Exército deu o cotovelo a Bolsonaro

Na chegada ao Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, o presidente Jair Bolsonaro estendeu a mão para cumprimentar o general Edson Pujol, comandante do Exército, e recebeu de volta o cotovelo, gesto recomendado devido a pandemia. Bolsonaro ficou desconcertado e foi em direção ao general Antônio Miotto, que deixava o posto de Comandante Militar do Sul, também com a mão estendida e recebeu novamente o cotovelo. Nesta quinta-feira, 30, Miotto passou o comando para o general do Exército Valério Strumpf Trindade.

O gesto dos chefes militares foi claro e não precisa de análise: o Exército está do lado da ciência, da Constituição. No entanto, não dá, de uma forma simplista, misturar os movimentos do Exército com a ala militar do governo.

Atualmente, os militares controlam oito dos 22 ministérios do governo de Jair Bolsonaro (36,36%). O Presidente trabalha no Palácio do Planalto cercado por militares.  Tem o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, que chamou o Congresso de “chantagista”. Em tempos de pandemia, anda quieto.

Já o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi ministro-chefe da Secretaria de Governo, deixou o cargo em junho do ano passado, após se envolver em uma crise com o filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Santos Cruz se tornou, então, crítico do governo.

Em fevereiro passado, o general Walter Braga Netto, que era o chefe do Estado-Maior do Exército, ex-interventor do Rio de Janeiro, assume a Casa Civil no lugar de Onyx Lorenzoni. Passa a coordenar o andamento das ações dos demais ministérios. Nas coletivas senta no meio da mesa. Na imprensa, definido quase como um interventor no governo.

Então no dia 22 de abril, uma quarta-feira, Braga Netto, para reforçar a tese, anuncia à imprensa, sem a presença do ministro da Economia Paulo Guedes, o Pró-Brasil para gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país em resposta aos impactos trazidos pela pandemia do novo coronavírus.

O programa reuniria ações de todos os ministérios sob a coordenação da Casa Civil. Keynes na veia, deixando Milton Friedman para trás, fortalecendo a necessidade da mediação econômica do Estado para garantir o bem-estar da população. Portanto, totalmente contrário ao liberalismo radical do ministro Paulo Guedes. A reação contrária dos empresários, Rede Globo, e do mercado financeiro foi imediata, inclusive com boatos de saída de Guedes. Para Bolsonaro, um risco incalculável.

Na quarta-feira, 29, numa coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, com Paulo Guedes e Braga Netto lado a lado, foi esclarecido o “mal-entendido” relacionado ao programa Pró-Brasil. Braga Netto disse que “em nenhum momento se pensou em sair do trilho programado pela Economia”. “Somos um time”, completou Guedes.

O Ministro da Economia afirmou que o caminho para a retomada não é através de obras públicas. A  saída seria através de marcos regulatórios do saneamento e do petróleo.

Em relação ao saneamento, existe projeto no Senado, por iniciativa do governo, de regulação dos serviços de saneamento na esfera federal, instituir a obrigatoriedade de licitação. O modelo proposto abre caminho para o envolvimento de empresas privadas no setor.

Guedes sugeriu a saída do regime de partilha no petróleo. Também existe projeto no Senado que pretende eliminar da legislação brasileira o modelo de partilha de produção, que rege toda a atividade extrativista no pré-sal. E acrescentou:  “Vamos para o marco do setor elétrico, são mais R$ 100 bilhões por ano de investimentos.”

Dá a impressão que para Guedes e elite brasileira o mundo não mudou, mesmo com milhares de mortes por covid-19, quebradeira geral, preço do petróleo no chão, e desemprego avassalador.

Apesar dos desmentidos, o Pró-Brasil sinalizou que a ala militar ainda acredita na participação do Estado para sair da crise, como nos tempos do general Geisel. Aliás, crença compartilhada por governos de todo o mundo.