Cardume de invencionices

Há seis ou oito anos, no bar da Feira do Livro, ali ao lado do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega, tive a honra de compartilhar de uma mesa, onde se reuniam, em alarido juvenil, o Walter Galvani, o Cídio Salatino e o Rivadávia de Souza, o nego Riva, para os mais íntimos.
Um pouco antes, a Editora Sulina havia publicado as memórias do Rivadávia de Souza, que li avidamente, surpreso com a vida multifacetada do seu autor, reconstruída, pela memória, desde os seus tempos de guri, em Uruguaiana. Ali, ao redor da mesa, envolvida pela agitação feérica da noite, eu olhava para o Rivadávia e lembrava as passagens mais encantadoras de suas memórias, que deveriam ser leitura obrigatória para os jornalistas gaúchos, entre os quais ele disputava o primeiríssimo lugar.
Acompanhado pelo amigo e fiel escudeiro Cídio Salatino e pela esposa, uma espanhola de alma libertária, que conheceu em Paris, após a Segunda Guerra Mundial, Rivadávia, já entrado em anos, mas com a memória faiscante, me contou ter sido o autor da primeira entrevista publicada na imprensa gaúcha com o Lupicínio Rodrigues.
Mais tarde, quando ele e a esposa já haviam voltado para Brasília, onde moravam, me mandou um cartão agradecendo os comentários elogiosos que fiz a respeito do seu livro de memórias. Foi, na verdade, o último contato que tive com o Rivadávia de Souza, que faleceu em Brasília, deixando na saudade uma legião de amigos.
Pois, há duas semanas, reencontrei o Rivadávia de Souza num sebo da rua Riachuelo, espargindo simpatia, ao lado do presidente Getúlio Vargas, na capa do seu livro, intitulado “Botando os Pingos nos Is – As Inverdades nas Memórias de Samuel Wainer”. Os pingos nos is, colocados por Rivadávia de Souza, nasceram da sua indignação ao ler “Minha Razão de Viver”, contendo as memórias de Wainer, organizadas e editadas pelo jornalista Augusto Nunes.
Rivadávia de Souza
Defensor incansável do jornalismo íntegro, a serviço da verdade, Rivadávia de Souza fez questão de escrever o livro para esclarecer erros imperdoáveis de informação contidos nas memórias. Editado pela Record e publicado em 1989, o livro de Rivadávia de Souza é um manancial de informações preciosas a respeito dos bastidores da política brasileira contemporânea, que ele conheceu como poucos, na condição de repórter e, mais tarde, de amigo e assessor de imprensa do presidente Vargas, após a eleição de 1950.
A seriedade com que Rivadávia de Souza encarou a profissão de jornalista não permitiu que ele silenciasse diante dos escorregões do ego inflado de Wainer. Não se conhece na história do jornalismo brasileiro obra tão demolidora, realizada com o único propósito de restabelecer a verdade dos fatos contados e imaginados.
Algumas invencionices do Samuel Wainer receberam tratamento de choque. Afinal de contas, segundo Rivadávia de Souza, as memórias do criador da Última Hora contém “um cardume de invencionices, que pulam e pululam no seu leito”. Eu gostaria de conhecer a opinião do Augusto Nunes a respeito do livro do Rivadávia de Souza. Sempre há tempo para servir à verdade. E, acima de tudo, sempre há tempo para impedir que a história se misture com a ficção.

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