Liquidação do Ceitec é contestada na Câmara dos Deputados

A liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) foi discutida em audiência na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados nesta semana (14/7). O Ceitec é a única empresa da América Latina capaz de desenvolver, projetar e fabricar semicondutores em larga escala.

Localizada em Porto Alegre, a empresa pública foi criada em 2008, no segundo governo Lula, para atuar no estratégico segmento de semicondutores, no qual o Brasil é altamente dependente. Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), recebeu aportes de R$ 800 milhões em duas décadas e começou a apresentar resultados.

 Em junho de 2021, o presidente Jair Bolsonaro determinou a extinção do Ceitec. A recomendação pela extinção foi formalizada pelo conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), sob a alegação de que, apesar dos aportes, a estatal ainda depende de injeções anuais do Tesouro.

Enquanto isso, o governo indiano – parceiro do Brasil no Brics- anunciou um programa de incentivo de US$ 10 bilhões para desenvolver um ecossistema de semicondutores no país. A China – também integrante do Brics – destacou os semicondutores como uma prioridade na iniciativa “China Manufacturing 2025”, lá em 2015.

Sob o comando do presidente da República Popular da China, Xi Jinping, os fundos apoiados pelo governo planejam investir em novas instalações e despejar dinheiro em materiais e equipamentos de fabricação para reforçar a cadeia de suprimentos.

A gigante taiwanesa dos chips Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e a sul-coreana Samsung — ambas um passo à frente da Intel na fabricação de chips avançados — estão entre os que fazem fila para receber recursos dos EUA. A TSMC, maior fabricante de chips do mundo, divulgou esta semana lucro líquido de US$7,95 bilhões no segundo trimestre de 2022, uma alta de 76% na comparação com o mesmo período do ano anterior.

A escassez de semicondutores tem levado a sucessivas perdas de produção no setor automobilístico. No primeiro semestre de 2022, 170 mil veículos deixaram de ser fabricados no país, com 357 dias de paralisações em 20 fábricas, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). É o maior entrave para o setor.

O mercado de semicondutores sofre uma crise global de abastecimento desde o início da pandemia da Covid-19. O problema é grave e só será resolvido no médio prazo, conforme a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).

Hoje, o Ceitec está em processo de liquidação. No entanto, a liquidação está parada desde setembro de 2021, por decisão cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU). Ainda assim, o Ministério da Ciência e Tecnologia realizou um processo para selecionar uma organização social para se responsabilizar por parte da fábrica de chip.

O Ceitec tem 36 patentes de invenção, 11 registros de desenho industrial, oito projetos de microeletrônica e processos em desenvolvimento, que seriam transferidos para a organização social.

Na opinião do presidente da Associação dos Colaboradores do Ceitec, Silvio Luís Santos Júnior, a liquidação da empresa foi decidida sem que o governo compreendesse que aquela infraestrutura é a única em funcionamento na América Latina. Entre os produtos feitos ali, estão sondas intracranianas e o teste PCR da Covid-19.

Outras pesquisas tiveram que ser paralisadas. “Em nenhum momento eu vi algum relatório que tratasse desses modelos e processos que estão lá dentro. A gente consegue fazer processos reprodutivos. Nos laboratórios de pesquisa conseguimos fazer um e não repetir. No Ceitec a gente consegue repetir. O grosso do investimento já está pronto”, disse Santos Júnior. “Liquidar, desmobilizar a fábrica, é um erro.” A proposta da associação é remover o Ceitec do Programa Nacional de Desestatização.

Segundo o ex-secretário estadual de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Adão Villaverde, é preciso pensar na retomada, não na liquidação. “O estrago que já foi feito é reversível e concluir a liquidação do Ceitec significa tirar o Brasil do seleto grupo de produção de semicondutores do ponto de vista mundial. É um equívoco.”

Já foram mais de 162 milhões de produtos na área de microeletrônicos que já foram entregues pelo Ceitec,  que faz entregas, não é um projeto despregado da realidade e das necessidades do mundo real lá fora, acrescentou Villaverde.

O deputado Merlong Solano (PT-PI), que presidiu a audiência, lembrou que os Estados Unidos anunciaram mais de US$ 50 bilhões em subsídios para reduzir a dependência da Ásia, que supre 80% da demanda global por semicondutores de silício.

Solano sugeriu que a Comissão de Ciência e Tecnologia cobre do TCU uma decisão em relação ao assunto. O TCU foi convidado para participar da audiência, mas não enviou representante porque o processo ainda não foi analisado.

O estranho é que as entidades empresariais, principalmente a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), e o governo gaúcho, permaneçam num silêncio sepulcral. Pelo jeito, aprovam a ideia de o Rio Grande tornar-se definitivamente um imenso campo de soja.    

Com a Agência Câmara de Notícias