Estranha eleição

Nunca antes neste país se viveu um processo eleitoral tão estranho.
Recapitulando, esta é a primeira eleição após o impeachment da primeira presidenta do Brasil.
Eleita em 2010 e reeleita em 2014, ela foi descartada em 2016 por meio de uma sucessão de artifícios legais que, partindo de denúncias de corrupção, geraram uma pororoca moralista no Congresso Nacional.
Hoje se vê claramente que Dilma Rousseff foi escalada pelos oportunistas de plantão e os moralistas de ocasião para pagar os pecados do PT no exercício do poder.
Sim, o PT cometeu erros, mas nos 13,5 anos em que governou o Brasil deixou um saldo positivo nos campos social, educacional e econômico. Saldo que o governo do vice Michel Temer tratou de desfazer rapidamente.
Aí estão a reforma trabalhista, o congelamento dos investimentos sociais e a alienação de ativos da Petrobras, num esforço inédito de subserviência ao imperialismo neocolonialista.
O ciclo de prosperidade sob o PT atravessou galhardamente a grave crise financeira global de 2008, cujos efeitos sobre a economia brasileira até hoje ainda não foram devidamente avaliados. Uma das maiores perdas foi provocada pela queda das cotações internacionais de commodities, que ajudaram a tirar parte do dinamismo da economia nacional.
Nesse contexto caótico, aflorou a incrível, lamentável contrariedade de setores da classe média alta com a recente ascensão dos pobres, particularmente o acesso deles às viagens aéreas e a outros itens de consumo antes restritos aos mais abonados.
Desprezo, inveja, raiva e ódio – tudo junto numa monumental mistura de preconceitos, falta de educação civil e de senso de justiça social.
As melhorias que deviam ser motivo de orgulho para todos os brasileiros passaram a alimentar uma campanha de depreciação do espírito cordial e generoso do povo que, segundo tal visão caolha, seria incapaz de se livrar de um suposto complexo de vira-lata.
Na realidade, parece que as elites beneficiárias das históricas desigualdades econômicas do Brasil preferem que o complexo de vira-lata não seja resolvido mediante políticas públicas regeneradoras, como ensaiado pelos governos petistas.
O clima de incerteza pré-eleitoral vigente traduz a perplexidade da população quanto à mixórdia criada pelos políticos em seu sórdido conluio com o Mercado (nome genérico da turma movida pelo dinheiro), com a Mídia (liderada pelos grupos Globo, Folha e Estadão) e com amplos setores do Judiciário.
Preso numa cela especial da Polícia Federal em Curitiba, condenado a 12 anos de prisão por corrupção, Lula lidera as pesquisas de intenção de votos. É portanto o protagonista central de um processo eleitoral aparentemente normal que, no entanto, está carregado de anomalias.
Começa que ninguém, fora Lula, empolga o eleitorado.
Alckmin, reencarnação de Adhemar de Barros (1901-1969), o piracicabano que pontificou na política paulista a partir dos anos 1940, tentando em vão ser o presidente do Brasil. Ficou conhecido como o “Rouba Mas Faz”.
Alvaro Dias, postiço rei do botox.
Henrique Meirelles, com o peso do governo Temer, não decola,
Bolsonaro, alma penada da ditadura militar extinta há 30 anos.
Boulos, o melhor candidato para daqui a 15 anos, se a Dialética da História ainda persistir até lá.
Ciro, o amigo da Onça.
Eymael, o que não faz mal a ninguém.
Paulo Rabello de Castro, um bom ministro do planejamento de qualquer governo.
Marina Silva, a crente inconvicente.
Manuela d’Avila, militante exemplar do PCdoB.
Pode ser que alguém desista ou outro alguém se candidate, mas a perspectiva não é segura nem tranquila. Os eleitores, as pessoas, os cidadãos se fazem indagações:
1 – Como seria a campanha eleitoral se Lula não estivesse preso?
2 – A liderança dele nas pesquisas é fruto de uma verdadeira confiança popular em seu taco ou uma resposta sentimental a uma condenação sem provas convincentes?
3 – Como serão contados os votos a Lula se ele for inelegível?
4 – Qual a legitimidade do candidato mais votado se sua votação for superada pela soma dos votos nulos + brancos?
5 – Poderá a eleição ser anulada?
Por enquanto, não há respostas. Que as tragam as urnas.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Não sei, não entendo como possa ser livre um povo ignorante e pobre. Não sei como possa deixar de ser escravo um povo pobre e ignorante”.
J.F. de Assis Brasil (1857-1938) em conferência pública realizada em 22 de setembro de 1917 no Teatro Municipal de São Paulo.
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