Alta dos juros recrudesce a crise e beneficia rentismo

Desde março passado, o Banco Central (BC) deu início a um ciclo de alta de juros. A taxa Selic – o juro básico – subiu de 2,0% para 4,25% ao ano e o mercado projeta elevação para 6,5% até o final de 2021. A instituição acredita que 6,5% seria um “juro neutro”, adequado para estímulo de um país sem gerar instabilidade na inflação ao longo do tempo.

É um comportamento claramente em defesa do rentismo e falta de respaldo à renda e ao trabalho, mas divulgado pela mídia corporativa como uma verdade insofismável. A inflação não é contida só com recessão. Ao contrário, a recessão é uma forma de reforçar a concentração de renda porque atinge principalmente aqueles que não têm como se proteger.

Na maior tranquilidade, o BC e o mercado entendem que o aperto monetário deverá fazer com que demore mais tempo do que inicialmente previsto pelo BC para que a economia volte a operar “a pleno vapor”. Para o BC, não importa que em 2020, 19 milhões de pessoas viviam em situação de fome no país, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil. Em 2018, eram 10,3 milhões. Ou seja, em dois anos houve um aumento de 27,6% (ou quase 9 milhões de pessoas a mais). Em 2021, quantas famílias passam fome?

Tudo para conter a inflação, que é de custos e não de demanda. Os aumentos foram dos preços da energia elétrica, petróleo e gás, que afetam toda a sociedade. Desde maio do ano passado, o preço do botijão subiu cinco vezes mais do que a inflação. Os preços médios da gasolina e do etanol tiveram altas nos últimos 12 meses de 44,77% e 50,40%, respectivamente. Os preços dos alimentos, com ênfase às carnes, óleo de soja e arroz, tiveram reajustes porque os produtores optaram pela exportação e o governo brasileiro não tem mais estoque regulador.

Por isso, a independência do BC atinge diretamente a população assalariada. As políticas monetária e cambial são intrínsecas aos planos de governo e não podem ficar nas mãos do mercado rentista. A Lei da Independência do Banco Central foi aprovada pelo Governo Bolsonaro e referendada pelo Congresso em fevereiro passado.

Enquanto isso, continua a deterioração do mercado de trabalho, que resulta no aumento do desemprego, do desalento e da desigualdade, na piora da perspectiva de vida, na queda de renda e aumento dos miseráveis.  A pesquisa feita pelo Centro de Estudos FGV Social, constatou que a queda da renda individual do trabalho foi 10,89% no primeiro trimestre de 2021. Entre os mais pobres, a redução foi ainda maior, de 20,81%.

No primeiro trimestre de 2021, três em cada dez lares brasileiros viviam sem nenhuma renda obtida através do trabalho, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A pandemia eleva a dívida de empresas a 61,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior patamar em dez anos. Em maio passado, 68% das famílias estavam endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o maior nível da série histórica, iniciada em 2010. O indicador do Banco Central – que aponta o percentual do endividamento das famílias com os bancos em relação à renda acumulada nos 12 meses anteriores – também é recorde:  57,7%, se considerado o financiamento imobiliário.

Portanto, no momento em que tanto empresas como trabalhadores estão endividados, o BC resolve aumentar a taxa de juros. Algumas consequências:

1) Provocar a queda do dólar, levando os investidores voltarem a renda fixa. Assim, atiçar o interesse em títulos públicos para pagar os juros da dívida.

2) Garantir o superávit primário, que é o resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, destinado ao pagamento de juros da dívida pública.

3) Quem tem dólar também não perde porque vendeu dólar a seis reais e agora vai comprar por cinco reais ou menos. Quem compra dólar na alta é o investidor amador, que em algum momento vai perder para os tubarões, que ganham sempre.

4) A aquisição de ações e títulos públicos por estrangeiros foi reestimada de US$ 10 bilhões para US$ 21 bilhões.

5) O Banco Central reviu a sua projeção para o ingresso de capitais no Brasil. Agora, a estimativa é que entrem US$ 90 bilhões, ante US$ 66 bilhões estimados há três meses.

6) A entrada de capitais estrangeiros voláteis de curto prazo, que haviam batido em retirada durante a pandemia. Só buscam ganhos rápidos, sem a intenção de investir na produção do país.