Os pingentes 3 – Aprimorando a arte das panaceias populares

GERALDO HASSE

“O que é um peido pra quem está cagado?”, murmurou o senador, enquanto vasculhava os bolsos em busca de um trocado. Ele gostava dos ditados populares, desses que numa frase sintetizam uma situação ao mesmo tempo simples e complexa.

Por um momento, sentiu que faria bem para seu ego, seu id e seu superego ajudar aquela pobre criatura que se metera em sua frente com uma braçada de alvos panos de cozinha.
Nos quatro bolsos das calças e nos quatro bolsos no paletó, o bem votado não encontrou o que procurava.
Infelizmente para a pobre vendedora-pidona, ele só tinha notas graúdas, além dos cartões de crédito. O que fazer?
Dar-lhe uma nota de 50 pegaria mal. De 100, nem pensar.
“Compra pra me ajudar, Doutor”, exclamou a mocinha, já pressentindo o NÃO.
Seis panos por 10 reais: uma das maiores pechinchas do Brasil contemporâneo.
Desde o final do século XX proliferam nas ruas os vendedores dessa utilidade doméstica.
Das eleições de 2014 para cá, vender panos de cozinha se tornou uma sugestão metafórica para o país, como se esses humildes ambulantes estivessem a propor uma limpeza geral.
“Minha querida”, disse o senador, “infelizmente não tenho trocado”.
“Então me dá uma moeda, pelo amor de Deus…”
Penalizado, o político olhou para um dos seguranças que lhe abria a porta do carro e mandou:
“Cara, ajuda aí a mocinha que depois a gente acerta…”
“Dotô, também tô desprevenido…”, miou o hércules.
Então, virando-se para a vendedora de panos, o senador disse:
“Moça, infelizmente, não podemos ajudar. Fica para a próxima, está bem?”
“Desculpe, Doutor”, falou a moça. “Não vai ter próxima vez. Nem pra mim, nem pro senhor.”
Por essa fala o senador poderia ver o quanto está sujo no conceito popular mas tudo indica que ele perdeu a capacidade de se autoavaliar.
Fechada a porta do carro oficial, a imagem do político desapareceu atrás dos vidros fumê.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Mais cedo ou mais tarde todo político corresponde aos que não confiam nele”
Millôr Fernandes

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