foi criada em 1998, mas só nos últimos dez anos ganhou um plano de manejo para garantir sua preservação. A gestão de toda a área de conservação é coordenada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

Um rio nos extremos

São límpidas as águas do Gravataí quando ele nasce nos banhados em Viamão. Dali, ele percorre 29 quilômetros até desembocar no Delta do Jacuí.

Banhado Chico Lomã, um dos que abastecem o rio Gravataí. Fotos: APABG/SEMA
Água límpida num dos arroios que drenam para Banhado Chico Lomã.

 

 

 

 

A reportagem tentou navegar por toda a extensão, mas não foi possível devido ao nível baixo do rio.

O Gravataí atravessa uma região de lavouras, fábricas e moradias, que utilizam sua água e nele jogam seus dejetos. No ponto de chegada, quando entram no estuário, as águas carregam uma carga tóxica que faz dele o quinto rio mais poluído do Brasil.

Lagoa da Anastácia, planície de inundação do rio Gravataí. Zona de Adequação Ambiental. Foto: APABG/SEMA

Último refúgio

Quatro anos depois de criada a APABG, os gestores se deram conta de que uma das áreas de preservação merecia uma atenção especial.

Era a menor delas, com 2,5 mil hectares de área, mas a mais rica em diversidade e a mais ameaçada.

Foi criado, então, o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos (RVSBP).

Refúgio coberto de névoa. Foto: André Osório/SEMA

O nome vem da família Os Pachecos, dona de uma das primeiras sesmarias dos “Campos de Viamão”.

Em 1998, quando o empresário Renato Ribeiro vendeu a propriedade para o Incra, eram 10 mil hectares. O Incra dividiu a área em lotes menores e neles assentou trabalhadores sem-terra.

Hoje, o Assentamento Filhos de Sepé, é o maior do Estado, em extensão, e o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.

O refúgio foi criado a partir da doação de uma fração de terras de cada assentado.

RVSBP abriga também espécies ameaçadas de extinção. Foto: Mariano Pairet/SEMA

Nesses 20 anos, pesquisadores e monitores já catalogaram mais de 283 espécies de aves, inclusive algumas raras.

Glayson Bencke, do MCN/SEMA

Pelo menos nove estão ameadas de extinção, como o veste-amarela, o guaracavuçu, o curiango-do-banhado e noivinha-de-rabo-preto, segundo o biólogo Glayson Bencke, do Museu de Ciências Naturais, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (MCN/SEMA)

Veste-amarela, Veste-amarela. Fotos: André Osório/SEMA
Cardeal-do-banhado
Curiango-do-banhado
Veste-amarela. Foto: Mariano Pairet/SEMA

Entre os mamíferos, estão no refúgio os últimos cervos do Pantanal que restam no Rio Grande do Sul. “Calculamos cerca de 30 indivíduos”, afirma o gestor do refúgio, o biólogo André Osório, da SEMA. Também o gato maracajá, gato do mato, tamanduá, bugio ruivo e tuco-tuco do Lami, outros em perigo de extinção em âmbito regional.

Bugios Foto: Mariano Pairet/SEMA
Capivaras. Foto: André Osório/SEMA
Ouriço

 

 

Tuto-Tuco do Lami. Foto André Osório/RVSBP/SEMA
Biólogo Martin Molz, do MCN/SEMA

Dentre as espécies da flora criticamente ameaçadas de extinção, encontradas no Refúgio, segundo o biólogo Martin Molz, do MCN/SEMA, estão a Persea venosa (pau-andrade), do gênero do abacate, e Butia catarinensis (butiá-da-praia).

A Stenachaenium macrocephalum (foto abaixo) não possui dados suficientes na listagem estadual, mas está criticamente ameaçada de extinção a nível nacional, assegura a bióloga Rosana Senna, do MCN/SEMA.

Foto: Cleber Dioni
Bióloga Rosana Senna/MCN/SEMA

Duas espécies de peixes, endêmicas do banhado, também são raras, como o “peixe anual”, cujo ciclo de vida é muito curto.

– O refúgio é o único lugar do mundo onde essa espécie foi encontrada, afirma o biólogo Marco Azevedo, do MCN/SEMA.

Biólogo Marco Azevedo. Fotos: Cleber Dioni
Peixe anual encontrado só no Refúgio

 

 

 

Estudos identificaram dentro do refúgio dois tipos de mata, a floresta de restinga arenosa e a mata paludosa, adaptada às áreas de banhado, importante para espécies ameaçadas. Também foi feito um estudo da vegetação do campo e das áreas úmidas e ali se identificou muitas espécies.

Além de Osório, há guarda-parques, voluntários e bolsistas/estagiários para colocar em prática o plano de manejo, homologado somente este ano de 2022.

Os cervos do banhado

Ele é conhecido como “cervo do Pantanal”, um dos maiores mamíferos terrestres do Brasil, uma das espécies ameaçadas que sobrevivem no Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.

Espécie nativa do RS foi sumindo com a degradação das áreas onde vive. Foto: André Osório/SEMA

O nome gera confusão porque, além do Pantanal, onde é mais numerosa, essa espécie é nativa do Rio Grande do Sul, sempre ocorreu em várias regiões como Planície Litorânea, Central, Sul, Campanha.

Foi desaparecendo em função da degradação das áreas úmidas, dos banhados, onde ele vive.

Mata Paludosa, típica de banhados. Foto: André Osório/RVSBP/SEMA

Pelos registros feitos com armadilhas fotográficas, Osório calcula que existam ali cerca de 30 indivíduos, incluindo filhotes, o que indica que a população está crescendo.

Outro indivíduo. Fotos: André Osório/RVSBP

O gestor conta que os especialistas em mamíferos ficaram surpresos com a capacidade de sobrevivência desse animal numa área de grande pressão como é a região metropolitana de Porto Alegre.

Biólogo André Osório, gestor do RVSBP. Foto: Cleber Dioni

“O cervo vem mudando o comportamento, provavelmente por estar ilhado. O padrão de atividade diária desse animal é final de tarde e à noite. Diferente de populações que vivem no Pantanal ou em países como a Argentina, por exemplo, que têm hábitos diurnos. Outra adaptação dele é que passou a se alimentar de folhas de Maricá, além das plantas aquáticas”, conta o gestor do refúgio.

Refúgio Banhado dos Pachecos, com a represa do assentamento ao fundo. Foto: Cleber Dioni

População rejeitou aterro sanitário

A prefeitura de Viamão propôs no ano de 2020 instalar um aterro sanitário regional em uma área de 170 hectares às margens da Rodovia Coronel Acrísio Martins Prates, localizada nos Montes Verdes, zona rural do município.

Manifestação contrária á instalação do aterro em frente à fazenda nos Montes Verdes. Foto: Lawrin Ritter

O projeto da Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA), com sede no Rio de Janeiro, ligada ao Grupo Queiroz Galvão, solicitou o zoneamento, uso e ocupação do solo da área, e liberação para remanejar o fauna silvestre a fim de receber rejeitos de 28 cidades, inicialmente.

A mobilização para barrar o processo começou com o Movimento Não ao Lixão, e logo ganhou a adesão das comunidades.

Na Câmara Municipal de Viamão.
Protestos invadiram as ruas. Foto: Lawrin Ritte

 

 

 

 

“A prefeitura estaria permitindo um crime socioambiental ao liberar a criação de um lixão com rejeitos de 28 cidades, podendo chegar a 50 cidades, em uma área com oito nascentes de água”, ressalta a professora Iliete Citadin.

A Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) negou prorrogar o prazo de entrega do Estudo de Impacto Ambiental a fim de receber licença previa de instalação.

Impactos seriam devastadores, aponta estudo da UFRGS

Professores, pesquisadores e alunos da UFRGS participaram de um projeto de extensão universitária para analisar os recursos naturais e uso do solo em Viamão, nos distritos do Passo da Areia, Espigão e Itapuã. A equipe foi coordenada pela professora e pesquisadora Maria Luiza Rosa, do Instituto de Geociências, com a consultoria do professor Pedro Antônio Reginato, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH).

