Agora é guerra, diz Bolsonaro

O avanço da pandemia do novo agente do coronavírus já provocou mais de 15 mil mortes no Brasil, passando de 800 mortes por dia. E o mais dramático é que os números podem mascarar a real situação pela baixa testagem em todo o País. Enquanto isso, numa visão militarista de bandido e mocinho, o presidente da República Jair Bolsonaro conclamou um grupo de grandes empresários em uma teleconferência que pressionem pela reabertura do comércio. “A questão é séria, é guerra”, completou.

O mundo está envolvido em outra guerra contra um inimigo invisível, a Covid-19. A guerra de Bolsonaro não tem o menor sentido. Na verdade, com a pandemia de coronavírus e seus efeitos econômicos, o Brasil volta ao Mapa da Fome. É o que afirma o economista Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), a maior agência humanitária da ONU.

No Brasil, a estimativa é de que cerca de 5,4 milhões de pessoas – a população da Noruega – passem para a extrema pobreza em razão da pandemia. O total chegaria a quase 14,7 milhões até o fim de 2020, ou 7% da população, segundo estudos do Banco Mundial. “O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, mas está caminhando a passos largos para voltar”, disse ele, em entrevista ao Estadão.

A pobreza extrema cresceu quatro anos consecutivos no País, somando 13,88 milhões de pessoas no ano passado, o maior nível em oito anos, mostram cálculos da LCA Consultores, a partir dos microdados do IBGE.

Em 2012, eram 11,6 milhões de pessoas em pobreza extrema, caindo para 10,6 milhões, em 2013, e 9 milhões em 2014. A partir de 2015 (9,89 milhões) começa a subir ano a ano; 2016, 11,94 milhões; 2017, 13,26 milhões; 2018, 13,62 milhões e, 2019, 13,88 milhões.

O governo Bolsonaro não veio para distribuir renda, mas concentrar ainda mais. Antes da pandemia, a Roland Berger Strategy Consultants, firma global de consultoria, calculou que o Brasil deve somar 457 mil milionários até 2022, com patrimônio de R$ 1,7 trilhão. – um crescimento real composto de 5,3% e 4,4% ao ano, respectivamente, desde 2018. A confirmar essa ordem de grandeza, será uma expansão 7% acima da média projetada mundialmente na acumulação de ativos financeiros. Por isso, mesmo sob ataque da Covid 19, Bolsonaro bate na mesma tecla desde março: flexibilizar ao máximo a economia. “Infelizmente, alguns brasileiros irão morrer”, afirma.

Até economistas conservadores reconhecem que diante da crise é preciso que o Estado gaste para evitar uma verdadeira catástrofe humanitária. Os ministros das Finanças e os presidentes dos bancos centrais do G7 se comprometeram já há algum tempo a ampliar as ações fiscais e monetárias pelo tempo necessário para restaurar o crescimento e a confiança, abalados pelo coronavírus.

Para manter os negócios fechados e as pessoas confinadas em casa é preciso que o governo libere para população ativa – e não só informais – mais do que 600 reais. Claro que para o ultraliberal ministro da Economia Paulo Guedes isso é impensável.

No século XIX, Machado de Assis já dizia: “o país real, esse é bom, mas o país oficial é caricato, burlesco”. Nesta semana, ex-ministro Tarso Genro, numa entrevista para o site Jornalistas Livres, disse que Bolsonaro é a cara da burguesia brasileira. “Não é um acidente histórico, mas a figura e o movimento político eleito por essa classe dominante brasileira em troca de uma fiança: as reformas. Estavam dispostos a aguentar tudo, inclusive perseguição a esquerda, ao campo democrático, liquidação do sistema de saúde. Desde que tivesse a capacidade de implementar plenamente as reformas. Estou falando da maioria da classe dominante, pois tem setores que não estão à vontade nesse processo, que podem num novo momento adquirir uma liderança sobre certa parcela do empresariado brasileiro.”

E Tarso completou: “No Brasil de tradição escravista, organização de apartheid social, de desprezo a tudo aquilo não absorvível pela Avenida Paulista, que vem dos cafeeiros, que se transformam em industriais, que se transformam em burgueses de serviços, nas classes dominantes que emergem de São Paulo, o Bolsonaro é a cara deles. Podem observar que esse pessoal não tem a mínima autocritica do que eles fazem, não tem um juízo de valor minimamente kantiano, por assim dizer, do que é certo e errado.”