Cabeça dinossauro, pança de mamute

Antes da pandemia, os trabalhadores da classe média, com uma renda organizada, saiam de casa para pegar o transporte público, cumprimentando pessoas pelo caminho, conversando dentro do ônibus. Na chegada ao trabalho, um papo reto sobre futebol, ou qualquer coisa, com os colegas.

Ao meio dia, almoçavam no restaurante próximo do trabalho e davam uma caminhada para olhar as vitrines das lojas, quem sabe comprar uma camisa e um brinquedo para o filho. E a economia girando. À noite, iam para casa para conviver com a família.

Desde março de 2020, quem não perdeu o emprego, está trabalhando em home office para evitar a contaminação da Covid19. Claro que isso tem uma série de consequências na economia, na cabeça das pessoas e no corpo, por falta de exercício. Cabeça dinossauro, pança de mamute.

Uma pesquisa recente feita pela Fundação Dom Cabral (FDC) e Talenses Group, divulgada pelo jornal Valor Econômico, indicou que a pandemia prejudicou a saúde mental de 73,8% dos 573 profissionais entrevistados. Do total, 40% ocupam posições gerenciais e 20,5% são diretores, VPs, conselheiro.

Entre as mulheres (45% dos entrevistados), a pandemia prejudicou mentalmente 80,92% delas. O indicador também foi alto entre os mais jovens. Na geração Z (nascidos a partir de 1991), 80,65% disseram ter sido afetados.

Agora, o “sistema” avisa que o modelo de trabalho no futuro será híbrido: mínima parte no escritório e a maioria, remoto. Além de não ter mais carteira assinada, a nova geração de “colaboradores” é convidada a digerir o conceito de workplace, com conectividade e disponibilidade para o trabalho em qualquer lugar, a qualquer hora. O mercado avisa que esse modelo de trabalho veio para ficar e cita as “vantagens”: ganho de tempo do deslocamento diário, aumentando sua produtividade e satisfação.

Qual é a satisfação de levantar, tirar o pijama no quarto, tomar banho, vestir-se e ir para a sala, com a família em volta, desesperada para sair rua à fora? As empresas têm a solução: gestores vão agendar encontros individuais, cafés da manhã em equipe, almoços e happy hours online.

O filosofo grego Epicuro (341 aC/270 aC) colocou a busca da felicidade completamente terrena como ponto central de uma sabedoria pragmática com relação à vida, aliada a todas as ações e atitudes que pudessem evitar a dor e o sofrimento.

Em pleno século XXI, as elites econômicas esqueceram a dor e o sofrimento da classe trabalhadora esfolada em seus ganhos. Esqueceram que as pessoas querem conversar com um humano cara a cara. “Máquinas não têm compaixão, elas não entendem os humanos, só entendem os números. Algoritmos conhecem o valor de tudo, mas o sentimento de nada”, diz o alemão Gerd Leonhard, autor de cinco livros sobre o futuro.

Não somos replicantes, uma espécie de androide mais próximo do clone humano do que robô, que apareceu pela primeira vez no filme Blade Runner, de 1982, de Ridley Scott. “Queremos diversão e arte”, gritam “Os Titãs”.

As elites estão perdendo a noção do humano. E acham que depois da pandemia as pessoas ficarão entocadas em casa, trabalhando em home office por míseros tostões. Quem garante o futuro com a destruição da natureza? Qual será o futuro? Teremos futuro? Ninguém sabe, mas boa parte estará nas ruas, nas praças, nos bares, nas esquinas, de mãos dadas.