O relatório técnico-científico concluiu que a localização da Fazenda Montes Verdes apresenta fragilidade geológica e geomorfológica a processos erosivos muito fortes e é imprópria para receber um aterro. E que o aterro causaria impactos devastadores ao meio ambiente porque a região está em área de recarga dos sistemas aquíferos, e há possibilidade de vazamentos no solo podendo atingir redes de drenagem com sentido ao Lami (lago Guaíba), Itapuã (lago Guaíba) e nascentes do Rio Gravataí.

Foram citados também as nove unidades de conservação no entorno: cinco Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN Costa do Serro, RPPN Rincão das Flores, RPPN Chácara Sananduva, RPPN Farroupilha e RPPN Professor Delmar Harry dos Reis), a Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande, o Refúgio da Vida Silvestre (RVS) Banhado dos Pachecos, a Reserva Biológica Municipal (RBM) José Lutzemberger (do Lami) e o Parque Estadual de Itapuã.

“Os efluentes lixiviados na área impactariam a rede de drenagem do Arroio Chico Barcelos, onde predominam chácaras, hortifrutigranjeiros e pecuária em propriedades de pequeno porte, além da comunidade Mbya Guarani da Tekoá Jataí’ty (Aldeia do Cantagalo), que faz uso da água de um afluente desde arroio. Atividades como dessedentação animal, irrigação e eventuais atividades recreativas seriam diretamente afetadas. Além disso, a Praia do Lami, local onde a qualidade da água do lago Guaíba é própria para banho também seria impactada. Assim como os impactos recairiam diretamente nas atividades de rizicultura, pecuária e no abastecimento urbano dos municípios de Viamão, Alvorada e Gravataí, que compõem uma população de mais de 660 mil habitantes urbanos.”

Aquíferos têm água de excelente qualidade, mas são vulneráveis

A geóloga Luísa Collischonn está desenvolvendo a sua tese de doutorado na região da Coxilha das Lombas, que envolve Viamão e Santo Antônio da Patrulha. O título do projeto da tese é “Compartimentação Hidroestratigráfica do Sistema Aquífero Barreira Marinha, noroeste da Planície Costeira do Rio Grande do Sul”.

Geologia e hidrogeologia do Sistema Aquífero Coxilha das Lombas. Fonte: CPRM, 2005-2006
Coxilha das Lombas: Aquífero subterrâneo e o Banhado Chico Lomã ao fundo. Foto: Ramiro Sanchez

O Sistema Aquífero Barreira Marinha também é conhecido como Coxilha das Lombas.

Luísa integra o grupo que está desenvolvendo o Atlas Socioambiental de Viamão. Ela explica que o aquífero teve origem há cerca de 325 mil anos, quando o mar estava aproximadamente 15 metros acima do atual, chegando até Viamão.

A geóloga Luísa Collischonn/Divulgação

“Da mesma forma como hoje temos campos de dunas em Cidreira, Mostardas e em outros tantos locais do litoral gaúcho, também havia um campo de dunas em Viamão, e são principalmente os seus depósitos sedimentares (paleodunas) que hoje formam o aquífero que conhecemos como Coxilha das Lombas”, afirma.

De acordo com a geóloga, os sedimentos arenosos que formam o aquífero são compostos principalmente por quartzo (o mesmo que predomina nas praias gaúchas atuais), com grãos arredondados, que foram moldados pelo vento, e grãos mais finos, provavelmente gerados a partir do intemperismo (alteração) das rochas graníticas encontradas próximas dali, nas porções Oeste e Noroeste de Viamão e em Porto Alegre.

“Existem espaços entre esses grãos, onde a água subterrânea fica armazenada e flui, formando o aquífero granular (formado por grãos de areia). A feição alongada e arenosa que forma a Coxilha das Lombas é mais alta que as áreas adjacentes e serve como área de recarga do aquífero, sendo que a água da chuva infiltra e circula relativamente rápido entre os grãos, sendo esse um dos motivos pelos quais a água subterrânea do aquífero apresenta boa qualidade. Mas, isso também deixa o aquífero, de certa forma, vulnerável à contaminação oriunda da superfície, que pode chegar ao aquífero a partir de vazamentos em postos de combustíveis, chorume de lixões, e de outras possíveis fontes”, alerta.

Sobre os poços da Ambev, a pesquisadora diz que são tubulares com aproximadamente 100 metros de profundidade e captam água do aquífero Coxilha das Lombas. Foram perfurados pela CORSAN da metade para o final dos anos 90 na região de Águas Claras, e que evidenciaram o potencial que o aquífero Coxilha das Lombas tem, tanto em termos de qualidade da água, quanto em quantidade.

“Em geral, os poços que se encontram em Águas Claras e retiram boas vazões, mostrando uma rápida recuperação do nível do aquífero quando cessa o bombeamento”, ressalta Luísa.

Também ocorrem em Viamão aquíferos formados nas rochas graníticas, chamados de aquíferos fraturados. É o Sistema Aquífero Embasamento Cristalino. Estão localizados nas porções oeste e noroeste de Viamão. Neles, a água se encontra nas fraturas que existem nas rochas. Tiveram sua origem há cerca de 800 milhões de anos, quando dois antigos continentes colidiram: o Rio de La Plata (sul-americano) e o Kalahari (africano). Com a colisão, formou-se uma antiga cadeia montanhosa, conhecida por Cinturão Dom Feliciano.

A partir desse antigo cinturão se formaram rochas graníticas que somente são visíveis hoje em Viamão porque toda a região sofreu intensa erosão, expondo à superfície as rochas que estavam originalmente em profundidade.

“Em Viamão existem muitos poços que captam água do aquífero fraturado, mas, comparado a ele, Coxilha das Lombas se destaca, sendo considerado o melhor aquífero da Região Metropolitana de Porto Alegre e um dos poucos da região onde podem ser projetados empreendimentos que dependem de água subterrânea como fonte de abastecimento”, completa a geóloga.

* Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.

 

 

Travessia de Viamão (2): Programa alia produção de alimentos a práticas socioambientais

Por Cleber Dioni Tentardini *

Com a abundância de terra, água e reservas naturais, é natural que a vocação do município se volte para a produção de alimentos. Mas, que alimentos?

O engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, coordenador do Programa EcoViamão – curso de extensão do IFRS Campus Viamão – defende que o município esteja cada vez mais voltado para práticas ecológicas, criando zonas de amortecimento no entorno das reservas com produção orgânica.

– É o potencial natural de Viamão, diz o professor.

EcoViamão surgiu em 2016 com o propósito de implantar  atividades agroecológicas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.

Fioreze lembra que 37% do território é composto por unidades de conservação, de proteção integral e de desenvolvimento sustentável. Ou seja, mais de um terço do município.

– Os assentados estão provando que é possível a convivência da produção com a conservação. Começaram a primeira lavoura de soja orgânica certificada de Viamão. Outros tantos produzem arroz orgânico. Lá em Itapuã, o biólogo Lizandro Pelegrini também está plantando arroz orgânico, na propriedade do O Butiá, ressalta Fioreze.

Fioreze (à dir.) visita produção de soja orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir /Emater
Soja Orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir/Emater

Mas ainda faltam incentivos, segundo ele. O professor cita a cidade de Nova Santa Rita, onde os assentados tiveram apoio do poder público e estão bem organizados, têm agroindústria, abatedouros para carne suína, bovina, frango e outras coisas.

– E Viamão, com esses ativos ambientais poderosíssimos, algo raro de se ver no Brasil afora, precisa do apoio dos governos. Tem que incentivar os produtores com boas práticas ecológicas com a redução do imposto CDO – Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura. Eles já estão prestando um serviço ecossistêmico importante para a APA do Banhado Grande, para o Gravataí, deixando a água mais limpa, menos turva, ao reduzir o uso de agrotóxicos, ao não utilizar adubos industriais solúveis, ao não mobilizar demais o solo, destaca o professor.

Fiorezi integra o Conselho do Parque Estadual de Itapuã, o Conselho da APA do Banhado Grande, é vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, e também é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, cuja coordenação é do Ministério Público Federal.

APA dp Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

O professor ressalta que Viamão está no estômago de uma Região Metropolitana com cerca de 4 milhões de habitantes, num raio de 60km. Se incluir todo o litoral Norte, segundo ele, são mais seis milhões de pessoas num raio de 100km.

