A mídia, o BBB e os nossos estereótipos: algumas reflexões possíveis

MARÍLIA VERÍSSIMO VERONESE
Hoje fiquei sabendo que uma colega, professora e pesquisadora da UFMG, vai participar do BBB2018. Nunca assisti ao programa Big Brother Brasil. Quando tentei, por interesse etnográfico, não consegui: achei que eram pessoas muito desinteressantes, muito chatas; muito enfadonho era seu cotidiano. Não passei de 5 minutos de TV ligada.
Nem sequer sei qual foi o ano que o atual deputado federal Jean Wyllys participou do programa, porque não assistia. Depois que conheci a linda pessoa que é o jornalista e professor (que está deputado), lamentei; gostaria de ter visto sua atuação, pelo menos alguma vez, durante o programa. Ele é frequentemente desqualificado, por conservadores, pela participação no BBB. Uma boa maneira de disfarçarem seu conservadorismo e homofobia, posando de “intelectuais” diante de Jean, um leitor voraz de literatura de qualidade (volta e meia comenta nas redes sociais suas leituras e aprendizados) e professor universitário.
Como não assisto TV aberta, salvo casos excepcionais, nos últimos anos eu normalmente sabia que ia começar um novo BBB porque via nas redes sociais as ridículas postagens de um HOAX, um texto atribuído ao Luis Fernando Verissimo desancando o programa[1]. Eu e minha prima Mariana Verissimo (filha de Luis Fernando) corríamos a postar que era falso, que não era dele, que ele jamais escreveria aquela bobagem (texto simplório e mal escrito) e que ele pensa que as pessoas devem assistir ao que elas bem entenderem na televisão.  Até que cansamos.  São muitos anos dessa joça de programa, é todo o ano o mesmo fake, a mesma gente que não conhece a escrita do LFV e mesmo assim o “cita”, através de conteúdos primários e limitados, que ele jamais produziria daquela forma.
Quando conheci o Jean Wyllys, seu trabalho, sua história e suas ideias, tive um insight muito importante: é pré-conceito meu achar que só tem gente besta no B(esta)B(obo)B(iltre), ou em qualquer outro contexto. Bom, talvez no MBL a afirmação se justifique… (risos). Sabem como é, se tudo é relativo, até a própria relativização é relativa! Como dizia meu professor de filosofia Carlos Roberto Cirne Lima, “é absoluto que tudo seja relativo”. Mas não sou filósofa e paro por aqui com esse tema!
Para o meu despertar, contribuiu a minha formação em ciências sociais, claro: ter cuidado com as certezas, saber que as mídias são espaços contraditórios, que não existe BEM de um lado e MAL do outro (nisso acreditam os fascistas e os intelectualmente toscos). As categorias da contradição, da ambivalência e da ambiguidade são as que melhor descrevem esse negócio chamado “cerumanu” e a sua criação chamada sociedade.  Pronto. Estava, então, pronta para tentar entender sem julgar tão definitivamente. Pode (embora muito raramente!) ter gente crítica, fina, inteligente e sincera no BBB. Pode ter dúvida – ou equívoco -, na minha concepção de mundo. Uau! Que m., hein: Mundo que não vem pronto, ordenado, classificado, definitivo, absoluto e que ainda me obriga a abrir mão das minhas convicções!
Tendo participado por sete anos do grupo de pesquisa “Ideologia, comunicação e representações sociais”, coordenado pelo Prof. Dr. Pedrinho Guareschi (não conheço ninguém mais crítico à mídia corporativa do que ele[2]); tendo feito um doutorado sanduíche sob orientação prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e defendido um doutorado em psicologia social, penso que tenho alguma credencial para avaliar criticamente a mídia no Brasil. Claro que sempre há quem desconsidere a formação da gente, diminua, insinue que somos tontas a dizer asneiras, especialmente se somos mulheres. Isso faz parte dos (mal)entendidos, que são a nossa realidade na maior parte do tempo, na esfera comunicacional.
