ELMAR BONES/ O desafio americano

Os Estados Unidos se beneficiaram em larga escala com as duas calamidades que marcaram o século XX – as duas guerras mundiais num intervalo de 15 anos. Na primeira, os americanos se envolveram perifericamente, no final, e não foram contaminados pelas perdas da guerra.

Ao contrário, sua indústria supriu o mundo, principalmente a Europa combalida. Dez anos depois da pacificação, sua produção representava 40% do total mundial. Só interrompeu sua ascensão, por um período, na grande depressão dos anos 30.

Na segunda, os Estados Unidos tiveram importante protagonismo no periodo final, mas a guerra passou longe do seu território e seu parque produtivo, mais uma vez, se beneficiou da devastação geral na Europa.

Ao fim do conflito, firmou-se não só o maior produtor industrial, mas também como o maior credor do mundo, financiando as potências quebradas.

De outro lado, as duas guerras criaram o ambiente para as maiores transformações políticas já ocorridas: a revolução bolchevique que deu origem à União Soviética, no caldo da primeira guerra, e a revolução maoista na China consumada em 1949, cinco anos depois do final da guerra.

Eric Hobsawm, que reuniu e analisa exaustivamente esses fatos capitais em sua obra “Era dos Extremos”*, anota que as calamidades que abalam as estruturas econômicas abrem caminhos para as revoluções políticas impensáveis em condições normais.

No século XX, as revoluções se deram na periferia do  capitalismo – Russia e China embora gigantes em território e população eram nações periféricas ao sistema econômico dominante nos Estados Unidos e Europa central.

A Covid 19 é a primeira grande calamidade do século XXI e os prejuízos serão profundos nos países que são os sustentáculos da economia capitalista, a começar pelo seu motor, os Estados Unidos.

Atingidos duramente pela Covid 19, os EUA vivem um momento em que os fundamentos da sua economia  enfrentam  contradições ameaçadoras, a começar pela crescente desigualdade social, passando pelo racismo, ambos potencializados pela devastação da pandemia.

A extensão de cada uma dessas ameaças e o impacto delas  no conjunto ainda é imprevisível. O governo americano, ocupado por um líder controverso, errou no tratamento à Covid e tornou-se um epicentro da pandemia.

Corre o risco de errar no tratamento dos conflitos sociais recorrendo, como pretende Trump, a uma repressão  sem limites para contê-los. Pode ter o efeito de uma fogueira que se tenta debelar com gasolina.

Em todo caso, tem-se como  improvável uma revolução comunista nos Estados Unidos, até porque o comunismo não tem mais  o apelo que tinha como alternativa ao capitalismo nas primeiras décadas do século passado.

O que é previsível a estas alturas é que essa crise não será “apenas um solavanco no velho capitalismo” que vai retomar seu eterno vigor ali adiante.

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