– E quem alimenta esse povo, questiona o ex-extensionista rural da Emater. “Toda a produção de arroz orgânico do Estado dá 5 mil hectares em um universo de um milhão de hectares, então nós temos meio porcento do arroz gaúcho ecológico, enquanto nós poderíamos ter muito mais, diminuindo custos e agregando valor para quem produz. Viamão poderia plantar entre 30 e 40 mil hectares de arroz e todo orgânico, ecológico, e sem muito trabalho. Mas ainda existe muito preconceito com a agroecologia, com o MST, e está dentro das universidades, da Academia, com aquele discurso que a produção de base ecológica pode não sustentar a alimentação do mundo, o que é uma grande bobagem. Primeiro, porque a fome no mundo não é por falta de comida, mas por desigualdade de renda. O que se produz hoje dá para alimentar duas vezes a população mundial. Segundo, porque só o que é desperdiçado – segundo a FAO/ONU representa 30 a 40% do que é produzido -, daria para alimentar todos que passam fome. O desperdício se dá por preconceito cultural, desinformação.

Outra pauta em curso é a cobrança pelo uso da água.

– A Bacia do Gravataí é pioneira em implementar essa política com a ideia de premiar as boas práticas. Não é um debate fácil, tem muitos atores com interesses diferentes, mas têm que ir costurando. Se houvesse mais poderes, mais instrumentos econômicos nas mãos desse e de outros comitês, os resultados seriam muito melhores, não só para o Gravataí, mas para todas bacias hidrográficas do Estado.

Assentamento Filhos de Sepé prioriza comida orgânica

A maior plantação de arroz orgânico da América Latina fica em Viamão, no Assentamento Filhos de Sepé, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Mais de 1,5 mil hectares plantados de arroz,, que rendem em torno de 100 sacas por hectare.. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

Orgânico quer dizer que não há uso de agrotóxicos ou culturas transgênicas.

De acordo com o presidente da Associação dos Assentados Filhos de Sepé, o técnico agrícola Ivan Prado Pereira, há 376 famílias, registradas no Incra e, dessas, 130 estão envolvidas com o arroz. São 1,6 mil hectares plantados, o que rende em torno de 100 sacas por hectare.

Agricultores mais antigos, do Assentamento A Reforma, em Itapuã, da época do governo Leonel Brizola (1959-1962), também produzem arroz orgânico.

Pereira diz que é difícil precisar quantas pessoas vivem hoje no assentamento porque muitos foram para lá solteiros, ou somente o casal, aí separaram um pedacinho para a casa do filho e da filha, que também formaram família, e trabalham na mesma terra.

– A estimativa é que morem aqui umas 750 famílias, afirma Pereira.

O assentamento surgiu no final de 1998. Este assentamento é diferente dos demais no Brasil. Está dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Banhado Grande. E totalmente livre de produto químico na lavoura, tanto na horta como no arroz.

Barragem

A terra livre de agrotóxicos pertence ao INCRA e é cedida para os assentados trabalharem. Possui 9,6 mil hectares, e desses, cerca de 2,3 mil integram o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Só a barragem tem 500 hectares de lâmina d’água.

O tamanho dos lotes gira entre de 1 a 3 hectares a parte alta, no entorno da casa, onde as famílias têm sua horta, pomar, galinhas, porcos, e entre 13ha e 16ha na parte baixa, da lavoura. Muitos têm criação de gado de corte, alguns têm vaca de leite. Há famílias ligadas à produção de hortaliças orgânicas, mel.

O Filhos de Sepé possui a escola municipal Nossa Senhora de Fátima, o colégio Josué de Castro, uma escola técnica, e faculdades de Agronomia, Medicina Veterinária, História, e o EJA, com cerca de 150 alunos ao todo.

A associação mantém parceria com a Emater, IRGA, Instituto Federal e UFRGS na área de biotecnologia, estudos para melhoramento do solo e da produção.

O casal Itor e Lurdes Cardoso chegou no Filhos de Sepé em 2013, quando passou a trabalhar somente com produtos orgânicos e pecuária.

Lurdes garante que só trabalha com produtos orgânicos. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

O lote da família é de 10,7 hectares, dividido em duas áreas, a parte da casa e o entorno, onde estão as hortaliças, legumes e as árvores frutíferas, e a outra, maior, onde cria 12 vacas, de leite e de corte, e produz milho.

Itor na feirinha no centro de Viamão

As duas filhas já casadas, Iara e Ana Claudia, permanecem no assentamento, e a mais nova, Ionara, ajuda os pais após o colégio. A produção é vendida na Praça Júlio de Castilhos, no centro de Viamão, e através de entregas à domicílio.

– A demanda aumentou bastante durante a pandemia, agora diminuiu um pouco, mas ainda levamos para Porto Alegre e muitos nos encomendam e buscam lá na nossa banca, explica Lurdes.

Nilza Padilha e Elói Kremer vivem no Filhos de Sepé faz 23 anos. Produzem numa área de 12 hectares hortaliças, frutas, legumes e o arroz orgânico, que é beneficiado na agroindústria da cooperativa em Eldorado do Sul, o Terra Livre. Também criam galinhas e vendem ovos.

Comercializam os produtos em duas feiras de Viamão e também entregam à domicílio. Faz pouco tempo, Elói introduziu a agroflorestal em suas hortas.

Elói

Nilza

 

 

 

 

 

O casal é jovem, idades em torno dos 53 anos, mas o trabalho duro no campo já preocupa o futuro, pois as duas filhas, de 17 e 22 anos, não permanecerão no assentamento. Jéssica, a mais nova, faz curso técnico de enfermagem, e Renata cursa Direito em Florianópolis.

José Derli de Alves, de Nonoai, é outro assentado com mais de 20 anos em Viamão. Além do hortifruti, cria vacas e produz derivados do leite. Vende em feiras e por encomendas. Seu Deco é um homem de sorte, tem vários ajudantes. Trabalha ele e mais quatro, às vezes cinco filhos. Os outros sete filhos já casaram e arrumaram outras ocupações.

Deco na feira do Centro

– Tem que ser, né, porque não dá para parar, as verduras estragam, as vacas não esperam, como dizem, quer ter vaca de leite, casa com ela, se diverte seu Deco.

 

 

“É possível produzir alimentos sem venenos”

Trinta anos atrás, o casal Valcir Carpenedo e Ingrid Bergman Inchausti de Barros decidiu mudar de vida de forma radical. Trocou a rotina em um apartamento na movimentada avenida Cristiano Fischer, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por um sítio de meio hectare no bairro Tarumã, em Viamão. Compraram e reformaram a casa que era a sede da fazenda de Tarumã.

Carpenedo

– Buscamos o meio rural como projeto de vida e queríamos provar para nós mesmos que era possível produzir alimentos sem veneno, afirma Carpenedo.

O casal implantou um viveiro com a proposta de produzir hortaliças, chás, temperos isentos de qualquer química.

Carpenedo tem mudas de hortaliças, vegetais, chás e, dependendo da época. algumas frutas,

O pessoal leva ou encomenda as sementes de alfaces, rúculas, brócolis, alho-poró, beterraba, dependendo da época começa as melancias, abóboras, pepino, melão.

– Este espaço nos ajuda a pagar algumas contas, mas o objetivo é reconectarmos à terra. As escolas aqui no entorno trazem os pequenos e a gente nota que ficam admirados em saber como nascem as plantas. Não é de hoje que as crianças estão desconectadas da realidade do campo, as pessoas não sabem plantar um pé de alface, tomate, milho que seja.

Geólogo, especialista em solos, Carpenedo era professor da UFRGS e, hoje, aposentado, ainda dá aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), onde também estudou.

– Acredito que para produzir é preciso ter um saber holístico das coisas.  Desde a semente até como controlar uma irrigação. A agricultura convencional é bem mais fácil do que a ecológica, porque tu tens que entender todo o processo, entender a planta, a interação com o ambiente. É possível produzir nas bases mais naturais. Aprendemos que se der vida ao solo, ele faz o resto sozinho. Este modelo de agricultura está em prol da comida e da saúde, reforça o professor.

Carpenedo lembra que a localização de Viamão é privilegiada pela quantidade e qualidade da água de que dispõe.

– Nós temos a água que vem do granito, nós estamos no Aquífero Mar de Dentro. Ao arborizar um espaço, a água começa a brotar. A hora que Viamão acordar, vai dar um salto, porque a vocação do município é produzir comida, em vez de commodities. E abrir as portas para as agroindústrias, fazer com que o viamonense trabalhe aqui.

