A morte de Giselda Escosteguy Castro aos 89 anos no domingo 4/3, no final verão mais quente de Porto Alegre nos últimos 50 anos, sugere o quanto estava certa a mais brava das militantes gaúchas ao juntar as bandeiras do feminismo às causas do movimento ambientalista, ao lado de Augusto Carneiro e José Lutzenberger (1926-2002), fundadores da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), criada em 1971.
“O Lutzenberger usou essas militantes como escudo para ganhar espaço na imprensa e na sociedade – ele era um estranho no ninho”, diz o jornalista Elmar Bones, que editou em 2002 o livro Pioneiros da Ecologia – Pequena História do Movimento Ambiental no Rio Grande do Sul. Claro que havia a recíproca: as mulheres se aproveitaram da garra e da lucidez de Lutz para ampliar o alcance de suas lutas, originalmente restritas a causas como o aleitamento materno, o uso da pílula anticoncepcional, a luta contra o machismo e a favor dos direitos civis em geral.
Por serem mais ou menos ricas, Giselda e suas mais constantes companheiras Magda Renner e Hilda Zimmermann chegaram a ser tratadas como “as madames das Três Figueiras”, bairro da elite econômica de Porto Alegre, mas sua dedicação a causas comunitárias extrapolou as fronteiras da alienação característica dos anos do “milagre econômico” (1968/1973).
Sua militância adquiriu conotação de contestação às práticas do capitalismo dito selvagem, já que a maioria dos empresários no Brasil e no mundo se comprazia na patrolagem do meio ambiente, não respeitando encostas, banhados, mangues nem áreas de marinha no litoral e em cursos d’água.
Num momento em que poucas mulheres mais jovens se engajaram na luta armada contra a ditadura, elas usaram as palavras como armas. E segundo diversos depoimentos Giselda era a mais indignada, aquela que encabeçava as iniciativas, numa mistura impressionante de destemor, discernimento e pragmatismo.
“Antes burgueses conscientes do que uma elite irresponsável ou uma classe média indiferente à cidadania”, diz Celso Marques, ex-presidente da AGAPAN. Para ele, Giselda, Magda e Hilda foram “exemplos de cidadania”.
Fã de Giselda Castro e suas companheiras de ativismo civil, Marques lembra-se de ter participado de uma caravana de ambientalistas que foi a um evento internacional em Washington em 2001, na época dos primeiros confrontos entre o Fórum Econômico de Davos e o Fórum Social Mundial de Porto Alegre.
As intervenções brasileiras foram marcantes. Enquanto Giselda Castro exigiu que o Banco Mundial deixasse de emprestar dinheiro a governos e empresários predadores do meio ambiente, o cacique indígena matogrossense Ailton Krenak apelou para uma rica metáfora: segundo ele, os brancos são navegadores que se esforçam para furar o fundo da própria embarcação em que navegam – a Terra.
Interessante a mudança de foco e de imagem dessa aguerrida militância de Porto Alegre. Completamente despida de suas cores políticas originais, a entidade criada por elas (Ação Democrática Feminina Gaúcha, contrária ao vermelho do comunismo e, portanto, a favor do golpe de estado contra o governo do presidente João Goulart) converteu-se no Núcleo Amigos da Terra, uma instituição ecológica com ramificações internacionais.
A nova identidade começou a surgir em 1983, quando a ADFG assumiu a representação no Brasil da Amigos da Terra, criada anos antes nos EUA. Nos anos 1990, criou-se na entidade uma ala jovem que praticamente asssumiu a sua direção, enquanto as pioneiras refluíam para a retaguarda, de onde só saíam a pedido, em momentos muito especiais.
A geóloga Lucia Ortiz, atual coordenadora do NAT, lembra que no Fórum Social Mundial de 2001 Giselda Castro fez uma exposição sobre as relações entre os governos e as entidades internacionais como o Banco Mundial. Foram manifestações como essa que levaram à adoção de novos parâmetros na concessão de financiamentos para projetos governamentais e empresariais.
Com 80 sócios contribuintes em Porto Alegre, o NAT trabalha no momento em torno da Conferência Rio+20, marcada para junho próximo no Rio, onde serão discutidos os avanços e recuos das políticas ambientais no Brasil e no mundo. Ali Giselda e outras certamente serão lembradas como atletas exemplares de uma corrida de revezamento sem limites.
Precursoras
Sem querer/querendo, Giselda e suas companheiras foram pioneiras na defesa dos direitos dos contestadores numa época em que reuniões com mais de meia dúzia de pessoas eram vistas como subversão da ordem vigente. Como é da natureza da maioria dos civis, elas tinham medo de gente fardada, mas se sentiam à vontade nos ambientes de poder e mando.
Assim, antes de qualquer manifestação de rua, visitavam as autoridades para pedir proteção. Fizeram parte, à sua maneira, do movimento de resistência à ditadura. Foram as formiguinhas precursoras dos protestos globais contra as desigualdades criadas pela voracidade do mundo empresarial.
