Toque de recolher é nova tática para enfrentar a Covid na Alemanha

Nem máscaras, nem distanciamento, nem a paranóia de lavar e desinfetar as mãos a cada momento. Nada disso evitou que a tão temida e aguardada “segunda onda”  da Covid-19 chegasse com força total à Europa.

Na quarta-feira (07/10) o prefeito de Berlim, Michael Müller, anunciou as novas medidas de combate da pandemia. “Para evitarmos um novo confinamento total, teremos que restringir parcialmente a circulação de pessoas, especialmente à noite”, declarou o social-democrata.

A medida é considerada menos radical, em comparação com as tomadas em outras cidades do continente.

Em Madrid, por exemplo, já está valendo o lockdown total. Cidades do litoral do mediterrâneo, como Marselha, também fecharam todo o seu comércio por duas semanas.

Na capital da Alemanha, já na sexta-feira (09/10) estava valendo o toque de recolher entre as 23:00hs e as 06:00hs. Ficam também proibidos a venda e consumo de álcool na rua, mesmo em pequenos grupos.

Festas privadas, como casamentos e aniversários podem ter no máximo 10 convidados.

“Fizemos tudo o que as autoridades prescreveram. Aceitamos funcionar abaixo da capacidade para poder atender as medidas impostas. Mesmo assim, parece que nada adiantou”, reclama Giacinto D’Ambrosi, proprietário do Babbo Bar & Restaurante no bairro de Neukölln.

Desde a reabertura, D’Ambrosi vêm pouco a pouco recuperando o movimento de clientes. Apesar da boa retomada, ainda contabiliza 20% menos público do que em relação ao ano anterior. “Se as restrições se prolongarem muito, não sei se terei condições de manter o aluguel em dia”, prevê o italiano, radicado há 15 anos em Berlim.

O argumento usado para justificar a decisão, também adotada logo em seguida nas principais cidades da Alemanha, é dado pelos canais oficiais e suas complexas estatísticas. A vida noturna, com suas festas, encontros e confraternizações, é onde o vírus hoje se alastra.

Atualmente, a Alemanha contabiliza mais de quatro mil novos infectados por dia. O número quadruplicou em pouco mais de um mês. Vale perguntar, por que só agora o vírus chegou na boemia berlinense? Festas em parques, com milhares de pessoas sem máscara e dançando lado a lado são rotina na cidade desde o fim do Lockdown em Maio.

Também intriga o fato de que a culpa pelo aumento de infectados já foi de outros atores. Durante a temporada de verão (Junho a Agosto), pessoas que voltavam de suas férias eram apontadas como as principais responsáveis pela renitente gripe do Covid-19.

Em Maio, a vilã da crise na maior economia da Europa era a indústria de carnes. No caso das fábricas de salsichas, elas eram apontadas como as principais responsáveis pelo aumento do número de infecções, que havia dobrado no período, chegando a mais de 600 novos casos por dia. 

O presidente do Robert-Koch Institut, que controla oficialmente os dados da epidemia, Dr. Lothar Wieler, atribuiu o aumento às condições de funcionamento das empresas. Nessa época, em uma só empresa, a West Fleisch, 1.100 trabalhadores foram testados positivos para o corona vírus. Um mês depois, mais de 1.500 trabalhadores da Tonnies, maior fabricante de carnes e embutidos da Alemanha, apresentaram o vírus. 

O resultado: fábricas e comunidades do entorno colocadas em quarentena novamente. Uma tarefa ingrata para as autoridades, que além de fechar ruas e estações, precisaram brigar com as empresas, que se negavam a fornecer o endereço dos funcionários, a maioria deles estrangeiros temporários.

O caso acabou por representar um abalo moral para a indústria no país. Ele remete a outras questões escamoteadas pela política profissional da maioria dos partidos, e que dizem respeito à toda economia.

Como em outras atividades, os açougueiros dos grandes frigoríficos são quase todos trabalhadores temporários. No momento, a maioria deles vêm da Bulgária, Romênia, Kosovo. Há temporadas em que são poloneses, ucranianos, russos ou homens trazidos de outras partes do leste europeu, e que fazem o trabalho por um salário bem abaixo do mínimo.

As redes públicas de comunicação (ARD e ZDF), apuram casos de trabalhadores recebendo menos da metade dos 9,35 Euros por hora, determinados como salário mínimo para a categoria. 

Os trabalhadores são alojados coletivamente. Até oito pessoas dividem um único quarto de 20 metros quadrados. Foram encontrados casos em que acontecia até o rodízio de camas. Enquanto um trabalhava, o outro dormia. Bastou um desses trabalhadores ficar doente, para que a peste se espalhasse nos apertados espaços da linha de produção das salsicheiras.

Tudo isso agora é passado. Hoje, o número de infectados é oito vezes maior que o daquela época, como se o esforço feito até agora tivesse sido em vão. Mais intrigante do que isso, é o fato de que o aumento no número de infectados pelo Covid-19 não se reverte em um aumento no número de doentes graves. “No momento estamos observando um aumento das infecções na população adulta jovem, que normalmente não fica gravemente doente”, explica o guru do governo Merkel para o Corona, o virólogo Christian Drosten, do Instituto de Virologia da Charite em Berlim.

Drosten alerta que, caso o aumento dos infectados se mantenha, em dois meses o virus chegará a população mais velha. Importante dizer que o virólogo diz a mesma coisa há mais de três meses. Mesmo assim, ainda não houve aumento significativo do número de mortos pelo Corona na Alemanha.

Autor: Mariano Senna

Mariano Senna, nasceu em Porto Alegre. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (1995). Trabalhou em veículos impressos diários, semanários e mensários no Sul do Brasil. No JÁ, coordenou o projeto dos jornais de bairro (JÁ Bom Fim, JÁ Moinhos) e a criacao da Agência de Notícias Ambientais - Ambiente JÁ, no final dos anos 90. Em 2003 mudou-se para Berlim, na Alemanha, onde atua como correspondente, tradutor e consultor. Mariano têm mais de 20 anos de experiência no acompanhamento e reportagem de temas controversos, envolvendo interesses corporativos. É mestre (Master of Science) em mídia digital pela Universidade de Lübeck e tem doutorado (PhD) em ciência da informação no Instituto de Biblioteconomia e Ciência da Informação (IBI) da Universidade Humboldt de Berlim.

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