Jornalismo passivo

Chamo de jornalismo passivo esse que se pratica nas nossas grandes redações, sujeito a uma pauta que vem de fora para dentro.
São os atos oficiais, as leis, os decretos, os lançamentos, são os aumentos, os indicadores, as inaugurações, os eventos, as promoções, os projetos, as entrevistas coletivas.
É inevitável, intrínseco ao jornalismo de massa difundido pelos grandes canais de comunicação. E, sem dúvida,  essas fontes trazem uma informação relevante, que merece a atenção que recebe.
O problema é que esses fatos programados acabam ocupando 90% ou mais da
cobertura.
Uma vez fiz um levantamento na Gazeta Mercantil, que era um jornal criterioso e tinha
uma reportagem bastante ativa. Nenhum press release era publicado sem que se falasse com o emissor, para checar todas as informações e esclarecer alguns pontos, o que muitas vezes rendia belas matérias.
Mas mesmo na velha GZM era um desafio chegar a 30% de pautas que não viessem de agentes externos, atos oficias ou gente interessada em divulgar a sua informação, vender o seu peixe.
É legítima essa pressão, e a imprensa existe também para isso, mas ela deveria ser equilibrada internamente, com as pautas de quem não tem assessoria, não organiza eventos, nem assina decretos, mas é o verdadeiro sentido do jornalismo: a cidadania.
O jornalismo passivo é cômodo e vantajoso. O espaço na mídia concentrada é disputado, é só selecionar as informações relevantes, a margem de erro é quase zero, não gera atrito com ninguém e, importante nesses tempos de crise, economiza mão de obra.
Mas tem um efeito colateral daninho: torna-se um jornalismo oficioso, acomodado, que se vale do bom trânsito com a autoridade.
Aí acontece uma “greve de caminhoneiros”.
Há um mês ela foi anunciada ao governo. Como o governo não divulgou os ofícios que recebeu das associações dos caminhoneiros, a manchete não foi notícia.
O vídeo que mostra como uma greve de caminhões pode paralisar o país em cinco dias, só foi divulgado nesta sábado, sexto dia da greve. A federação que o produziu diz que ele é do ano passado.
No sexto dia da greve, com o país mergulhado na crise, pouco se sabe das reais motivações e dos agentes desse movimento.
O jornalismo passivo deveria pedir desculpas ao país pelos prejuízos da desinformação.
 

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