Caixa preta do Sistema S – Parte III

Uma nova auditoria no Sistema S feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) foi solicitada em 2017 pelo senador Ataídes de Oliveira (PSDB-TO), então presidente da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização, Controle e Defesa do Consumidor do Senado. “Ninguém até hoje teve coragem de mexer nesse vespeiro”, disse Oliveira à imprensa em janeiro de 2019. Um mês depois, terminou seu mandato. Ele não foi reeleito.

Nesta mesma época, o jornal O Estado de São Paulo publicou um resumo do relatório de 166 páginas do TCU sobre as nove instituições que integram o Sistema S (entre elas, Sesc, Senac, Sesi e Senai, as quatro entidades mais poderosas, ao lado do Sebrae), que arrecadaram R$ 43 bilhões entre 2015 e 2016 – período em que os dados foram analisados. Pronto desde junho de 2018, o relatório ainda não foi apreciado pelo plenário do TCU.

Segundo o relatório, as entidades não estão registrando adequadamente suas disponibilidades financeiras” e algumas informações prestadas “são meramente declaratórias”. Uma boa parte das demonstrações contábeis não é certificada por auditoria interna ou externa. E até 90% dos contratos com fornecedores não passam por licitação.

Dono de um patrimônio bilionário, o Sistema S, formado por um grupo de entidades da indústria, comércio, agronegócio e transporte, tem R$ 23 bilhões em imóveis. São 2.805 propriedades espalhadas por todo o País, das quais cerca de 490 são usadas para finalidades que não estão ligadas às atividades do Sistema S, conforme auditoria do TCU.

Em 2016, as entidades empregavam 108 mil funcionários, dos quais 40% recebiam mais do que a média do mercado. O salário médio mensal variava de R$ 3,5 mil a R$ 15,5 mil, dependendo da entidade. Para fazer o comparativo, o TCU utilizou dados do Ministério do Trabalho. Das nove entidades e duas agências de fomento que compõem o sistema, a maior empregadora era o Sesi, com 28,4 mil funcionários e salário médio de R$ 3,8 mil por mês, seguido pelo Sesc, com 24,4 mil funcionários que recebiam, em média, R$ 3,9 mil.

Gestão questionável

Dois anos antes, em 2017, Arthur Ridolfo Neto, Doutorado e Mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas/SP, na época coordenador do curso intensivo de administração da FGV, fez uma avaliação do cenário sob a perspectiva de gestão empresarial no Sistema S, a pedido do jornal Valor Econômico.

Ele constatou que as confederações nacionais e federações regionais de indústria e comércio receberam em 2016 quase R$ 1 bilhão em repasse de dinheiro público para fazer a gestão de Sesc, Senac, Sesi e Senai. Questionou a real necessidade desses recursos ao observar que os departamentos nacionais das quatro entidades tiveram orçamento somado de R$ 2,1 bilhões no mesmo ano – numa média de pouco mais de R$ 500 milhões para cada uma —, já descontadas as transferências feitas aos órgãos regionais que atuam na ponta. Ridolfo Neto disse o valor era semelhante aos gastos administrativos anuais de empresas como Lojas Renner, Azul e Magazine Luiza.

Segundo o professor, é importante discutir se toda a verba destinada para a administração superior das entidades é necessária, ou se o dinheiro poderia ser melhor utilizado em programas sociais e educativos de treinamento do próprio sistema S.

Às entidades de classe cabe a “governança superior e a visão política e estratégica” das entidades, em um papel similar ao de um conselho de administração de grandes corporações. Para cumprir esse papel, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) recebeu, sozinha, R$ 250 milhões de repasse de dinheiro público em 2016. Conforme estudo da consultoria Spencer Stuart com dados de 182 companhias abertas, o gasto médio com conselho de administração foi de R$ 2,2 milhões em 2014.

Outra característica que chamou a atenção de Ridolfo Neto nas contas do Sistema S é o saldo de caixa. A disponibilidade detida por Sesc, Senac, Sesi, Senai e Sebrae ao fim de 2016 era de quase R$ 17,4 bilhões. Entre as companhias abertas não financeiras do país, apenas a Petrobras tinha um caixa acima desse valor na mesma data, de R$ 69 bilhões — a Vale era a segunda, com R$ 13,8 bilhões.

Olha a faca!

O Partido dos Trabalhadores tentou nos mandatos do presidente Lula e de Dilma Rousseff, mas não conseguiu transferir pelo menos parte da verba do Sistema S para o controle público. Já o Governo Jair Bolsonaro, antes mesmo da posse deu o recado aos empresários. Em dezembro de 2018, o então futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou o Sistema S para uma plateia de empresários reunidos na sede da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan): “’Tem que meter a faca no Sistema S”, disse, criticando os custos do sistema. Para ele, os cortes nos programas precisam ser acentuados. “Com ‘interlocutor bom’, cortamos 30%. Se não, cortamos 50%”, completou. Recebeu uma vaia da plateia.

Guedes retrucou: “A CUT perde o sindicato e aqui fica tudo igual? O almoço é bom desse jeito e ninguém contribui? A gente tem de cortar pouco para não doer muito. Se o interlocutor é inteligente, preparado e quer construir, como o Eduardo Eugênio (Gouveia, presidente da Firjan) corta 30%. Se não, corta 50%”, ameaçou. Risadas nervosas foram ouvidas na plateia que lotou o auditório da Firjan. Guedes finalizou: “Não adianta cobrar sacrifícios dos outros e não dar o exemplo”. Depois disso, a turma do Sistema S não abriu mais a boca contra qualquer medida do Governo Bolsonaro.

Em julho de 2019, um decreto do presidente Jair Bolsonaro determinou que as empresas do chamado Sistema S deverão detalhar suas contas na internet, conforme as regras já aplicadas ao setor público, determinadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI). As novas regras eram para entrar em vigor em 90 dias, mas a data inicial das prestações de contas até agora não foi definida.

A segunda cuchillada prometida por Paulo Guedes foi a Medida Provisória 932/2020, que cortou pela metade a contribuição das empresas para manutenção do Sistema S nos meses de abril, maio e junho de 2020. O objetivo é minimizar os impactos da pandemia de coronavírus na economia. O Congresso reduziu o corte para os meses de abril e maio.

Em 2018, segundo a Receita Federal, foram repassados ao Sistema S R$ 17,08 bilhões. Em 2017, foram R$ 16,47 bilhões. As alíquotas das contribuições variam de 0,2% a 2,5%, dependendo do setor (indústria, comércio, agricultura, cooperativismo, transportes e micro e pequenas empresas).

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o sistema S tinha 3.431 unidades espalhadas pelo país em 2016 e possuía 158.631 empregados, além de pagar salários que somavam R$ 8 bilhões.