Há cerca de sete anos, ele aceitou convite do amigo Valdon para vender suas mudas na FAE. Gostou tanto que começou a participar de outra feira de orgânicos, no centro de Viamão, com a ajuda do Ricardo Oliveira, seu auxiliar no viveiro.

“As feiras são locais de trocas de saberes muito fortes, cada um ali tem a sua história, sua vivência, ainda temos que conectar mais, trocar mais”, diz.

 

Falta memória das plantas medicinais

Ingrid, engenheira agrônoma, deu aulas durante 39 anos na UFRGS. Especialista em olericultura, ela introduziu o estudo das plantas medicinais na Faculdade de Agronomia e orientou o pessoal sobre as ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais).

Seu primeiro contato com Viamão foi como estudante da Universidade na antiga estação experimental da Fepagro – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária -, com o professor José de Almeida Soares. Depois, trabalhou com o técnico agrícola Luiz Osório de Castro, segundo ela, um visionário.

– Ele tinha um conhecimento incrível da flora daqui. Reuniu a maior coleção de plantas medicinais nativas naquela estação experimental e espalhamos por vários lugares, antes de acabarem com a estação e com tudo. Nós temos essa riqueza enorme em Viamão, de fauna e flora, temos esses recursos e mesmo assim ficamos sem registro. Nós trabalhamos muito toda a estruturação da fitoterapia no SUS. Tivemos projetos grandes, no final dos anos 90, com parceria entre UFRGS e Prefeitura de Viamão, Fepagro e UFRGS, e o município esqueceu disso tudo, lamenta a agrônoma.

Segundo Ingrid, duas pessoas conseguiram potencializar o trabalho do Luiz Osório, a Vera Chemale e a Ana Rosa reuniram em livro (Plantas Medicinais Condimentares e Aromáticas) o conhecimento acumulado de muitos anos.

Pioneiros da FAE

Valdon, Lisiane e a filha Lilian colhendo as hortaliças para vender em Porto Alegre. Fotos: Cleber Dioni

A família Wegner é uma das pioneiras da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece todos os sábados pela manhã na avenida José Bonifácio, em frente à Redenção.

A reportagem acompanhou o trabalho da família meses antes dela arrendar o sítio e sair da FAE. Seu Valdon e a esposa Lisiane decidiram se aposentar e voltar para Santa Cruz do Sul, de onde partiram rumo a Viamão em 1977. Ele trabalhou seis anos como empregado em um tambo de leite, depois arrendou um sítio e começou a plantar verduras. Vendia em Viamão mesmo e, em 1987, foi convidado a participar da feira Tupambaé, que estava sendo realizada desde o ano anterior na área central do Parque Farroupilha (ao longo do espelho d’água) para comercializar produtos e falar sobre ecologia.

No sítio
Na FAE

A feira Tupambaé (palavra de origem tupi-guarani que significa lavoura do comum) foi o embrião da Feira da Coolmeia, e hoje, a FAE – Feira dos Agricultores Ecologistas.

No sítio de dez hectares, plantavam hortaliças, abóbora, acerola, aipim, batata doce, beringela, cebola, entre outros. E contavam com a ajuda da filha Lilian, que alternava no trabalho como fisioterapeuta e na produção e venda dos produtos. O que não vendia na feira, ficava para consumo da família e uma parte era doada.

O que não vende na feira, fica para consumo da família e uma parte é doada.

– Viamão é uma cidade abençoada com a melhor água,  limpa, impressionante. Temos um poço artesiano lá no sítio com 38 metros de profundidade e tem vertentes por tudo, em cinco hectares de mata nativa. Certa vez, fui visitar um sítio na região da Pimenta, e vi a água brotando, cristalina, conta seu Wegner.

Ovos sem hormônios

Na Quinta da Passiflora, a produção de ovos e mel é isenta de aditivos como hormônios, antibióticos ou drogas veterinárias.

A Quinta surgiu em 1984, quando dois irmãos da família Bos Wolff iniciaram a criação de abelhas em parceria. Aos poucos a família foi diversificando as atividades e começou a plantar frutas e hortaliças, aves e ovos, além do mel, própolis e derivados.

Hoje, é administrada por Edson Marcelo Garcia, a esposa Claudia Wolff e os filhos Marina e Maurício. O casal é outro pioneiro da FAE, na Redenção.

 

Edson Marcelo, produtor de ovos orgânicos da Quinta da Passiflora. Fotos: Cleber Dioni

A Quinta trabalha com 800 frangos. A vida útil das poedeiras é de 120 semanas. Depois, são abatidas, algumas são aproveitadas para o consumo da família e as demais transformadas em adubo.

“Esse é um problema que nós, pequenos produtores, enfrentamos, porque não tem abatedouro para poucos frangos. É um investimento muito alto. Além disso, tem que ter toda uma limpeza específica para lidar com o produto no sistema orgânico e agroecológico”, completa Marcelo.

A veterinária Lisiane Feck Ávila, consultora da Emater de Viamão, explica que a linhagem de frango Izabral é a mais comum entre as poedeiras.

– É um animal pequeno. Começa a pôr ovos a partir dos 5 meses e tem vida útil entre 1,5 a 2 anos, afirma a veterinária.

Os desafios da Emater

O engenheiro agrônomo Gladimir Ramos de Souza, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), diz que o público em um município grande como Viamão abarca diferentes grupos, como indígenas, quilombos, pescadores, assentados, pecuaristas familiares, produtores orgânicos, grandes produtores de arroz, de soja.

Gladimir registro a visita,com o professor Fioreze à plantação de soja orgânica no Filhos de Sepé.

O extensionista ressalta que estão trabalhando com o sistema SPDH – Sistema de Plantio Direto de Hortaliças. Viamão tem hoje o maior grupo de produtores de foliosas da Ceasa do RS. Segundo ele, é utilizado muito insumo químico, que ocasiona a degradação do solo, então adotaram a experiencia do plantio direto, feito há muito tempo em Santa Catarina e introduzido no estado pela UFRGS, para, futuramente, o produtor trabalhar com orgânicos.

– Prestamos auxílio, capacitação, ajudamos a desenvolver as comunidades dando ênfase à produção orgânica e ecológica. Por exemplo, na Costa do Oveiro, orientamos a produção do leite a pasto, ou seja, com as vacas livres e, não, confinadas. O custo é bem mais baixo. A tendência é que esses confinamentos de suínos, galinhas, acabe logo porque é muito oneroso, explica.

Souza lembra que o primeiro assentamento do Estado foi em Itapuã, “A Reforma”. Três famílias remanescentes dos primeiros assentados moram próximas ao parque de Itapuã e produzem arroz orgânico.

Alguns agricultores do Assentamento Filhos de Sepé também estão produzindo arroz orgânico, de forma experimental , em parceria com o IRGA, Instituto Federal e Emater.

Plantação de soja orgânica

– Estamos trabalhando também com a agrofloresta. No Filhos de Sepé, plantamos meio hectare. Produzir hortaliças no meio de árvores frutíferas, por exemplo, ou eucalipto. Isso, a médio prazo, melhora muito o solo, até chegar no ponto que não é preciso colocar insumos químicos. Os galhos e folhas das árvores que caem vão fertilizando o solo. Isso vai crescer muito nos próximos anos”, acredita o agrônomo.

Colaboraram com a série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Travessia de Viamão (1): Os caminhos para uma economia sustentável

Cleber Dioni Tentardini *

Quem cruza Viamão pelas rodovias estaduais ou caminha pelas ruas bucólicas do seu centro histórico, não imagina a riqueza ambiental deste município.

Embora ao lado de Porto Alegre, distante vinte e poucos quilômetros do centro, a “velha capital”, sede do governo na invasão espanhola, é pouco conhecida.

A exuberância do meio ambiente salta aos olhos. Rios, lagos, lagoas, banhados, arroios e nascentes estão por todos os lados, nos sítios, nas chácaras, nos parques, nas reservas ambientais.

São mais de 500 quilômetros quadrados de áreas com algum grau de proteção ao meio ambiente, a maioria sob responsabilidade do Estado.

O município tem o maior território da Região Metropolitana, com 1.497km², três vezes a área de Porto Alegre.