Tiveram a intuição de que não se podia ficar de braços cruzados enquanto o equilíbrio do meio ambiente corria perigo diante da aliança entre a voracidade empresarial e os incentivos das autoridades militares, nos idos de 1970.
Quando achavam que era preciso reclamar ou reivindicar, mobilizavam-se, pediam audiência e davam seu recado. No livro Pioneiros da Ecologia, Giselda Castro conta que ela e Magda Renner foram recebidas em 1976 pelo presidente Ernesto Geisel em Brasília. Prepararam-se para dar o recado em cinco minutos e cair fora. O assunto era planejamento familiar.
A conversa se estendeu por quase uma hora. Nenhuma das partes encontrava o jeito de encerrar. Nervosa, preocupada com a agenda do presidente, Giselda deixou cair a bolsa no chão. Agachou-se no mesmo momento em que o general fez o mesmo. O choque de cabeças foi inevitável. “Foi um momento memorável”, concluiu Giselda, lembrando-se do final da audiência.
Geisel: “Se as senhoras não têm mais nada a dizer eu vou pedir licença”.
Giselda: “E o senhor tem alguma coisa para nos dizer?”.
Geisel: “Tenho. Continuem trabalhando.”
(Geraldo Hasse, Sul21)
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Já na Feira do Livro
Na 57ª. Feira do Livro, você encontra todos os títulos da JÁ Editores na banca da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), que este ano privilegia as obras das editores locais, principalmente os associados do Clube dos Editores de Porto Alegre.
A banca azul da ARI fica em frente ao Memorial, ao lado da banca amarela do Instituto stadual do Livro (IEL).
Entre os títulos de destaque do catálogo de JÁ Editores, estão com descontos especiais:
“Lanceiros Negros”, de Geraldo Hasse e Guilherme Kolling, que mostra a participação dos escravos nas revoluções gaúchas;
“O Editor Sem Rosto”, de Elmar Bones, ensaio biográfico sobre Luiz Rossetti, o italiano que foi editor do jornal “O Povo”, órgão oficial da Revolução Farroupilha.
“Patrulha de Sete João”, de Euclides Torres, baseado no diário de um alemão trucidado por questões políticas no interior do Rio Grande do Sul.
“Pioneiros da Ecologia”, de Elmar Bones e Geraldo Hasse, com depoimentos inéditos de José Luztenberger e os pioneiros que fundaram o movimento ecológico.
“Três No Divã”, de João Gomes Mariante, uma olhar de psicanalista sobre três líderes políticos: Oswaldo Aranha, Flores da Cunha e Getulio Vargas.
'Pioneiros da Ecologia' inspira exposição na Câmara Municipal
O Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre apresenta até 30 de junho a exposição História do Ambientalismo Gaúcho, que homenageia a passagem do Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de Junho). A mostra é inspirada no livro Pioneiros da Ecologia, dos jornalistas Elmar Bones e Geraldo Hasse, lançado pela JÁ Editores, e reúne 16 banners que abordam os principais aspectos do movimento em defesa da natureza no Rio Grande do Sul.
A exposição aponta as contribuições de Henrique Luis Roessler e do Padre Balduíno Rambo, até a emergência da geração de militantes formada por José Lutzenberger, Augusto Carneiro, Caio Lustosa, Flávio Lewgoy e Sebastião Pinheiro. Também valoriza o trabalho das mulheres ao movimento ecológico, citando as pioneiras Hilda Zimmermann, Giselda Castro e Magda Renner, além do papel da imprensa local nas lutas pela preservação da natureza.
“As mulheres foram intelectuais de destaque no movimento, escrevendo notáveis textos em defesa da ecologia”, afirma o coordenador do Memorial da Câmara, Jorge Barcellos. “A imprensa gaúcha tomou uma posição na luta ambientalista porque colaborou na divulgação, através de inúmeros artigos de seus militantes e de pautas ambientalistas.”
Os painéis não deixam de fora grandes lutas dos ecologistas gaúchos, como o combate ao uso dos agrotóxicos e pela constituição de políticas voltadas para o meio ambiente no Estado e no município de Porto Alegre. Recordam, especialmente, que a primeira associação de ecologistas da América Latina foi a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
O próprio Lutzenberger, no entanto, dizia que “o cara que começou tudo isso” foi Roessler, que fundou a União Protetora da Natureza (UPN) 16 anos antes. A história deste precursor do ambientalismo está em Roessler – o primeiro ecopolítico, do jornalista Ayrton Centeno, também da JÁ Editores.
Com entrada franca, a exposição pode ser visitada das 9 às 18 horas, de segundas a quintas-feiras, e das 9 às 16 horas, às sextas-feiras, no térreo da Câmara Municipal (Avenida Loureiro da Silva, 255). Escolas interessadas em visitas orientadas devem entrar em contato pelo telefone (51) 3220-4187.
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