Como recuperar a educação no pós-pandemia

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A Assembleia Legislativa gaúcha reuniu, na segunda edição do seminário O RS Pós-pandemia, realizado na semana passada, um time de especialistas, que avaliou os efeitos da interrupção das aulas, propôs caminhos para recuperar as perdas e apontou os princípios que devem reger a escola do futuro.

Coordenada pelo presidente do Parlamento gaúcho, Gabriel Souza (MDB), a discussão ocorreu de forma híbrida, organizada pela Storia Eventos, com participação presencial de debatedores no palco do teatro Dante Barone e a manifestação de painelistas por videoconferência.

Um dos palestrantes foi o professor de Políticas Públicas da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Portela, que coordenou o estudo chamado “Pandemia da Covid-19 – O que sabemos da interrupção das aulas sobre os resultados educacionais”. Sua palestra teve o foco no aprendizado, habilidades cognitivas, e a educação básica.

Ele ressaltou que a educação formal é um dos principais processos para a formação do capital humano das pessoas, que envolve um conjunto de conhecimentos, habilidades cognitivas, habilidades sócio emocionais e de saúde. “O maior capital humano está associado a uma maior possibilidade de realização de uma vida mais plena quando adulta.”

Segundo ele, perder proficiência agora com a pandemia, se não mitigar, vai afetar os alunos para sempre. “A situação da pandemia, quando todos alunos perdem aula por muito tempo de forma inesperada, é raro. No Brasil a interrupção entre duas e três semanas por causa do H1N1 em 13 municípios de São Paulo, em 2009, foi estimada a redução média na proficiência em matemática, de alunos do 5º ano, de 4,5 pontos na escala do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).”

Inicialmente, conforme Portela, foram feitas algumas simulações sobre as perdas para o Brasil.  “Um exercício muito parecido que o Banco Mundial fez para o mundo. O aprendizado presencial não se realizou, mas as perdas podem ser mitigadas com aulas em casa, com educação remota.”

O grupo criou um indicador para mitigar essa perda de aprendizado a partir de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, a Pnad-Covid, de agosto de 2020, do IBGE, que perguntou se as crianças estavam matriculadas, se tinham aulas em casa, e a média de horas dedicada ao ensino.

Para o Fundamental 2, entre o 5º e 9º ano, 80% declararam que realizam aulas em casa e 20% estavam sem aula. O ensino médio também ficou em torno de 80%. Metade dos pesquisados dedicam de duas a cinco horas ao ensino remoto por dia.

Três cenários foram criados: otimista, intermediário e pessimista. No cenário intermediário de mitigação, o Pará, Tocantins e Amapá são os piores, próximos dos 30%. Maranhão, Amazonas, Acre, Sergipe, Bahia, Roraima, Rio Grande do Norte e Alagoas, próximos de 40%, enquanto Rio de Janeiro em torno de 50% de mitigação.   O Rio Grande do Sul está perto dos 60%.

O que se aprenderia em matemática, no Ensino Fundamental 2, cerca de 10 pontos, no cenário intermediário, seria um aprendizado de 6 pontos. No cenário pessimista o aprendizado não realizado será de 9,5 em língua portuguesa e 7,9 pontos em matemática.

No Ensino Médio as perdas são semelhantes. No cenário intermediário, os alunos deixaram de aprender 33% do que aprenderiam num ano típico e 72% no cenário pessimista.

De 2015 a 2019, o aprendizado vinha melhorando de geração a geração. Cada geração que chegava ao 9º ano sabia mais do que a anterior, enfatizando sempre matemática, que depende muito mais do ensino da escola do que da família. Se mantivesse esse ritmo de melhoria, em 2020 continuaria crescendo. Com a pandemia houve um retrocesso para 2017.

As formas de mitigar, conforme Portela, seria melhorar o ensino remoto, combinar ensino presencial e remoto, resguardando a segurança sanitária das escolas. Também realizar uma avaliação amostral para diagnóstico em cada estado porque será preciso não só mitigar, mas recuperações que vão exigir anos.

Para Portela. são perdas significativas, pois educação é um processo cumulativo. “Não só recuperar o que se perdeu, mas o que esqueceu também. Quando o aluno não aprende, não consolida os conteúdos anteriores. Será um esforço tremendo das escolas em desenvolver todo esse planejamento. Planejar e refazer a estrutura curricular dos próximos anos para recuperar as perdas; ênfase na inclusão, enfrentando a desigualdade de acesso e especial atenção a dois grupos de alunos que são mais afetados. Os dos anos iniciais (alfabetização) e nos anos finais (transição escola-trabalho).”

A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, Cláudia Costin, salientou que 85% dos municípios brasileiros deram alguma resposta educacional no início da pandemia sem apoio do MEC. “O Ministério da Educação foi completamente ausente na coordenação da resposta educacional a Covid-19 e uma boa parte do tempo preferiu fazer uma guerra com as universidades.”

Ao contrário, os municípios organizados pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretarias estaduais de Educação, com o protagonismo do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), se juntaram para enfrentar o fechamento das escolas.

Combinaram diferentes mídias, usaram plataformas online para quem podia ter acesso. A televisão foi muito usada no aprendizado em casa, rádio especialmente no Norte e Nordeste e roteiros de estudos impressos e enviados para a casa dos alunos com orientações para os pais, além de avaliações em papel e nas plataformas.

Cláudia acredita que o País precisa impulsionar um processo de melhoria contínua de aprendizado, estabelecendo resultados claros a serem alcançados por todos, sem excluir ninguém. Ela defendeu mudança curricular, monitoramento sistemático de dados, sistema de recuperação de aprendizagem e trabalho colaborativo dentro e entre as escolas.

A secretária de Educação do Estado, Raquel Teixeira, enfatizou que o Rio Grande do Sul tem uma tradição de Educação, com aproximadamente 10 mil escolas, 73% públicas. Uma estrutura complexa pela diversidade e desigualdade. O Estado ofereceu às escolas o Google Sala de Aula, um serviço gratuito para escolas que facilita a interação entre os alunos e os professores, dentro e fora da escola. A Assembleia Legislativa repassou R$ 5,5 milhões ao Estado para que os professores da rede estadual e os alunos das escolas públicas tivessem acesso à Internet.

Em junho de 2020, havia 791.938 alunos em aula remota no Rio Grande do Sul. Desse número, 86% estavam ativos. “Em 2021, o número caiu para 744 mil, o que sinaliza um cenário de evasão preocupante. Ainda não temos um estudo de perdas e impactos”, lamentou a Secretária.

Ela revelou que, em 2020, 83% das aulas remotas foram através do WhatsApp. “Não precisa entender de educação para saber que isso é insustentável. O ensino remoto que usamos foi precário, frágil e mostrou que as redes não estavam preparadas. Agora, vamos começar um diagnóstico com fins pedagógicos em todos os níveis de ensino. Os mais prejudicados foram aqueles de nível socioeconômico mais vulnerável por dificuldade de acesso à Internet, equipamentos e condições domésticas.”

O vice-presidente do CPERS, Edson Garcia, falou sobre a valorização dos professores. Ele lembrou que desde 2015, os professores estão sem reajuste ou reposição salarial. E questionou: “Como os trabalhadores da educação poderão comprar telefones celulares que rodem aplicativos e computadores para que eles possam trabalhar?”

Também participaram do evento o presidente do Sinepe/RS, Bruno Eizerik, o vice-presidente da Associação do Ministério Público, Fernando Andrade Alves, presidente do Banrisul, Cláudio Coutinho; e representante da Defensoria Pública, Regina Borges de Medeiros.