Os golpes se sucedem

Em plena era do GPS, a reforma trabalhista sugere multiplicar os “chapas” 
Todo mundo conhece os “chapas”, aqueles trabalhadores avulsos que fica(va)m na entrada das cidades à espera de caminhões carregados cujos condutores precisam de ajuda braçal e conhecimento de ruas de difícil acesso para fretistas temerosos de se perder em caminhos nunca dantes percorridos.
Ainda se veem “chapas” sentados à beira das estradas nas entradas das cidades mas a situação mudou de tal forma que, teoricamente, muitos desses trabalhadores avulsos podem ser convocados pelo telefone celular (para ajudar no descarregamento) enquanto o motorista chega facilmente ao seu destino usando o GPS.
Quando tem sorte, o “chapa” trabalha por algumas horas e volta para casa com uma féria semelhante à dos antigos estivadores contratados para executar tarefas avulsas em cais de portos alegres ou não. Com a diferença de que os estivadores são historicamente organizados em sindicatos, enquanto os “chapas” fazem parte do submundo dos trabalhos quase sem  amparo legal além dos direitos constitucionais quase sempre ignorados pelos empregadores.
Agora, com a flexibilização da legislação trabalhista, chegamos ao maior paradoxo da modernidade: enquanto os detentores dos meios de produção (e de transporte, no caso exemplar dos motoristas que ainda precisam dos “chapas”) desfrutam de crescentes facilidades para realizar seus objetivos, os trabalhadores sem recursos e sem qualificação ficam pendentes na beira do abismo que leva à servidão mais abjeta.
Eis o espírito que rege a reforma trabalhista: o governo, no afã de servir ao mercado – ou, seja, aos manobristas do dinheiro, que constituem uma minoria –, abre mão do exercício do seu dever constitucional de servir à maioria.
Que modernização é essa em que a maioria dos trabalhadores é obrigada a submeter-se a uma flexibilização degradante enquanto os ditos empreendedores são estimulados a realizar suas metas, ainda que passando por cima de normas ambientais, civis e até de bom senso?
Estes ganharão mais dinheiro que gastarão nos Estados Unidos e Europa, enquanto os trabalhadores, com a redução dos seus rendimentos, deverão se manter no consumo mínimo, o da sobrevivência pura e simples.
A construção da prosperidade das elites empresariais às custas das bases operárias é um retorno à era escravagista.  Não será assim que se construirá um país mais justo e igualitário, como está escrito na Constituição.
 LEMBRETE DE OCASIÃO
“Que dizer ainda do entusiasmo das empresas pós-industriais pelo telefone celular que permite suprimir, para os empregados, a distinção entre vida privada e tempo de trabalho?”
Paul Virilio no livro “A Bomba Informática”, de 1999

Deixe um comentário