Nascentes do rio Gravataí se formam em Viamão. Foto: Ricardo Aranha/SEMA

Essa reserva de água doce, encrustada em rochas debaixo da terra em Viamão, é o Sistema Aquífero Quaternário, também conhecido como Aquífero Coxilha das Lombas, com um manancial permanente de, pelo menos, seis bilhões de metros cúbicos (m³).

Coxilha das Lombas é uma região de paleodunas, um cordão de restingas que inicia em Tapes, passa por Viamão, Santo Antônio da Patrulha e termina em Osório.

Por sua porosidade, esse tipo de rocha esponjosa armazena grandes volumes de águas provenientes da chuva. Leva décadas para percorrer algumas centenas de metros. A rocha age como um filtro natural, que resulta em águas de excelente qualidade.

– Pelas suas características geológicas e hidrogeológicas, o Coxilha das Lombas já foi proposto como um potencial sítio geológico a ser preservado como patrimônio natural da humanidade, assinalou o geólogo Roberto Kirchheim em um relatório para o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.

A proteção dos mananciais é uma das preocupações constantes de pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Viamão, que atuam em várias frentes, em parceria com gestores das reservas ambientais, consultores da Emater, promotores e procuradores de Justiça e ambientalistas.

O Programa EcoViamão, um curso de extensão oferecido pelo IFRS, pauta os seus alunos bolsistas para desenvolverem pequenos projetos junto aos quilombos, às aldeias indígenas e aos assentamentos, que favoreçam os sistemas agroalimentares sustentáveis.

– A transição agroecológica dos processos produtivos ligados à produção de alimentos favorece esse ativo ambiental muito significativo de Viamão, representado por parques municipais, estaduais, unidades de conservação e dos mananciais de água, assim como diversidade cultural dos povos, ressalta o engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, professor e coordenador do Programa EcoViamão.

O que é produzido sem uso de agrotóxicos vem aumentando. Viamão é uma das mais importantes regiões de produção hortifrutigranjeiros. Os agricultores participam de feiras em alguns pontos de Viamão e de Porto Alegre, inclusive aos sábados na FAE – Feira de Agricultores Ecologistas.

O Assentamento Filhos de Sepé detém a maior produção de arroz orgânico da América Latina. E cresce a adesão de produtores de soja orgânica também.

Pujança das águas

O Lago Guaíba margeia Viamão até desaguar na Laguna dos Patos. Esse ponto é marcado pela presença do Parque Estadual de Itapuã, uma das reservas ambientais no município, com sítios de valor histórico e arqueológico.  E que abriga a Lagoa Negra e o Farol de Itapuã.

Guaíba deságua na Laguna dos Patos, após o morro do Farol de Itapuã (no horizonte). Foto: Cleber Dioni

Em outra região está a Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande (APABG), que abrange parte dos biomas Pampa e Mata Atlântica e abriga o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.

Parte da APA do Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

Além das reservas, o município tem ainda o Parque Natural Municipal Saint’Hilaire, que por muitos anos abasteceu a população de Porto Alegre com suas mais de 50 nascentes, e que, ainda hoje, é um dos maiores parques urbanos da área metropolitana.

A maior parte do parque está em solo viamonense, mas até há pouco meses ainda era administrado pela Prefeitura de Capital. Essa situação foi alterada porque Viamão assumiu os 908 hectares em seu território, cerca de 80% do parque. A parte de Porto Alegre tem 140 hectares. Legalmente, existem dois parques Saint’Hilaire, cada um com seus gestores municipais.

Outro marco de Viamão é o Hospital Colônia de Itapuã, criado em 1940 como um leprosário para isolar portadores de hanseníase no âmbito de uma política desenvolvida pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas. Localizado em uma área verde de 1.253 hectares, cercado pelo Guaíba, Lagoa Negra e dos Patos, está distante pouco mais de 50 km do centro da Capital.

Hospital Colônia tem mais de 1,2 mil hectares na costa da Lagoa Negra e da Laguna dos Patos e vizinha do Parque Estadual de Itapuã e de reserva indígena Guarani. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Transgressões marinhas definiram a conformação do território

O naturalista Auguste Saint-Hilaire registrou em livro* ao cruzar pelos Campos de Viamão em 1820: “Está encravado numa coxilha donde se descortina vasta extensão de campos levemente ondulados, no meio dos quais se levantam tufos de bosque”. (*Viagem ao Rio Grande do Sul”).

Um dos maiores nomes da pesquisa científica no Estado, o padre jesuíta gaú­cho Balduíno Rambo, deixou suas impressões*: “É uma terra de suaves colinas e montanhas de contorno arredondado, com os flancos e os topos cobertos de pastagens, e os vales assinalados por longas e estreitas faixas de matos de galeria”. (*”A Fisionomia do Rio Grande do Sul”)

Terra de suaves colinas e montanhas arredondadas, cobertas de pastagens, assinalou Padre Rambo. Foto: Cleber Dioni Tentardini

O Atlas Ambiental de Porto Alegre é mais específico: “Entre as unidades graníticas mais antigas está o granito Viamão. Caracteriza-se pelo relevo suavemente ondulado, recoberto por sedimentos originados da bacia do Rio Gravataí e Planície Costeira. As transgressões marinhas definiram a conformação do território viamonense, o sistema de lagoas litorâneas e a delimitação da costa sul-rio-grandense”.

Travessia entre os montes

Os povos Tupi-Guarani, primeiros habitantes, chamaram as coxilhas que emolduram os campos de Viamão por “ibias”, e “ibiamon” seria algo como travessia entre os montes.

Essa é uma das explicações sugeridas para a origem do termo aportuguesado. Alguns registros também relacionam ibias com pássaros. Outros, assinalam que, a partir do ponto mais alto de Viamão, era possível avistar os cinco rios que deságuam no Guaíba, sugerindo o formato de uma mão.

A data de fundação do município é 14 de setembro de 1741, ano em que iniciou a construção da Capela Nossa Senhora da Conceição – atual Igreja Matriz. Viamão completou 281 anos, oficialmente.

No entanto, os primeiros registros dos colonizadores remontam ao século 17, com a movimentação de tropeiros, soldados e negros escravizados, entre a Colônia do Sacramento, no Uruguai, e Laguna, em Santa Catarina.

*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Protesto dos moradores tenta deter obra na Praia do Santinho

A rede de esgoto, iniciada há mais de cinco anos, não foi concluída. Uma praça prometida há mais de 20 anos até agora não saiu.

Mas um novo megaprojeto já teve suas obras iniciadas esta semana, apesar das irregularidades apontadas numa ação pública em andamento no Ministério Público.

Os moradores vão às ruas protestar neste domingo.

O bairro do Santinho, no extremo norte da ilha, é um dos menores de Florianópolis. Tem pouco mais de três mil moradores e um patrimônio ambiental incalculável: 2,5 km de praia deslumbrante, costões, banhados, lagoas, nascentes.

Há muito tempo esse patrimônio ambiental e paisagístico é alvo da especulação imobiliária. Muitos danos já foram causados por uma ocupação predatória, que lucra ao custo do meio ambiente.

Mas o que está ocorrendo agora é um atentado à comunidade do Santinho e à cidadania de Florianópolis de modo geral, porque este é um caso exemplar do que está acontecendo em toda  a ilha: liberação total aos empreendimentos imobiliários sem medir as consequências da ocupação desordenada de todas as áreas disponíveis. Um processo que vai arrasar o maior patrimônio da ilha, que é a natureza – como ocorreu com Camboriú.

Moradores protestam: obra vai impactar o trânsito, os esgotos e o meio ambiente.

No caso exemplar do Santinho, o processo já iniciou há mais de 20 anos, com o resort/hotel Costão do Santinho, cuja obra começou sem licença ambiental. Um Termo de Ajustamento de Conduta, que o empreendedor assinou com o Ministério Público, previa a destinação de área para  uma praça no bairro.  O Santinho não tem praça até hoje.

Não tem esgoto. Há mais de cinco anos está em implantação uma rede de esgoto, um caso relativamente simples, uma rede coletora de 2,5 quilômetros  na estrada geral. Até hoje não está ligada à estação de tratamento.

Enquanto isso, a última área disponível para os eventos da comunidade,  o último espaço  do bairro de onde se tem uma vista de toda a praia, foi liberada para mais um megaprojeto.  Há uma ação judicial da comunidade questionando a legalidade da obra, que terá grande impacto ambiental, inclusive em área de preservação, mas as  retroescavadeiras já preparam o terreno para um condomínio fechado de 11 prédios de seis andares, num total de 200 apartamentos e estacionamento para 800 carros.