A mídia hegemônica no Brasil é dominada por umas poucas famílias (ou indivíduos) riquíssimas que defendem seus interesses, isso é fato notório e sabido. As leis são frouxas, antidemocráticas, permitem propriedade cruzada, o que é proibido até na terra dos ianques. A Rede Globo recebeu uma concessão eterna por bons serviços prestados a uma ditadura militar que torturou, assassinou, oculta até hoje cadáveres jamais entregues às famílias dos mortos e desaparecidos, distorcendo conteúdos, tergiversando a realidade ou mentindo deliberadamente, às vezes. O modelo adotado legitima monopólios, persegue a diversidade, criminaliza movimentos sociais e justifica as injustiças.
Apesar de tudo isso, há que considerar, também, que bons profissionais atuam nesses veículos (as pessoas têm de trabalhar pra viver, não é?) e eventualmente produzem bom conteúdo. Exemplo gaúcho: Jorge Furtado, cineasta crítico e posicionado politicamente à esquerda, que assina minisséries e outros programas da TV Globo. Jorge também produziu o excelente documentário “O mercado de notícias”[3], que mostra jornalistas de diferentes posicionamentos discutindo e criticando a mídia da qual fazem parte. Super recomendo, é sensacional. Outro exemplo é o próprio LFV, que foi roteirista de programas como TV pirata, engraçado pra caramba; Dias Gomes, grande escritor, que deu origem a telenovelas memoráveis. Jânio de Freitas, Juremir Machado da Silva e Eliane Brum são outros exemplos de colunistas da “grande mídia” impressa e/ou eletrônica com posicionamento plural.
Meu argumento é: sejamos críticos, mas não taxativos. Moisés Mendes, jornalista que trabalhou muitos anos na Zero Hora (jornal que eu não compro, nunca, e do qual sou muito crítica!) me convidou para escrever em sua coluna, durante a Campanha “Agora é Que São Elas”[4], em 2015, na qual jornalistas e blogueiros homens convidaram mulheres para se expressarem em seu lugar por um dia.  Pois bem, eu escrevi e o texto saiu no jornalão de maior circulação no RS, famoso por suas posições conservadoras, mas que tinha em suas fileiras de empregados muita gente inteligente, a exemplo do próprio LFV e do Moisés[5]. Fui atacada por um familiar, que disse que eu era incoerente e desonesta por publicar em ZH, já que criticava o jornal. O mimimi tinha fortes doses de misoginia e machismo (pegava mal esculachar diretamente o conteúdo do meu texto, o que eu acho que era o caso! Então teve que esculachar a autora), mas de qualquer modo o pensamento binário – “é isso OU aquilo” – é bastante limitado, pois eu acho que devemos, sim, ocupar todos os espaços possíveis para comunicar visões de mundo plurais.  Do mesmo modo que penso que as mídias convencionais guardam alguma diversidade, em alguns (poucos, é verdade) casos. São espaços contraditórios; eu os critico fortemente, mas não os demonizo automaticamente.
A mídia “alternativa”, na internet, tem sido o meu modo predominante de informação cotidiana e participação comunicativa. Mas aproveitar possíveis brechas na mídia “hegemônica” (uso aqui o termo sem muita precisão sociológica, perdoem-me) em todos os espaços disponíveis e acessíveis, pode ser uma boa oportunidade de pluralizar o debate. Jamais perderia a chance de atingir tanta gente com um texto que expressasse ideias diversas das que geralmente circulam nos espaços midiáticos convencionais, de massa, tipo “jornalões” de grande circulação ou semanários. E se surgir outra, vou aproveitar, podem ir preparando o mimimi!
Mas voltemos ao caso da professora universitária que, surpreendentemente, anunciou essa semana que estará na próxima edição do Big Brother Brasil. Seu nome completo é Helcimara de Souza Telles, mas é conhecida como Mara Telles. Conheci a Mara nas redes sociais, por termos amigos em comum. É pesquisadora e professora de strictu sensu como eu, é mulher de meia idade e mãe de uma mulher jovem como eu, é de esquerda como eu, é crítica do instituído como eu. Me identifiquei com ela imediatamente.
