Paulo Guedes tirou a máscara

“O homem que decide economia no Brasil é um só, chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o Norte, nos dá recomendações e o que nós realmente devemos seguir”. Esse foi o recado do presidente Jair Bolsonaro para acalmar o mercado financeiro na manhã da segunda-feira, 27. Ele estava ao lado do Ministro da Economia e dos ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Tereza Cristina (Agricultura), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O núcleo importante da ala militar do governo não estava presente. Somente Wagner Rosário, capitão do Exército com formação na Academia Militar das Agulhas Negras, mais conhecido por seu perfil técnico.  No entanto, os movimentos da ala militar ainda não são claros.

Desta vez, Paulo Guedes calçou sapatos, vestiu terno, gravata e tirou a máscara, ao contrário de sua performance na sexta-feira passada, 24, quando parecia estar totalmente desconectado do restante da bancada em torno de Bolsonaro.

Logo após a fala de Bolsonaro, na segunda-feira, Guedes arrematou: “Queremos reafirmar a todos que acreditam na política econômica que ela segue, é a mesma política econômica, vamos prosseguir com as reformas estruturantes.” Também foi dito que o governo vai lançar novos editais de concessões de portos, e outros de concessões de rodovias e ferrovias já estão em análise pelo Tribunal de Contas da União.

Na sexta-feira, circulava na mídia a possibilidade de Guedes ser o próximo ministro a ser defenestrado. Como sempre faz quando se sente ameaçado, o mercado financeiro derrubava a bolsa e desvalorizava ainda mais o real. A grande mídia, com a Globo na frente, alardeava que abandonar o projeto liberal de Guedes seria um desastre.

Paulo Guedes (2)
Paulo Guedes

A razão disso tudo foi o anúncio, na semana passada, feito pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, sem a presença de Paulo Guedes, de um esboço do programa Pró-Brasil, um conjunto de ações de investimentos para gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país, em resposta aos impactos trazidos pela pandemia do novo coronavírus. O programa prevê inicialmente aportes de recursos públicos de R$ 30 bilhões até 2022 e a criação de um milhão de empregos no período.

Portanto, o que está em discussão é um estado mais social proposto pela ala militar do governo ou o projeto liberal de Guedes apoiado pela Globo, entidades empresariais e o setor financeiro. O cenário continua incerto.

O orçamento federal previsto para investimentos em 2020 era de R$ 22,4 bilhões, apenas 0,3% do PIB, o menor desde 2004. Agora, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o déficit primário do Brasil deve ficar em torno de R$ 300 bilhões neste ano, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), em razão do novo coronavírus (Covid-19).

E não se fala mais nisso, conforme Guedes, que reforçou o empenho pelas reformas estruturais e garantiu que não derruba a Emenda Constitucional 95/2016, que estabelece o teto de gastos públicos. Entre 2018 e 2020, a estimativa de perda é de pelo menos R$ 22 bilhões do Sistema Único de Saúde, que atende a 75% da população.

Enquanto isso, a auditora fiscal aposentada, Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, lembra que o governo dispõe de mais de R$ 1 trilhão no caixa único do Tesouro, reservados apenas para o pagamento de uma questionável dívida que nunca foi integralmente auditada.

Um projeto de lei do senador Humberto Costa (PT-PE) autoriza a União a aplicar R$ 1,3 trilhão no combate ao coronavírus. De acordo com o PL 875/2020, o Poder Executivo pode usar o superávit financeiro registrado no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2019 nas ações de enfrentamento à covid-19.

Previsão de retrocesso profundo

As economias mundiais estão vendo um retrocesso que vai ser, no mínimo, tão grande quanto a crise financeira mundial de 2008, mas que, muito provavelmente, vai ser muito maior e mais profundo. Ao contrário da política liberal do Governo Bolsonaro, os países estão se valendo tanto de políticas fiscais – aquelas que os governos definem por meio de seus orçamentos – quanto monetárias – praticada pelos bancos centrais.

O jornal britânico Financial Times informou que os bancos centrais estão reduzindo as taxas de juros para facilitar a vida dos captadores de empréstimos. Aqui, apesar da queda da taxa básica de juros, boa parte dos pequenos e microempresários não conseguem sensibilizar os bancos.

Outra ação, conforme o Financial Times, é colocar rios de dinheiro nos mercados financeiros para incentivar os bancos a continuarem dando empréstimos na economia real. Guedes também fez isso, mas no Brasil os bancos guardaram boa parte desse dinheiro nos cofres.

Em relação as políticas fiscais, governos no mundo vêm usando seus orçamentos de forma vigorosa e se valendo de quantias inéditas para amortecer os choques. A maioria dos países da Europa vem se comprometendo a subsidiar os salários das pessoas que estão sendo demitidas. A intenção é reduzir o impacto da pandemia em termos de destruição de empregos e empresas.

O presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo, disse que nenhum cidadão francês ficará sem recursos. No Brasil, a população enfrenta todo o tipo de dificuldades para retirar míseros R$ 600.