A avacalhação do Judiciário

Quatro da tarde, liguei o rádio do carro e apertei no botão de busca automática. O som veio do 970 AM: o apresentador de um programa de entrevistas criticava a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que, por 6 votos contra 5, confirmou a prisão de condenados em segunda instância antes do trânsito em julgado  — ou será do “julgado em trânsito”? (O vocabulário da Justiça é diabólico).
“Estão legislando por cima dos autos”, diz o âncora do Pampa na Tarde. Cheio de razão, ele passa a palavra ao depoente do momento, Dr. Lenio Streck, um jurista muito considerado nas rodas judiciais e nas redes sociais. Data venia, Doutor Streck critica os ministros do STF, prevendo dias sinistros para o exercício do Direito. Presente no estúdio, uma desembargadora chamada Isabel parece constrangida e se esquiva de opinar. Barra pesada nas hostes judiciais.
O apresentador chamado Vitorino dispara balas para todos os lados. Ao vivo ou pelo telefone, vai colhendo depoimentos sobre os fatos do dia. As coisas estão assim, o programa vespertino é exageradamente crítico para uma emissora comercial. No fundo, porém, reflete o sentimento de frustração da sociedade com o andamento das coisas nas instituições governamentais. Em quem confiar?
O Executivo parece perdido em campo, o Congresso se desmoraliza a cada sessão e o Judiciário “está virado num chapéu”, expressão popular corrente em Florianópolis, onde o povo pode explodir a qualquer momento (em novembro de 1979, alguém numa rua central gritou um desaforo ao presidente João Figueiredo, que visitava a cidade a pé em horário comercial; o general se incomodou e partiu para “tirar satisfação”, quase levando uns sopapos dos populares e transeuntes — o episódio rendeu até livro).
“A situação está de vaca não reconhecer bezerro”, disse certa vez, ainda nos soturnos anos 1970, o deputado gaúcho Nelson Marchezan, um dos civis mais queridos pela Ditadura Militar. Ele se referia à confusão política, ao tiroteio moral, à degradação dos debates, em síntese, àqueles tensos momentos rurais que precedem as tormentas, quando os bichos ficam  assustados e começam a se estranhar.
Para alguns, a tempestade já passou na forma do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Para outros, a posse do vice Michel Temer é que marca o começo de um processo temerário segundo o qual as melhorias obtidas recentemente pelos pobres serão varridas por um vendaval em favor de minorias historicamente privilegiadas. Um revertério inimaginável até alguns meses atrás.
Como diria o corajoso Dr. Streck, estamos agora diante da avacalhação da Justiça por ação de integrantes do próprio Judiciário. Juizes tomando partido, desembargadores truncando processos, ministros contrariando a letra da Constituição e deixando no ar a sensação de que “a lei, ora a lei” (frase atribuída a Getúlio Vargas), o que está valendo é a opinião dos magistrados, além da convicção dos procuradores e a interpretação policial.
Tudo isso rolando num meio privilegiado por salários no teto, benefícios em penca e mordomias em cascata difunde entre os cidadãos a sensação de que na crise vale tudo para garantir o lugar conquistado. Nesse contexto, o que faz quem não tem sequer lugar na fila?
Fala-se de reforma política, reforma tributária, reforma educacional, reforma agrária… Seria oportuno colocar na agenda, também, a reforma judiciária.
LEMBRETE DE OCASIÃO
O Estado Democrático de Direito está em risco. Exceção em cima de exceção. Tudo em nome de argumentos finalísticos. A moral predou o direito. E com apoio de grande parte da comunidade jurídica. Os juristas estão canabalizando o direito! Isso não vai terminar bem!
Dr. Lenio Streck, comentando sentença recente do juiz Sérgio Moro

2 comentários em “A avacalhação do Judiciário”

  1. Avacalhação do Judiciário não pelo resultado favorável à condenação em segunda instância, porque esta decisão reflete um entendimento moderno, objetivo e razoável, pois os assassinos, bandidos e demais salafrários, que podiam bancar advogados trambiqueiros se escondia através da chicana jurídica para não expiarem as suas penas. Vejamos o caso emblemático do senador JADER BARBALHO, corrupto de carteirinha, que conseguiu que o seu processo no STF prescrevesse, e hoje tira onde grande vestal. Ora, a condenação em segunda instância não esgoto o direito de o indivíduo continuar a apelar, só que tem de apelar preso. A exegese constitucional tem que ser com mais elasticidade para alcançar os verdadeiros e pontenciais malfeitores.

  2. Avacalhação do Judiciário não pelo resultado favorável à condenação em segunda instância, porque esta decisão reflete um entendimento moderno, objetivo e razoável, pois os assassinos, bandidos e demais salafrários, que podiam bancar advogados trambiqueiros se escondia através da chicana jurídica para não expiarem as suas penas. Vejamos o caso emblemático do senador JADER BARBALHO, corrupto de carteirinha, que conseguiu que o seu processo no STF prescrevesse, e hoje tira onde grande vestal. Ora, a condenação em segunda instância não esgota o direito de o indivíduo continuar a apelar, só que tem de apelar preso. A exegese constitucional tem que ser com mais elasticidade para alcançar os verdadeiros e potenciais malfeitores.

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