Protesto não é micareta, nem vandalismo, é um direito constitucional

ANDRES VINCE
Parece cristalizada a ideia, tanto na mídia corporativa como na alternativa, que os atos de resistência protagonizados por alguns pequenos grupos são atos de vandalismo.
Os comunicadores recorrem a vários expedientes para justificar esse pensamento, que, assim, vem ganhando força junto à população, que já aplaude o uso do aparato que falta no combate ao crime, na repressão de um ato garantido pela Constituição.
Um dos argumentos prediletos e mais bem aceito é o de que trancar via é impedir o direito de ir e vir das pessoas. Argumento falso como uma nota de três reais. Trancar via impede o direito de ir e vir dos veículos, não das pessoas. E, por mais que se procure na Constituição, não será encontrado nada que refira ou garanta o direito de ir e vir dos veículos automotores.
Assim sendo, em casos de via trancada, o órgão público responsável é a EPTC, não o batalhão de choque da BM. Alguns dirão que a polícia está lá por causa das depredações. Excelente argumento, não fosse o caso da polícia ter atacado antes, sem nenhum aviso, manifestações onde não ocorreu nenhuma depredação. As depredações vieram depois que a polícia atacou e prendeu violentamente alguns manifestantes. Portanto, causa e consequência.
Esse mesmo pessoal que condena a via trancada por manifestações é o mesmo que apoia e divulga o trancamento de uma via para montar um toboágua para um evento comercial, num bairro nobre de Porto Alegre. Claro que, nesse caso, está tudo bem, pois, usa-se todo um aparato público pra dar cobertura a um interesse privado. Portanto, cinismo puro.
Outro argumento bem aceito é o de que os manifestantes estão mascarados. Os comunicadores transmitem a ideia que o uso da máscara torna o elemento automaticamente num delinquente pronto a incendiar toda a cidade. Isso parece causar um medo histérico coletivo nas pessoas tão violento, que elas nem percebem que a polícia de choque também está mascarada. Portanto, não há o que dizer nesse caso.
Sempre prontos em enaltecer tudo que vem de fora, os comunicadores amestrados esquecem ou preferem ignorar o que acontece em protestos na Europa, por exemplo. Os conflitos que ocorreram na França foram extremamente violentos. Nem por isso, os franceses foram chamados de vagabundos, desocupados ou vândalos.
Parece óbvio que será dito que o uso da violência está sendo defendido aqui. Simplificação barata, como todas as simplificações são, pois, estão calcadas nesses falsos argumentos citados neste artigo. Quem usa a violência e causa desordem é a próprio poder público que coloca a BM pra reprimir manifestações legítimas, levando medo à população e desmobilizando as pessoas. Isso sim que é violência, e, como tal, gera um direito legítimo de defesa. Defesa do direito constitucional de livre manifestação.
Quando um direito constitucional é atacado abertamente, não existe mais espaço para manifestações simbólicas e artísticas. Dancinhas e enterros simbólicos não vão sensibilizar ninguém, muito menos os políticos, que estão se sentindo bem à vontade depois que deram um golpe parlamentar e nada aconteceu. Nada.
O País foi tomado por uma corja que é comprovadamente mais pilantra do que alegadamente eram os que foram removidos do poder, e, nada aconteceu. Nada.
O Congresso já está a ponto de anistiar seus próprios crimes e parece que ninguém entendeu direito o que está acontecendo. Só essa meia dúzia que resiste a opressão que se instalou no país. Meia dúzia que será rapidamente criminalizada por aqueles que esperam que a democracia vá reflorescer espontaneamente nesse jardim imundo que se tornou a política nacional com a volta do toma lá da cá. Esperem sentados que cansa menos.
 

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