 

 

Entrevista: “Brasil precisa da Antártica tanto quanto da Amazônia”

Em entrevista exclusiva, glaciólogo gaúcho explica a interdependência entre os pólos e os trópicos

Por Márcia Turcato

Jefferson Cardia Simões, 64 anos, é glaciólogo, estuda o gelo. Foi o primeiro brasileiro a ter essa especialização, ainda na década de 80, quando o Brasil vivia uma ditadura.

Longe de ser um pesquisador caricato, daqueles que aparecem em filmes, Simões é conversador e é um entusiasta da popularização da ciência, por isso sempre oferece exemplos cotidianos para explicar seu trabalho. Ele é casado há 40 anos com Ingrid Lorenz Simões, tem dois filhos e dois netos e é natural de Porto Alegre.

Foi em sua sala de vice-Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que me recebeu por mais de duas horas para falar de seu trabalho mais recente.

O professor retornou dia nove de janeiro da Antártica, uma expedição iniciada no último dia quatro de dezembro. Ele viaja ao Polo Sul desde os anos 90 e também já esteve no Ártico e em outras regiões geladas do planeta. O trabalho consiste, basicamente, na realização de análises químicas da atmosfera e na coleta de testemunhos de gelo, que é uma espécie de paleontologia glacial, ou técnica palio climática.

De acordo com Simões, “o Brasil precisa parar de achar que é um país tropical isolado, isso não existe, é uma fantasia, foi uma fantasia geopolítica das décadas de 50 e 60. Para o meio ambiente global, as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos”.

O professor salienta “que não teríamos clima se não houvesse essa diferença de temperatura entre os trópicos e os pólos. Centrar a visão só na Amazônia, evidentemente está errado”.

“A questão da Amazônia é mais ampla porque é território nacional, tem a biodiversidade de fauna e flora e tem população humana, mas nós também temos responsabilidade na Antártica”.

Simões explica que do ponto de vista ambiental, a Antártica e a Amazônia são regiões interdependentes e que mudanças climáticas sempre ocorreram e vão continuar ocorrendo, “mas a estratégia que precisamos adotar é de ações mitigadoras e de adaptação”.

O professor Simões tem graduação em Geologia pela UFRGS. Isso em 1983, quando recebeu uma bolsa do CNPq, e foi estudar Glaciologia em Cambridge, na Inglaterra, onde ficou por seis anos. Chegou a trabalhar no Serviço Antártico Britânico. Naquela época o Programa Antártico Brasileiro – Proantar, era recente, e precisava de especialistas. “Eu cheguei no momento certo e as coisas se encaixaram”.

O gelo antártico tem até 2 km de espessura, são cerca de 27 milhões de km cúbicos de gelo na Antártica, o suficiente para cobrir o Brasil com um manto de gelo de 3 km de espessura em toda a sua extensão. O território brasileiro tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

A pesquisa

Para chegar na Antártica, o custo da viagem de Simões é de 800 mil dólares, enquanto pesquisadores de outros países viajam por cerca de um milhão de dólares e às vezes até o triplo desse valor.

A última expedição do brasileiro contou com parcerias financeiras do CNPq, National Geographic e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS- Fapergs.

As pesquisas feitas pelo Brasil alcançaram um período de três mil anos e as amostras coletadas estão guardadas no Instituto de Mudanças do Clima, no Maine, nos Estados Unidos, na temperatura de 20 graus centígrados negativos.

Cem metros de perfuração no gelo equivalem a 400 anos de tempo. As informações contidas no gelo coletado mostram qual é a concentração de água, isótopos, minerais e outros elementos.

Com isso, os cientistas têm condições de avaliar como era o clima e a vida naquele período, comparar com outras épocas e fazer projeções, por exemplo.

Pesquisas recentes na Antártica indicam que o gelo continha traços de contaminação por urânio, resultado de uma mina a céu aberto na Austrália no século 19. Também foram encontrados traços de cobre no gelo, por conta de minas no Chile, mas que diminuíram graças a intervenção recente do governo de Gabriel Borić  que adotou medidas de mitigação da poluição.

Pesquisadores da França e da Itália já alcançaram testemunhos de gelo de 800 mil anos na Antártica, com perfurações de 3.200 metros na área do Domo C, também conhecido como Dome Circe, Dome Charlie ou Dome Concordia, que está a uma altitude de 3.233 metros acima do nível do mar, é um dos vários cumes ou cúpulas do manto de gelo antártico.

Em breve, pesquisadores da China, em parceria com europeus, pretendem alcançar 1,5 milhão de anos no Domo A, perfurando 4 mil metros no meio do continente Antártico com uma temperatura de  93 graus centígrados negativos durante o inverno.

A água do oceano austral está ficando acidificada por excesso de  CO2, cerca de 30% dele já foi parar nos oceanos desde a primeira Revolução Industrial no século 18, e isso altera toda a flora e fauna dos mares, pode modificar correntes marítimas, mudar a temperatura na costa e tem efeito sobre o clima nos continentes.

“As regiões polares são mais sensíveis às mudanças climáticas e elas nos dão sinais do que está acontecendo”, explica o professor. O derretimento das geleiras expõe as rochas e elas aquecem a região porque propagam calor.

A temperatura subiu no Ártico 3 graus, em relação ao ano de 1900. A navegação marítima é afetada com o degelo no mar, surgem novos portos, novas rotas comerciais, nova geopolítica e até militarização em novas fronteiras.

A expedição

A expedição mais recente de Simões chegou à Antártica no dia 4 de dezembro de 2022, como parte de projetos de redes de pesquisa internacionais. O grupo contribuiu com estudos que monitoram a resposta do gelo da Antártica às mudanças globais e busca  conexões entre o clima do Brasil e o do continente.

A região onde o grupo ficou recebe sua precipitação de dois mares, o de Amundsen, com uma camada de gelo que pode chegar a três metros de espessura, e o de Bellingshausen.  Nesses dois mares se formam grande parte das frentes frias que chegam ao Brasil.

A expedição foi liderada por Simões, com os colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Fernando Magalhães Reis, 65 anos; Ronaldo Torma Bernardo, 54 anos, e Filipe Ley Lindau, 35 anos. Integram o grupo Ellen de Nazaré Souza Gomes, 50 anos, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jandyr de Menezes Travassos, 70 anos, da Coppe/ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O grupo ficou acampado na geleira da Ilha Pine, no meio do manto de gelo da Antártica Ocidental. O objetivo era obter um testemunho de gelo dos últimos 400 a 500 anos da história climática da região.

Um outro grupo ficou encarregado de fazer a manutenção do módulo Criosfera 1, o laboratório latino-americano mais ao Sul na Terra, a 640 km ao Norte do Pólo Sul Geográfico. O módulo mede dados meteorológicos, concentração de micropartículas, composição da atmosfera, estudos sobre a concentração de gases e raios cósmicos.

Faz também estudos de micro-organismos encontrados na neve. Todas as pesquisas são essenciais para entender o impacto das mudanças ambientais na Antártica e como elas se refletirão na América do Sul.

Essa equipe foi liderada por Heitor Evangelista, 59 anos, físico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e contou com os pesquisadores Heber Passos, 60 anos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Franco Nadal Junqueira Villela, 46 anos, do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).

Um terceiro grupo chegou à Antártica no dia 9 de dezembro para complementar a instalação do módulo Criosfera 2, o segundo laboratório remoto brasileiro no interior da Antártica.

Participantes da equipe: o professor Simões, que se juntou ao grupo no dia 30 de dezembro, os gaúchos Francisco Eliseu Aquino, geógrafo e climatologista, 52 anos, professor da UFRGS; a geógrafa Venisse Schossler, 46 anos, pós-doutora da UFRGS; o geógrafo Isaías Ullmann Thoen, 40 anos, técnico em geoquímica e eletrônica, da UFRGS; e o chileno Marcelo Arevalo, 62 anos, engenheiro mecânico.

