Espectro verde-amarelo

No início do ano, a lógica política indicava dialeticamente que a tendência conservadora do eleitorado brasileiro se fixaria na figura do candidato católico que governou São Paulo nos últimos anos.

Surpreendentemente, o tal Chuchu não decola. A dez dias das eleições, não foi além de 8% das intenções de votos declaradas em pesquisas.

Abaixo dele estão Marina Silva, Alvaro Dias, Amoedo e Meirelles. Juntos, os quatro não somam 12%.

O jurista Miguel Reale Junior, profeta do último impeachment presidencial, fez as contas e tentou criar uma candidatura única em lugar das cinco acima. Era uma jogada pró-Chuchu, mas deu em nada.

Em compensação, o conservadorismo se deixou atrair pela pregação desvairada do deputado ex-militar que abona o estupro, prega fuzilamentos e promete a privatização escancarada de estatais, entre outros despropósitos.
Sem conseguir um aliado civil para o cargo de vice, agregou à sua chapa um general da reserva que, subversivamente, prega a intervenção militar no governo.
Estariam os brasileiros com saudade da ditadura militar? Pode ser, mas com que base? Já se passou tanto tempo que a maioria da população não possui uma avaliação correta daquele período encerrado em 1985/88.
Tampouco se tem noção de onde pode parar um governo inspirado na doutrina militar, que se fundamenta no uso da força para eliminar os inimigos.
A pergunta que fica no ar é: se no mundo o Brasil vive uma situação de paz, quem dentro do país seriam os inimigos dos militares? Os artistas, para começar? Mais importante ainda, quem seriam seus amigos de verdade? Os banqueiros, talvez. Os fabricantes de armas, com certeza. E qual seria o partido político do fundo do coração dos militares, se a eles fosse permitido filiar-se? Direita, esquerda ou centro? Ora, ou são de direita ou de centro; não se conhece um militar que se declare de esquerda.
Como lembrou o jornalista Antonio Martins no site GGN, vivemos uma situação paradoxal: a maioria da população desaprova as principais medidas do governo Temer, que arde no inferno da mais profunda impopularidade, mas está prestigiando os candidatos que apoiaram o impeachment da presidenta Dilma e se dispõem a levar adiante reformas antidemocráticas.
É verdade que as coisas ainda estão confusas. A uma semana da eleição, nenhum candidato chegou a 30% das intenções de voto. Porém, somando as tendências das correntes de direita e de esquerda, a vantagem é da primeira, com mais de 40% dos votos. Mesmo que a chapa militar caia por sua absurda incivilidade, a tendência majoritária é que seus eleitores migrem para algum candidato de pendor autoritário.
A menos que ocorra uma reviravolta inesperada, temos então em perspectiva a continuidade e o aprofundamento do golpe político que há dois anos e meio afastou a presidenta eleita em 2014. Isso, focalizando apenas a Presidência da República.
Uma análise completa dos desdobramentos do atual quadro político precisa considerar o resultado das eleições para os governos estaduais e a nova composição da Câmara e do Senado, onde, aparentemente, haverá pouca renovação dos mandatos.
Há portanto dois perigos visíveis no horizonte político brasileiro. O primeiro é que o extremista militarista vença as eleições presidenciais e passe a praticar suas ameaças, bravatas e promessas. Como ele não tem equilíbrio para governar, a tendência é que transfira as responsabilidades para terceiros, seu vice em primeiro lugar.
Um governo de extrema direita é algo sinistro em todos os sentidos. “Na dúvida, lembre-se de que um governo autoritário serve mais às elites do que ao conjunto da sociedade”, escreveu a economista Laura Carvalho, professora da Universidade de São Paulo, em artigo em que sintetiza o governo Pinochet, que ficou no poder por 16 anos no Chile.
O segundo perigo é que o candidato da Esquerda seja eleito e, sem maioria no Congresso, logo comece a escorregar nas cascas de banana jogadas pela mídia branca a serviço do famigerado Mercado, que é elitista, globalizado e essencialmente antidemocrático. Ou, seja, a mecânica do golpe pode se manter ativa operante, contra a vontade majoritária do eleitorado.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Estávamos numa caminhonete robusta, na companhia daqueles homens a quem nunca tínhamos visto e cujas maneiras e aparência eu nunca imaginara que viesse um dia a ver de perto. Nenhum deles usava farda ou qualquer signo exterior que revelasse sua função. Tampouco a caminhonete era uma viatura de polícia que pudesse ser reconhecida como tal. Isso emprestava aos seus modos decididos mas vulgares um ar sinistro. Depois de rodarmos por muito tempo por ruas de São Paulo, vimo-nos pegando uma grande estrada. Quando pedimos explicação para esse fato, eles nos disseram com rudeza que não tínhamos o direito de fazer perguntas. Mas conversavam entre eles sem procurar esconder que rumávamos para o Rio.”
Caetano Veloso na página 351 do livro Verdade Tropical(Companhia das Letras, 1997), contando o dia de sua prisão, com Gilberto Gil, em 27/12/1968, duas semanas após o AI-5.

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