Quatro refeições por dia

A redução de benefícios sociais tende a alimentar a revolta dos desvalidos
Nesta véspera de Natal, voltou-me à memória uma frase de Lula: ”Eu gostaria que cada brasileiro tivesse o direito de fazer quatro refeições por dia”.
Foi promessa de campanha e virou meta de governo atingida parcialmente com o Bolsa-Família, um programa tão generoso que começou com um nome negativo – Fome Zero.
Ambicioso socialmente e modesto financeiramente, em 2015 o BF consumiu R$ 33 bilhões ou, seja, 5% das despesas com a dívida pública, mas a ninguém do governo ocorre a hipótese de congelar o pagamento de juros e amortizações aos credores.
Ao contrário, segundo a óptica elitista que domina as ações oficiais desde o Brasil- colônia, é preciso enxugar o que se gasta na base para que não faltem recursos nas altas esferas.
Índios fora, escravos esquecidos, imigrantes ludibriados, pobres sem chance de ascensão ou resgate: assim tem sido o Brasil na maior parte do tempo.
Recentemente, bastaram alguns anos de concessões às bases carentes da população para se iniciar um temerário processo antissocial que busca reduzir o papel do Estado na sociedade. Como se o Mercado ou a iniciativa privada fossem assumir as tarefas que nem os governos fazem direito.
O Bolsa Família tem um lado assistencial – o dinheirinho entregue mensalmente às famílias cadastradas; mas seu aspecto mais importante é o vínculo educacional obrigatório de 16 milhões de jovens matriculados em creches e escolas públicas.
Pela primeira vez no Brasil se criou uma fórmula de resgate da miséria pela via escolar. Mesmo com defeitos e problemas, o BF acena com uma saída ao lembrar aos pobres que a única forma de escapar da degradação moral provocada pela miséria é através da aquisição de instrução e saber.
Ajudar os pobres: essa é uma fantasia que não se realiza porque as elites brasileiras não cortam seus privilégios em favor da justiça social.
A gente até entende quando um cidadão isolado se incomoda diante de um pobre que vasculha o lixo ou pede uma ajudazinha pelo amor de Deus. O responsável por uma instituição pública, porém, tem o dever constitucional, não apenas moral e humano, de ajudar os desvalidos.
O Bolsa-Família não é uma esmola, mas uma ajuda cristã em favor de quem está sob risco de perder a autoestima por falta de amparo civil. Sem falar que a merreca do BF se transforma integralmente em consumo, contribuindo para ativar a economia.
A visão egocêntrica das elites está difusa no comportamento da maioria dos empresários, dos políticos e dos integrantes das instituições de governo, especialmente no Judiciário, o mais bem aquinhoado em salários e benefícios indiretos.
Até agora a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, não traduziu em fatos concretos sua preocupação com a situação dos presídios brasileiros.
Se Carmen Lúcia quer mesmo fazer alguma coisa concreta, que comece por transferir para os encarcerados o auxílio-moradia dos magistrados, que não precisam dessa mordomia, pois têm os melhores salários do serviço público.
São 14 000 magistrados que recebem, cada um, R$ 50 mil por ano a título de auxílio-moradia. Seriam R$ 700 milhões a beneficiar 600 mil presidiários, dando o empurrão inicial a um processo de resgate de uma parcela dos cidadãos brasileiros que perderam não apenas a liberdade, mas alguns dos direitos mais elementares, entre eles quatro refeições por dia.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A quem o pouco não basta, nada basta”
Epicuro, filósofo grego (341-271 a.C.)

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