Amazônia  e gelo

Além dos pólos (Antártica e Ártico), Simões também faz pesquisas em outras regiões geladas, como na cordilheira dos Andes. Ele coletou amostras na maior calota de gelo da América do Sul, a Quelccaya, no Peru, em perfurações de 120 metros, a 5.700 metros de altitude, para avaliar como se dá a circulação atmosférica na amazônia e conhecer como era o clima antes dos portugueses e do espanhóis chegarem à América. O Peru concentra 70% do gelo tropical do mundo.

Esse trabalho é recente, começou em setembro de 2022 e deve trazer muito conhecimento à tona. Quelccaya também é conhecida como a maior geleira tropical do mundo, tem 17 km de extensão, uma área de 44 km quadrados e está apenas 5,1 km da cidade de Cusco, mas o acesso é muito difícil e exige preparo físico. A temperatura média na região é de zero grau. É um lugar muito procurado por turistas praticantes de montanhismo.

A calota de gelo de Quelccaya é a maior área glaciar dos trópicos, cobrindo aproximadamente 44 km² nos Andes peruanos. Desde 1978, Quelccaya perdeu 20% de seu tamanho, fenômeno que costuma ser citado por pesquisadores como um sinal das mudanças climáticas.

Porém, existe a dúvida se o derretimento do glaciar é consequência do aquecimento global ou de alguma outra alteração climática, como a diminuição da precipitação de neve.

Glaciólogos de outros países estudam Quelccaya desde 1970 e já perceberam um forte derretimento do glaciar e um consequente aumento do volume de água dos riachos locais, o que pode até provocar inundações no futuro.

O futuro

“Milagrosamente é preciso dizer que o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) sempre foi muito apoiado pelos governos”, revela o professor, explicando que no primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003 a 2006) os recursos para pesquisas chegavam por intermédio do então Ministério do Meio Ambiente/Ibama e depois pelo Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação  (MCTI). O Proantar é administrado pela Secretaria da Comissão Interministerial para Recursos do Mar.  No entanto, o último edital para pesquisas do Proantar é de 2018, “estamos esperando a publicação de um novo edital para breve”, diz Simões.

O pesquisador explica que a questão do meio ambiente é global e que os pólos estão inseridos na nossa vida, assim como a Amazônia, há uma interdependência.  Mudanças climáticas sempre existirão, mas é necessário reduzir o impacto sobre a sociedade. Mesmo que parassem todas atividades que geram impacto sobre o clima agora, mesmo assim o nível do mar subirá 30 cm até o ano 2100.

Para Simões, “os pesquisadores precisam ter mais interação com o Poder Legislativo porque é lá que as leis são feitas, a comunidade científica não pode ficar isolada. O reconhecimento ao trabalho científico não vem sozinho, o cientista precisa ir à sociedade e falar.  Precisamos inserir a ciência na linha de produção mas, veja, ainda há trabalho análogo à escravidão no Brasil. Estamos muito atrasados.”

E completa:  “precisamos inserir a ciência no Ensino Médio. A crise ambiental faz parte de uma crise civilizatória. Há concentração de renda, trabalho escravo, mas o planeta é finito, não pode ser explorado como se estivesse numa linha de produção. O futuro de qualquer país é o investimento massivo em ciência e tecnologia, não concentrar renda e ter qualidade na educação e na produção”.

De acordo com o professor, toda a comunidade científica está esperando mais recursos e que o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, criado para financiar a construção do conhecimento, seja de fato implementado com a publicação de editais.

Simões diz que o Brasil precisa financiar projetos inovadores tanto para ciências básicas como para ciência aplicada para o uso de tecnologia na indústria, no agronegócio e na agricultura e pecuária em geral, em diferentes escalas, ter um ensino médio que tenha ciência na sua grade curricular e, para isso, “é necessário acabar com essa reforma ridícula que o governo passado fez, que destruiu a educação”.

O professor Jefferson Cardia Simões é titular de Glaciologia e Geografia Polar da UFRGS, é vice-Pró-Reitor de Pesquisa da UFRGS, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e é pioneiro da Ciência Glaciológica no Brasil. Atualmente é Vice-Presidente do Scientific Committee on Antarctic Research/Conselho Internacional de Ciências (SCAR/ISC), com sede em Cambridge, Inglaterra. Ele obteve seu PhD pelo Scott Polar Research Institute, University of Cambridge, em 1990. É pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l’Environnement (LGGE) du CNRS/França e pelo Climate Change Institute (CCI), University of Maine, EUA. Leciona e orienta alunos de graduação e pós-graduação em Geociências e Geografia.

Toda sua carreira foi dedicada às Regiões Polares, tendo publicado 210 artigos científicos, principalmente sobre processos criosféricos. Pesquisador do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), é consultor ad-hoc da National Science Foundation – NSF (Office of Polar Programs).

Simões participou de 28 expedições científicas às duas regiões polares, criou o Centro Polar e Climático da UFRGS, a instituição que lidera no Brasil a pesquisa sobre a neve e o gelo. Ele coordena a participação brasileira nas investigações de testemunhos de gelo antárticos e andinos e faz parte do comitê gestor da iniciativa International Partnerships in Ice Core Sciences (IPICS). Recebeu o Prêmio Pesquisador Destaque da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) por sua contribuição à pesquisa antártica.

Caso das onças pintadas: Marina pede investigação criminal, Frente Parlamentar quer leis mais rigorosas em defesa dos animais

 

(Da Agência Brasil)

A imagem de um filhote de onça-pintada amarrado ao lado de duas cabeças decepadas de onças maiores provocou indignação entre internautas e movimentos de defesa dos animais.

O vídeo de 11 segundos circula nas redes sociais  desde 25 de março e, embora haja suspeita de que a gravação tenha sido realizada no município de Acorizal (MT), não há confirmação a respeito da origem do conteúdo.

Dias depois de intensa mobilização na Internet e da cobrança de parlamentares, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva pediu ao Ministério da Justiça a apuração criminal do caso.

E ela pede realização de perícia para identificar a autoria do crime, que ainda não foi registrado em nenhuma delegacia. Segundo nota, o Ibama também está investigando o caso.

Onças na mira
Não é a primeira vez que imagens de onças mortas circulam na internet. Em abril de 2022, Benedito Nédio Nunes Rondon, fazendeiro de Poconé (MT), posou ao lado de uma onça-pintada morta com um tiro na cabeça.

Solto após pagamento de fiança, Rondon recebeu multa de R$ 150 mil, dividida em 30 parcelas. Em 2021, um vídeo de uma onça-preta abatida no município de Arame (MA) também chegou às redes sociais, assim como fotografias de onças mortas em diferentes regiões do país, embora a caça de animais silvestres seja proibida pela legislação brasileira.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente solicita que informações sobre os criminosos sejam enviadas por meio do canal Fala.Br, da Controladoria-Geral da União.

De acordo com o órgão, as denúncias são recebidas sob anonimato e os denunciantes não serão identificados.

As penas brandas, convertíveis em multa, costumam ser apontadas pelos movimentos ambientalistas e de defesa dos animais como um fator de incentivo ao crime.

“Atualmente, criminosos como esses, que torturaram e mataram três onças-pintadas, recebem pena de seis meses a um ano, mas não cumprem nem mesmo um dia de reclusão!”, afirma a ONG Ampara Silvestre em publicação do Instagram. Com a hashtag #TodosContraACaça, a entidade tem promovido campanha nas redes sociais pelo endurecimento das leis.

Segundo a organização, existem mais de 30 projetos tramitando no Congresso Nacional com a proposta de aumentar a pena por crimes ambientais, entre outras medidas, mas não chegam a ser discutidos e efetivamente votados.

O deputado Felipe Becari (União Brasil/SP), integrante da Frente Ambientalista, é autor do projeto lei 752/2023, que propõe o agravamento das penas de crimes contra a fauna. Outro é o o PL 211/2023, de autoria do deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD/RR), que propõe a criação de Delegacias Especializadas em Proteção Animal (DEPA). A ideia é prestar atendimento a animais domésticos e silvestres vítimas de crime.

Outro projeto de lei defendido pelas organizações ambientalistas é o PL 968/2022, de autoria do deputado Ricardo Izar (Republicanos/SP), que aumenta a pena pela caça e morte de felinos brasileiros.

Para Felipe Becari, a criação de uma bancada ambientalista forte é o que pode promover o andamento dessas propostas. “O que estava faltando era uma união suprapartidária, com deputados de vários estados, partidos e coligações unidos em prol desse bem comum, que é legislar para proteger os animais”, diz.

