Autor: andres

  • Uma imagem que vale por mil punhaladas

    Andres vince
    Se existia uma mínima esperança que a presidenta não seja forçosamente removida do seu cargo, esse fio de esperança se desfez completamente com a contemplação da imagem acima.
    “O SFT é o último bastião da cidadania”, repetiu o ministro Marco Aurélio, em sua recente tour midiática-institucional. Suas entrevistas, que pipocaram como sarampo, traziam a certeza que nenhuma injustiça seria cometida no desenrolar do processo de impeachment.
    Claro, isso foi antes daquele domingo fatídico, quando presenciamos um evento, no mínimo, traumático para a democracia. Nesse dia ficou mais que provado que não vamos a lugar nenhum sem uma urgente, verdadeira e profunda reforma política.
    Agora, com essa não menos traumática imagem, escancara-se também a necessidade de uma reforma jurídica, de forma a criar um mecanismo de proteção da cidadania contra o judiciário. Não há esse controle. Se há, não funciona. Quem afinal de contas fiscaliza o STF?
    Atualmente, digo de cadeira, ninguém. Como pode um ministro voto vencido pedir vistas num processo e ficar mais de um ano sentado em cima dele? E, pasmem, esse mesmo ministro dá entrevista afirmando que está sentado em cima do processo porque acha que quem deve decidir isso é o Congresso. E só saiu de cima do processo quando o Congresso votou de acordo com ele. Pode? Pode sim. Pelo menos quando se trata do financiamento empresarial de campanhas políticas.
    O que dizer da decisão do STF que mandou o presidente da Câmara abrir processo de impeachment contra o vice Michel Temer? Que foi feita dessa decisão? Jogada na lata do lixo. Simples assim.
    Não fosse suficiente toda essa chicana, os maiores formadores de opinião do País não coram em dizer que o grande vendedor desse processo todo é o fortalecimento das instituições. Pausa para as gargalhadas.
    O poder Executivo está sendo violentamente estuprado pelo Legislativo e pelo Judiciário, com a mídia transmitindo em close e comentando ao vivo, com requintes de crueldade.

    Reprodução redes sociais
    Reprodução redes sociais

    Mídia essa, aliás, que ajudou a produzir muitas aberrações nesta vida, mas nenhuma que se compare ao que essa outra imagem traduz, o que, no figurativo imaginário popular poderia ser interpretado como “o cachorro que morde a mão que o alimenta”.
    Essa foto foi tirada durante as manifestações a favor do impeachment da comprovadamente não corrupta presidenta Dilma.
    Um fenômeno que só pode ser visto como fruto da mais intensa manipulação de informação que se tem notícia na história deste país.
    O sujeito dessa imagem, não tem a mínima noção do que lhe espera.

  • Tirem as crianças da sala: "você pode morrer a qualquer minuto”

    Andres Vince
    Domingo desses, caminhando pelo vasto deserto da programação da TV aberta, fui parar na TVCOM, o canal local da RBS, no Sul.
    Há mais de uma década, não pousava por esse canal. Sinal ruim, exaustivas reprises, jeitão de laboratório, não me deixavam simpatizar com ele. Mas, confesso que me surpreendi, ao assistir uma excelente reportagem sobre os índios caingangues num programa chamado ‪#‎PortoA.
    Infelizmente, a reportagem era de encerramento, e, mais, não pude avaliar. Empolgado, nesse momento, deixei escapar a grande oportunidade de desligar a televisão e ficar com essa boa impressão: o jornalismo ainda vive. Está em coma profundo, respira por aparelhos, mas, ainda com atividade cerebral, mexe um dedinho do pé, de vez em quando.
    Entra a chamada: a seguir, Bate-Bola. Pensei: programa desportivo, vou ver os gols do domingo e tal.  No estúdio, ali presente, a nata do comentarismo esportivo do canal. Num ágil movimento reflexivo, tratei logo de levantar meu escudo.
    Contemporizei: nada mais justo, afinal, domingo à noite é o horário nobre desse segmento. Eu só queria ver os gols do domingo.
    Entra Pedro Ernesto Denardin, faz as honras da casa, faz o mercha habitual (todo mundo precisa comer), começam as (pseudo) análises e os (in)consequentes debates.
    Já tinha perdido o interesse no que estavam falando, quando o Pedro Ernesto comenta que algum fulano ali presente não iria ganhar a camisa da loja patrocinadora X, porque alguém deixou o brinde no carro, e um larápio não deixou passar a oportunidade de incrementar seu guarda-roupa.
    Como bom programa desportivo, levantada a bola, todos queriam chuta-la. Então, começaram as cenas de horror. Cada comentarista contou um caso de violência urbana, um mais cabeludo que o outro. O Guerrinha teve o requinte de dar uma dica: “ande sempre com pouca gasolina”. Então, contou que lhe roubaram o carro  e como ele estava com pouca gasolina, o meliante largou seu carro logo adiante, pra trocar por outro, e que nessa troca, a vítima reagiu e… foi morta pelo bandido.
    Baita dica, Guerrinha: “Preserve seu patrimônio, às custas da vida do próximo”. Com pouca gasolina, o bandido abandona teu carro e pega outro. Azar se o bandido matar o próximo, eu quero é o meu carro. Bonito.
    Como a vaidade é um sentimento que acaba com a capacidade de raciocínio de uma pessoa, Pedro Ernesto, vendo o colega dominar a bola, olha diretamente pra câmera, olho no olho do telespectador, ensaia uma expressão dramática e, como quem está abrindo uma transmissão futebolística, tasca: “Meu senhor, minha senhora, você pode MORRER A QUALQUER MINUTO. Você pode sair na porta da sua casa e um bandido vir e lhe dar um tiro e você morre (…)”. Segue-se a isso um discurso mea culpa, afirmando que a maneira de falar é para ver se alguma coisa acontece. Por parte do poder público, obviamente.
    Aqui já não se trata de ser ou não jornalismo ou algo que o valha. Do que se trata aqui é de o fato de uma concessão pública estar sendo usada pra disseminar o terror. Sim, isso é terrorismo puro. Exagero? Imagina se eu, pai, estou com um hipotético filho numa faixa de 7 a 10 anos, querendo ver os gols do domingo e entra uma pessoa e diz essas coisas. O que se passa na cabeça dessa criança? Logo mais, a criança vai pra cama e pensa o quê?
    Pensem por um minuto com a cabeça da criança: “Poxa, tem um cara na TV dizendo que meu pai e minha mãe podem morrer a qualquer minuto”. Qual o impacto psicológico que isso pode causar? Alguém pode dimensionar? Arrisco dizer: um adulto com desejo de ter uma arma.
    É uma irresponsabilidade total. Nem vou falar que o programa era pra ser desportivo, porque em dado momento estavam falando do valor prático e moral do uso das ceroulas! Fiquei imaginando em que momento iriam comentar sobre os glúteos de alguma nova estagiária da TV. Certamente durante o intervalo.
    Aproveite o intervalo, confira se a porta está bem trancada e tire as crianças da sala.