Mas eu não sou é tão engraçada como a Mara: passei a segui-la nas redes sociais porque ela é divertidíssima, além de inteligente. As postagens sobre o “mozão Dallagnol”, nas quais ela inventa um romance com o “moço do power point” para criticar a Lava-Jato, eram sensacionais e hilárias, e seus textões de análise de conjuntura tinham sempre um tom irônico, sagaz e crítico.  É pós-doutora em ciência política, já foi docente convidada em respeitáveis universidades no exterior. Mas agora, para alguns, ela é somente uma coisa e nada mais: a ridícula do BBB. Meu deus e minha deusa, como as pessoas são regidas pelos estereótipos automaticamente disparados. Impressionante como Mara foi imediatamente classificada como fútil, boba e oportunista, ao tomar a inesperada decisão de participar do odiado programa.  Fiquei um tanto chocada com afirmações peremptórias que vi nesse sentido. Penso que ainda temos muito que refletir e construir, inclusive no campo do feminismo, da maternidade ativa, da sororidade e compreensão mútua entre nós, mulheres. Aprendi com isso que antes de gritar a gente se informa melhor e vou levar esse aprendizado para a militância política, que pode eventualmente fazer-nos menos reflexivas e mais impulsivas. O que também faz parte do processo, mas há que ser críticas de nós mesmas, como sempre alertou o Boaventura: uma perspectiva crítica que não é crítica de si mesma cai facilimamente numa rotina autoritária.
Quero, com este texto, dizer publicamente que admiro e apoio a Mara, mulher, mãe, professora e pesquisadora. Que matou vários leões por dia pra chegar lá nessa carreira tão masculina e machista, como eu própria e várias das minhas colegas. Não sei se vou ver o BBB, provavelmente não, mas tentarei ter acesso a alguma participação da Mara, via vídeos que deverão ser postados nas redes sociais, que pelo que entendi, serão alimentadas pela sua filha, Ana Luiza, jovem que apoia a mãe nessa aventura heterodoxa. Estou com elas duas. Boa sorte, querida Mara, e leva a tua inteligência, sagacidade e criticidade, na medida do possível, para aquele contexto que não tem essas características. Vamos ver se é possível, não deixa de ser uma experimentação, uma exploração de campo empírico… que, como qualquer empreendimento no mundo social, pode dar errado ou dar certo, contém seus riscos. Lembro-me de quando a brilhante atriz gaúcha Ilana Kaplan participou do programa “Sai de baixo”, na rede Globo. Não deu muito certo, embora a ideia fosse ótima e Ilana, talentosíssima. Ela ficou pouco tempo, não se adaptou àquela forma de humor. Torci por ela na ocasião, como agora torço pela Mara.
Assim como eu aproveitei a oportunidade de escrever na ZH, Mara, aproveita a tua de entrar diariamente na casa de gente que gosta do BBB. Quem sabe será uma chance de pluralizar um pouco as referências dessas pessoas, bagunçar seus esquemas cognitivos talvez limitados, portanto uma forma de educação, que é, ao fim e ao cabo, a área a qual nos dedicamos.
 
Currículo Lattes da Mara: Disponível em: http://lattes.cnpq.br/5854848038464290
Um pouco de suas considerações sobre a política: http://www.youtube.com/watch?v=DRTm38Mi9TQ
Vídeo da Mara analisando a crise política no inicio de 2017: http://www.youtube.com/watch?v=DRTm38Mi9TQ
 
Referências
[1] Aqui LFV comenta o caso: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2769967
[2] A título de exemplo, ver:  Pedrinho A. Guareschi  e Osvaldo Biz. Mídia e Democracia. Editora Evangraf, 2005.
[3] http://www.omercadodenoticias.com.br/
[4] http://coletivonisiafloresta.wordpress.com/2015/11/06/campanha-agora-e-que-sao-elas-um-primeiro-passo-e-preciso-mais/
[5] Disponível em: http://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2015/11/decapitadas-em-nome-das-luzes-4902500.html
 
 

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