 

Bióloga encontra caramujos africanos em Porto Alegre e alerta para os riscos à saúde e ao meio ambiente

Por Cleber Dioni Tentardini

A bióloga Janine Arruda, especialista em moluscos do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul/SEMA, encontrou nesta quinta-feira, 16, vários exemplares do caramujo gigante africano Achatina fulica, no bairro Cristal, em Porto Alegre.

Janine gravou um vídeo no instante em que localizou os caramujos e divulgou em suas redes sociais para alertar a população.

“Para quem encontrar essa espécie no Rio Grande do Sul por favor registrar no aplicativo InvasorasRS. A página @invasorasrs contém informações técnicas e atualizadas. Sigam a página e ajudem na identificação e combate de espécies exóticas invasoras (…)”

O molusco é considerado uma das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo, causa sérios danos ambientais e quando infectados por vermes, são potenciais transmissores de doenças aos animais e aos seres humanos.

 

 

 

 

As doenças

A meningite eosinofílica é a única que teve casos registrados no país. Ela é causada pelo verme Angiostrongylus cantonensis, que passa pelo sistema nervoso central, antes de se alojar nos pulmões, num ciclo de transmissão que envolve moluscos e roedores.

Já a angiostrangilíase abdominal, que ocorre no país, porém sem registro de transmissão pelo caramujo africano, é causada pelo parasito Angiostrongylus costaricensis. Muitas vezes é assintomática e em alguns casos pode levar ao óbito, por perfuração intestinal e peritonite.

Além da espécie competir com as nativas, é muito voraz, come tudo o que vê pela frente, plantações, jardins, e há registros dela comendo jornais e revistas e até outros moluscos, configurando o canibalismo.

“Onde aparece um, normalmente existem muitos outros porque eles se reproduzem em larga escala. E como são grandes, assustam, chamam a atenção nas lavouras, em pátios, lixões. Devoram tudo por onde passam”, afirma Janine.

Ela adapta-se muito facilmente. Carrega consigo uma concha marrom escura com listras esbranquiçadas, no formato de um cone. Os indivíduos adultos podem pesar meio quilo e chegar a 20 cm de comprimento.

Os indivíduos são hermafroditas, podendo realizar até cinco posturas por ano, com 50 a 600 ovos por postura. Ativo no inverno, resistente ao frio e à seca, geralmente passa o dia escondido e sai para se alimentar e reproduzir à noite ou, durante e logo após as chuvas.

Os ovos, que podem chegar a centenas de uma só vez, são pouco maiores que uma semente de mamão, branco-amarelados, que serão enterrados ou depositados em uma superfície, como folha, ou sob uma pedra.

Praga do caramujo

O caramujo africano (Achatina fulica) foi introduzido no Brasil na década de 1980, na busca de uma alternativa mais barata ao escargot. O primeiro registro no Brasil, no entanto, foi um trabalho científico de 1975, relatando a ocorrência em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Quando descobriram que a espécie era imprópria para o consumo humano, os caramujos foram libertados no ambiente. Sem predadores naturais no país, esses animais, que são hermafroditas, encontraram aqui o lugar perfeito para se proliferarem, sem controle algum. O molusco se transformou em uma praga.

Museu é referência no estudo de moluscos

Janine é uma taxonomista, pesquisadora capacitada a descrever novas espécies, no caso, de moluscos. Teve entre seus mestres dois dos maiores malacólogos brasileiros: José Willibaldo Thomé e Maria Cristina Dreher Mansur. A professora da UFRGS é a maior especialista em moluscos bivalves de água doce, animal caracterizado por possuir uma concha que se divide em duas partes, muito comum também em espécies marinhas.

Já, o professor Thomé, foi seu orientador nos dois cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado em Zoologia na Faculdade de Biociências da PUC gaúcha. Thomé faleceu em 20165. Era uma referência no estudo dos moluscos terrestres no Brasil. Foi um dos fundadores do então Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais,  ao lado de nomes como os professores Ludwig Buckup, Thales de Lema e o padre jesuíta Balduíno Rambo.

A coleção de moluscos do MCN está entre quatro maiores do Brasil, com mais de 41 mil lotes. Fica atrás de coleções dos museus da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal de Rio Grande – Furg, e se equivale a do Museu Nacional, no RJ.

Acervo do Museu. Fotos: Cleber Dioni

 

 

 

 

Durante a gestão do professor Thomé na direção do Museu foram adquiridas peças de um malacólogo amador, o uruguaio Eliseu Duarte, com cerca de 20 mil lotes, com recursos federais do CNPq.

Janine. Fotos Cleber Dioni
Órgão reprodutor de molusco

 

 

 

 

 

Uma parte da parede da sala da Janine no Museu é coberta de cópias de vários sistemas reprodutores dos moluscos da espécie Omalonix, que ela pesquisa. Isso porque as maiores características que diferenciam as espécies são o pênis.

Os moluscos são hermafroditas, ou seja, não precisam de outro indivíduo para se reproduzirem. “Mas, preferem o acasalamento, a troca de variabilidade genética”, garante a pesquisadora.

Não existe uma frequência determinada para colocarem ovos, mas Janine acredita que a frequência aumente em épocas mais quentes.

“Os moluscos não fazem mal a ninguém. Estão ali se alimentando, são herbívoros, suas fezes como a de outros animais servem de adubo. Eles próprios servem de alimento para os lagartos e as saracuras. Mas a infestação do caramujo gigante africano tras muitos riscos”, alerta.

Sem interessados, leilão do Jardim Botânico de Porto Alegre está suspenso

Está adiado, sem nova data por enquanto, o  leilão para a concessão do Jardim Botânico de Porto Alegre, marcado para esta quinta-feira (22/12), na capital.

O prazo para entrega das propostas se encerrou às 12h de segunda-feira (19/12), sem nenhum inscrito.

As mudanças previstas no BNDES com o novo governo eleito, certamente influiram na falta de interessados.

O banco, que é o agente planejador e financiador dos projetos de concessão de serviços públicos em andamento no país, terá uma nova orientação a partir de primeiro de janeiro de 2023, com a presidência de Aloísio Mercadante.

A licitação tinha como objeto a concessão de uso de áreas, atrativos e instalações do Jardim Botânico, inaugurado em setembro de 1958.

Pelo edital, o uso do espaço deve ser precedido da realização de investimentos destinados à sua “requalificação, modernização, operação e manutenção”.

A modelagem da concessão do parque foi elaborada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com apoio do consórcio Araucárias e do Instituto Semeia, sob coordenação da Secretaria Extraordinária de Parcerias (Separ), Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) e Procuradoria-Geral do Estado (PGE).  Outros projetos de concessão em andamento, como o do parque da Redenção, devem ser todos revistos.

Governo vai leiloar Jardim Botânico e Museu de Ciências Naturais às vésperas do Natal

O governo do Estado adiou o leilão do​ Jardim Botânico de Porto Alegre e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul para o dia 22 de dezembro de 2022, com início às 10h30min, no Palácio Piratini, em Porto Alegre.

Os interessados em obter a concessão para exploração das duas instituições devem apresentar suas propostas até o dia 19 de dezembro.

O modelo de concessão do JBPOA ficou a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que também realizou estudos visando à concessão dos parques estaduais do Caracol, Delta do Jacuí, do Tainhas e do Turvo. O Instituto Semeia e o Consórcio Araucárias – Parques Brasileiros, registrado em abril de 2021, em São Paulo, para prestar consultoria em gestão empresarial, também participaram da formatação do edital.

​O então diretor-geral da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), Marcelo Spilki, na época em que foi apresentada a proposta em audiência pública, disse que as administrações do Museu e do Jardim Botânico continuarão sob responsabilidade do governo, que manterá a qualidade dos serviços prestados na conservação de seus acervos. ​

O futuro das coleções científicas, do mobiliário e da própria área do JB e do MCN é incerto. (Confere aqui entrevistas com ambientalistas e servidores do Jardim Botânico e do Museu, que estão temerosos com a integridade do patrimônio das duas instituições, e a Ação Civil Pública, de inciativa da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, que corre desde fevereiro de 2017 na 10ª Vara da Fazenda Pública, do Foro Central, para preservar o patrimônio ambiental e cultural do JB e do MCN).