Quem paga a conta da dívida pública da União

Os números do Banco Central mostram que o país está pendurado no curto prazo com a dívida pública federal. Quase metade dos R$ 5,280 trilhões da dívida líquida interna (R$ 2,260 trilhões) vencem em até 12 meses. Em 2021, os vencimentos a cada trimestre alcançarão cerca de R$ 300 bilhões. Para rolar esses débitos, o Tesouro Nacional poderá ter de encurtar ainda mais o prazo dos títulos que vende no mercado. Desde o início do governo Jair Bolsonaro, o prazo médio dos títulos emitidos pelo Tesouro caiu a menos da metade, de cinco anos para 2,1 anos.

Pelas estimativas do mercado, o déficit primário – que é o resultado negativo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros -, de 2020 ficou em torno de R$ 900 bilhões. O problema é que a previsão de gastos com Serviço da Dívida Pública em 2020, aprovada pelo Congresso Nacional, a pedido do governo Bolsonaro, na Lei Orçamentária Anual (LOA/2020) é de R$ 1,603 trilhão.

Um dos motivos do aumento da dívida pública são as chamadas operações compromissadas — que envolvem títulos do Tesouro indexados à taxa básica de juros (Selic) em transações com instituições financeiras com prazos curtíssimos — que hoje respondem por quase 25% da dívida pública.

As operações compromissadas, em outras palavras, significam remuneração da sobra de caixa dos bancos. O gasto com tais operações, que correspondem à remuneração de um depósito voluntário feito por bancos junto ao BC, custou cerca de R$ 1 trilhão de reais em 10 anos (2009 a 2018), conforme números do Banco Central. Essa operação é incluída no cômputo da dívida pública. Quanto mais dessas operações o BC realiza, mais a dívida pública é afetada.

A dívida bruta do governo tem dois grandes componentes: Dívida mobiliária do Tesouro Nacional, que são os títulos emitidos pelo Tesouro e as Operações Compromissadas do Banco Central.

Quem paga essa conta para garantir os ganhos do sistema financeiro? A Emenda Constitucional 95, de dezembro de 2016, que passou a vigorar em 2017, congela os gastos públicos de saúde e educação em termos reais por 20 anos. O limite de gastos ligado à inflação foi criado para ajudar a controlar a dívida pública federal.

Tem, ainda, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado.

Criada em 1994 com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE), essa desvinculação foi instituída para estabilizar a economia logo após o Plano Real. No ano 2000, o nome foi trocado para Desvinculação de Receitas da União.

De acordo com levantamento dos consultores de Orçamento e Fiscalização Financeira do Congresso Nacional, desde 2008 até 2016 a DRU reduziu as contas da Seguridade Social em mais de R$ 500 bilhões. Um dos motivos do déficit da Previdência Social.

Na prática, a DRU permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário, mas principalmente para o pagamento de juros da dívida pública.

Prorrogada diversas vezes, em 2015 o governo federal enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, estendendo novamente o instrumento até 2023. A partir de 2016, a DRU passou para o novo patamar de 30%,

Um dos pais da DRU, o especialista em finanças públicas Raul Velloso disse ao jornal Valor Econômico que originalmente a desvinculação tinha o objetivo de gerar superávits primários que garantissem a capacidade da União de arcar com o serviço da dívida. “Não tinha nada a ver com a federação, com a questão do pacto federativo”, recorda. “Na hora de fazer a renovação [da DRU], tiraram essa parte que era dos Estados.”

Os municípios foram indiretamente afetados na medida em que recebem 25% dos repasses da Cide-combustíveis (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e comercialização de petróleo, gás natural e álcool, e seus derivados) destinados aos Estados. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que entre 2004 e 2015 – quando vigorava a DRU de 20% – deixaram de entrar nos cofres de Estados, Distrito Federal e municípios R$ 3,67 bilhões em recursos da Cide. Em 2016, com a DRU já em 30%, a perda calculada pela CNM foi de R$ 539,88 milhões.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2020, julgou inconstitucional norma que determinava a dedução da parcela referente à DRU do montante a ser repartido com estados e Distrito Federal pela arrecadação da Cide-combustíveis. A decisão, por maioria de votos, foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5628.

O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, observou que a DRU não alcança a repartição federativa de receitas fiscais entre a União e os demais entes subnacionais. Ele explicou que o percentual da DRU previsto no artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) deveria ser calculado após as transferências obrigatórias do produto de arrecadação da Cide-combustíveis, preservado o montante do repasse aos estados. “Em razão do artigo 1º-A da lei impugnada, 30% do montante correspondente ao que deveria ser repassado aos estados (29% da arrecadação da Cide), permanecem indevidamente com a União”, afirmou em seu voto.