Elmar Bones
A 54a.Feira do Livro, que termina domingo, 16, deixará em Porto Alegre uma bomba de efeito retardado: o livro do jornalista Luiz Claudio Cunha, editado pela LPM, reconstituindo o “sequestro dos uruguaios” ocorrido em novembro de 1978, fato que abalou as ditaduras uruguaia e brasileira e que lançou seus primeiros estilhaços ali mesmo na Praça da Alfândega, em meio às barracas da Feira.
Na abertura da feira daquele ano, o governador Synval Guazzelli foi encurralado pelos repórteres para falar de um assunto do qual vinha fugindo nos últimos dias – a denúncia de que dois adultos (Universindo Dias e Lilian Celiberti) e duas crianças (Camilo, 8, e Francesca, 3, filhos de Lilian) haviam sido sequestrados em Porto Alegre e levados para Montevidéo por uma ação conjunta de policiais uruguaios e brasileiros.
O livro tem 472 páginas, e reconstitui os fatos num ritmo de reportagem, sem buscar isenção, nem distanciamento. O repórter está envolvido desde o primeiro minuto, quando numa tarde de novembro de 1978, acompanhado do fotógrafo J.B. Scalco, bateu num apartamento na rua Botafogo, no Menino Deus, e foi recebido por uma pistola. O autor do livro está do lado de cá da pistola, que como se descobriu depois, a partir do testemunho dele e de Scalco, estava a serviço de uma organização criminosa, que eliminava dissidentes à sombra das ditaduras do continente. Por isso, Luiz Cláudio é impiedoso com todos aqueles que estavam do lado de lá, o da pistola.
O livro, lançado dia 7, com autógrafos na feira, detonou uma série de eventos em Porto Alegre e, de certa forma fez o mundo político local reviver os dias sombrios daqueles tempos “em que adversários eram punidos com a tortura, o desaparecimento e a morte”.
Lilian e Universindo vieram de Montevidéo para homenagens na Assembléia Legislativa, na Ordem dos Advogados, deram dezenas de entrevistas em rádios, jornais e tevês. Lembraram a prisão, as torturas, nominaram os algozes, repudiaram as ditaduras e reitararam sua gratidão aos jornalista, advogados, defensores de direitos humanos e parlamentares que alimentaram a campanha, que não só desvendou o sequestro. Também salvou a vida deles, dos raros que escaparam das garras da Operação Condor.
Luiz Claudio Cunha, que vive em Brasilia, voltou para casa. Lilian, Universindo, Camilo e Francesca voltaram para Montevidéo, onde vivem. O livro ficou como uma bomba silenciosa, demolidora de biografias que se reconstruiam sob a poeira do tempo.