Os ministros estão nus!

Raul Ellwanger
Zapeando distraído, na quarta feira dia 20 de abril cruzei na tela com o ministro Celso de Mello, numa longa fala. Em seguida, outra longa fala do ministro Toffoli. E logo outra longa fala do ministro Mendes.
Percebi que o momento era sério, grave. Três ministros do Supremo jogados ao ar de enfiada, colados na edição, somando uns dez minutos. Pensei: caramba, algo aconteceu, deram um golpe, está chovendo Zika virus, o deputado Cunha enfartou, meu Cruzeiro de Porto Alegre saiu campeão,  houve um terremoto em Brasília e a Bolívia invadiu o Atacama!!!
Ilustra_Andres_Vince20160423_1Diz a tradição: juiz só fala nos autos. Mas estes loquazes três ministros falavam pelos cotovelos e bíceps, no meio da rua, por entre os autos, acima das bicicletas e nas roletas dos ônibus, falavam aos gritos, para todo o país ouvir em horário televisivo de pico, escancaravam bocas e olhos para serem notados.
Eram três dos máximos dirigentes do país arengando ao conjunto do povo, eram a reserva moral no meio do tumulto!
Importantíssimo! Um só deles já seria magnifico.
Imagino um membro da mais alta Corte vir a auxiliar o país, deixando de lado aquela fila histórica de centenas de milhares de processos que esperam sob a poeira de suas togas, para debruçar-se ante a opinião pública como impoluto Mestre e mostrar a luz aos concidadãos.
Já que são três e falam muito tempo no megafone fora dos autos, qual seria o processo jurídico tão descomunal, estratégico e urgente, que os obrigasse a deixar suas pesadas tarefas legais e a quebrar a norma de prudência e discrição?
Nem mesmo o impedimento da Presidente demandaria tamanha organização e dedicação coletiva, afinal as câmaras legislativas vão fazendo seu serviço.
Mas não era nada disso, nada de tão importante assim, nem sequer era da alçada deles. O assunto era mais prosaico. Ou parecia. Os três falaram do mesmo assunto, com as mesmas três ideias, na mesma ordem, com o mesmo ar compungido de normalistas surpresas, quase traídas. Diziam, todos os três, na mesma ordem:
1) “sim, claro, este assunto não é minha atribuição, não me compete”;
2) “bom, mas por alguma razão ou força inexplicável, vou falar assim mesmo”;
3) “a ida e a fala da Presidenta ao exterior é impropria, inconveniente, pode gerar isto ou aquilo, esta hipóteses, aquela crise, etc, etc, etc “.
Ilustra_Andres_Vince20160423_3Nenhum conseguiu articular o porque da fala ser ruim para o Brasil, mostrando que o ensaio era cabal até nos silêncios.
Os idênticos olhares de cordeiro, as mesmas comissuras caídas, o  biquinho labial de muxoxo, a uníssona tonalidade mansa dos três combinavam com a conversa do tipo “Joãozinho do passo certo”, no caso, “do papo certo”, parecendo três coroinhas que tivessem  vindo recitar o catecismo ante a filmadora severa do padre, cada qual mais aplicado em repetir a idêntica lição.
Com alivio, pois afinal o vulcão Etna e a Falha de San Andrés seguiam tranquilos e o Sol cumpria sua rota normal, descobri então que a monótona emissora tinha ampliado o plantel de comentaristas internacionais. Sim, agora nada mais de Jaboresinhos e Nóibartinhas, agora os noticiários são de nível ministerial. Não apenas com simples jornalistas, mas com finíssima e selecionada ‘elèvage’, que conta simplesmente com três Ministros do Supremo, o que daria um peso cavalar às suas opiniões.
Não consegui, entretanto, descobrir qual a poderosa força do item 2) que os fez romper com o item 1) e desaguar impropria e arriscadamente no item 3).
Que motorização os fez dilapidar a já fatigada imagem do STF? Quem os mobilizou? Foi a repórter da salinha de redação via emei, foi algum estagiário que ligou do seu celular?
Mas se isto não era pauta nenhuma, ninguém associava STF com viagem presidencial, a matéria é um invento, como notícia é uma barrigada (de dez minutos)! Estou convencido de que foi uma força poderosa, um oculto tsunami, uma retroescavadeira que tirou os ministros do pedestal e os jogou ao lixo das ruas.
Fiquei com duas perguntas, sendo a primeira: que poder pode, em qualquer país do mundo, juntar no mesmo dia, na mesma hora, na mesma arenga com o mesmo texto, mais da quarta parte de seu máximo Tribunal numa véspera de feriado, para colocar o dedo em terra alheia, justamente membros daquela Corte que deveriam analisar questões constitucionais e que vem, misteriosamente, denegrir a presença internacional do seu próprio pais?
Acho que ninguém, nem o Presidente Obama consiga. Ou talvez o tirano saudita consiga. Não lembro da Presidente Dilma (que sim, tem o dever de representar seu país no exterior) comentar a esclarecedora e oportuna viajem de Mendes e Toffoli para um evento tipo pitza “pré-pronta”, por eles mesmos organizado e auto-convidados em Portugal, num estranho conjunto com gulosos políticos derrotados em 2014.
Ilustra_Andres_Vince20160423_2A segunda pergunta que ficou boiando na minha cabeça: porque foi necessário despí-los da aura de imparcialidade, porque tirar aquela venda que cobre os olhos do juiz, porque mostrar os três homens nus, sem roupa, à vista de todos delatando suas preferencias?
Porque eles tem que comentar uma viagem de outro Poder, se é que se fez antes com algum Presidente ou funcionário?
Lembremos de Osvaldo Aranha e todos os demais, ano após anos, representando o Brasil nas aberturas da Assembleia Geral da ONU!
Porque atacar isto,  porque fazê-lo, porque fazê-lo no dia 22 de abril, porque cometer  esta violência institucional degradando o STF, porque correr este risco político, porque gastar este fusível, porque esta desmoralização gritante da dita Justiça, porque afetar a independência entre os Poderes?
Imagino como se sentem os outros ministros do STF e das demais instâncias, os desembargadores e os jovens juízes sinceros em suas comarcas distantes, os advogados que lutam por seus clientes, o cidadão comum que crê no Direito, ao verem seus ‘magister’ engalfinhados na politica rasteira pela mão enluvada dos donos unitários da monocórdica comunicação eletrônica do Brasil.
Meu bom Barão de Itararé, há algo mais no ar, além do avião do Zezé e a poeira que levanta. Por fim, mais uma dúvida: serão os três ministros contratados como comentaristas fixos no plantel da uniemissora, terão as carteiras assinadas e recolherão os impostos trabalhistas?  Afinal, todo trabalho deve ser remunerado.

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