JOSÉ ANTONIO SEVERO/ A Máfia das Caatingas

Um livro para sacudir o mundo político: “Máfia das Caatingas”, do escritor e cineasta alagoano Jorge Oliveira, trás de volta para o cenário a brutalidade e o primitivismo da política no Brasil.
A única diferença dos tempos passados (ambos 1950 para cá) é que as questões de ódio e de fake News se resolviam na boca dos canos dos trabucos, em vez dos delicados teclados das redes sociais de hoje, tão cruéis e letais quanto as armas dos matadores do passado.
Nesse livro o autor recupera a vida e morte de Floro Novais, o mais fantástico matador do Nordeste, um hábil atirador lá chamado de “pistoleiro”, que seria, no Sudeste, denominado “sniper”.
O protagonista é membro do clã dos Novais, antagonista dos Oliveira. As duas famílias se exterminam numa sucessão de atentados, tocaias e duelos.
O tom das vinditas é dado por outro personagem, dona Guiomar, matriarca dos Novais, mãe de Floro e de Antônio, o Tonho, irmão mais moço. Esse menino, aos 15 anos, foi chamado pela mãe: “Tonho, me, meu “fio”, ‘tá vendo aquele homem ali?: ‘Tô sim, “maeinha”; e lhe passando um retrato, acrescenta: “Só jogue fora esta foto quando esse miserável cair morto a seus pés”.
O alvo era Ezequiel Oliveira, chefe político da cidade de Olivenças, mandante da morte de Ulisses Gomes Novais, marido de dona Guiomar, e seu amigo Mané Roberto, desfiando, então, a teia de mortes e terror.
A história central penetra nos usos e costumes da politica de Alagoas, que constitui um sistema cultural que perpassa todo o Nordeste e, mais recentemente, implanta-se nos grandes centros do Sul e Sudeste, integrado por descendentes da migração dos anos 1950 em diante.
Introduzindo nos antigos costumes do submundo antigo dos tempos do samba, a civilização dos funqueiros elevou o grau de violência e de organização, reproduzindo em seus extremos a ética e a violência do cangaço lendário.
Jorge Oliveira traz à tona os seus primórdios quando as pendências políticas (e econômicas entre latifundiários) se desenvolviam com o chumbo das espingardas.
O livro é eletrizante. Seu conteúdo é um trabalho de grande valor literário, sustentado por uma pesquisa jornalística levada a efeito por um dos profissionais mais experientes e premiados do mercado da informação do País.
Com dois prêmios Esso no currículo, Jorge Oliveira foi destacado repórter dos principais jornais do País, como O Globo, Jornal do Brasil e do diário econômico Gazeta Mercantil. Integrou a nata do jornalismo até se reinventar cineasta e escritor.
No cinema, com vários filmes, destaca-se “O Olhar de Nise”, com a vida da psiquiatra brasileira Nise da Silveira, película premiada, que lhe valeu a escolha como homenageado a Brazilian Endowerment for the Arts (BEA), em Nova York.
Na literatura publicou vários livros, valendo aqui registrar a obra que antecede “Máfia…”, o thriller político “Curral da Morte”, descrevendo em detalhes o tiroteio no plenário da Assembleia Legislativa de alagoas, em Maceió, em 1957, que acabou com a morte um deputado e seis parlamentares feridos à bala.
No livro, tudo encadeado, Jorge Oliveira mostra como numa radiografia as entranhas de um sistema politico e de dominação econômica, que se inicia nos confins do Brasil e  chega até o Palácio do Catete, com Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, ambos não diretamente, mas de alguma forma, associados à organização de extermínio em Alagoas,  denominada Sindicato do Crime, onde se podia contratar pistoleiros para as mais diversas missões.
Descendo nas hierarquias, já em Alagoas,  aparecem figuras de grande relevo, como os então governadores Silvestre Péricles (Gois Monteiro, irmão do general que comandou as tropas vencedoras da Revolução de 1930 e foi ministro da Guerra dos presidentes Vargas e de Eurico Gaspar Dutra), Arnon de Melo, pai do ex-presidente e atual senador Fernando Collor, e Sebastião Marinho Muniz Falcão.
Em 1964, ambos senadores de partidos opostos,Arnon e Péricles duelaram no plenário do Senado Federal. Nesse embate, errando o alvo, Melo matou com uma bala perdida (ou “achada”?) o senador José Kairala, do Acre. É cena mais grotesca da história dos parlamentos brasileiros.
Passando por presidentes, governadores, chefões, chefes, chefetes políticos e bagrinhos distritais, o livro mostra a anatomia das lutas políticas brasileiras, onde mais que ideologias ou posições programáticas, o que vale é o poder a qualquer custo.
O leitor terá uma surpresa, tamanha a ação que sai das páginas. Uma leitura empolgante, sem fôlego. Ainda não foram marcados os lançamentos festivos, fora de Alagoas, mas o esperado “Máfia das Caatingas” é a primeira obra a chamar a atenção do mundo do livro neste ano de 2020.
A saga do pistoleiro Floro acaba numa emboscada, como tantas que o protagonista fez para suas vítimas. Crivado de balas, ele não pode cumprir a promessa que fizera à mãe aos cinco anos de idade.
Deixou a missão para seu irmão Tonho que “concluiu” o vilão Ezequiel Oliveira, para orgulho de Dona Guiomar: “ Pois é meu “fio”, foi ali em frente, naquela feira, que vi Ezequiel pela última vez, antes de Tonho, o meu caçula… E assim cumpriu-se a lei dos sertões, como se diz naquelas bandas: vingança vingada.

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