Senado aprova autonomia formal do Banco Central

O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (3/11) o substitutivo do senador Telmário Mota (Pros-RR) ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, do senador Plínio Valério (PSDB/AM), que estabelece mandatos estáveis e requisitos para nomeação e demissão do presidente e dos diretores do Banco Central. Foram 56 votos a favor e 12 contrários. O projeto segue agora para análise da Câmara dos Deputados e pode voltar ao Senado caso os deputados façam alterações no texto.

A presidência do Banco Central, hoje ocupada pelo economista Roberto Campos Neto, e os outros oito integrantes da diretoria colegiada são indicados pelo presidente da República e passam por sabatina e aprovação no Senado Federal. Mas o Executivo pode demiti-los quando quiser, sem precisar de justificativas. Esse é o principal ponto a ser alterado pelo PLP 19/2019 – Complementar. Ao estabelecer um mandato fixo para os diretores, o BC ganha autonomia formal em relação ao governo federal. Entre as alterações do substitutivo aprovado, há a determinação de que o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleça as metas para a política monetária, cabendo ao Banco Central o cumprimento dessas metas.

Os mandatos da diretoria serão de quatro anos, com uma recondução permitida, e a dispensa de um diretor antes do fim do período só seria possível em casos de condenação judicial ou desempenho insuficiente. Nessa última hipótese, o Senado precisaria concordar com a decisão.

O texto diz que o presidente e os diretores deverão ser nomeados em 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República em exercício. Portanto, no governo de Jair Bolsonaro, seria no início de 2021. O senador Plínio Valério e o relator, Telmário Mota (Pros-RR), inseriram uma emenda que prevê que, como já estão nos cargos, Roberto Campos Neto e seus diretores não precisarão passar por todo o processo de indicação novamente, sendo apenas nomeados. No caso de Campos, seu mandato será fixado até 31 de dezembro de 2024.

O texto do PLP admite a recondução para o presidente e para os diretores do Banco Central do Brasil “que houverem sido nomeados na forma prevista neste artigo”. Assim, Campos, se reeleito, poderá conduzir o BC por mais quatro anos, até 31 de dezembro de 2028, totalizando 9 anos e 10 meses. Ele seria o presidente do BC a exercer o cargo por mais tempo desde que a instituição foi criada, em 1965.

Também consta que o BC passará a ser uma “autarquia de natureza especial”, não se subordinando a nenhum ministério. Pelo substitutivo, o BC estará no mesmo nível dos ministérios, devendo atender às normas que disciplinam todos os sistemas da Administração Federal. O substitutivo aprovado atualiza as competências privativas do BC, previstas na Lei 4.595. de 1964,  permitindo que o BC aprove seu próprio regimento interno e efetue , como instrumento de política cambial, operações de compra e venda de moeda estrangeira e operações com instrumentos derivativos no mercado interno.

Para o economista Bruno Moretti, o BC não deveria atuar com autonomia em relação ao governo federal, principalmente num contexto de crise econômica, quando o governo precisa usar instrumentos monetários e fiscais combinados para estimular a retomada do crescimento e a geração de emprego e renda. Por isso, para ele, a proposta não deveria ser aprovada.

“Não concordo com a tese de que é preciso se livrar das influências políticas para que o Banco Central desempenhe adequadamente a sua função. Na verdade, esse conceito de autonomia do Banco Central é um conceito falso, ele não será um Banco Central autônomo, haverá um risco muito grande de captura da política monetária pelas pressões de mercado, e é isso que me preocupa e me faz ser contrário à autonomia, precisamente o risco que há de captura do Banco Central e da política monetária pelo mercado”, disse em entrevista à Agência Senado.

Moretti explicou que o Bacen operando em harmonia com o Tesouro Nacional é fundamental para não ceder a pressões do mercado, e a autonomia em relação ao governo eleito, seja ele qual for, pode causar dificuldades de coordenação dos esforços de política econômica e fiscal para promover o crescimento econômico.

O economista acrescentou que não adianta comparar o Brasil com outros países desenvolvidos com bancos centrais autônomos (Japão e Estados Unidos, além da União Europeia), já que o momento em que isso foi feito por lá é totalmente distinto do que os brasileiros vivem agora, de crise.

“O momento atual é dos BCs passarem a usar instrumentos de política econômica não convencionais. Ou seja, as taxas de juros já estão muito baixas, você precisa atuar com outras políticas para estimular a retomada da economia, com o lado monetário. São as chamadas políticas de afrouxamento monetário. O momento do mundo é de integrar os BCs ao esforço de reconstrução da economia, não de fazer um BC autônomo e com mandato único”, completou.

Propostas que dão autonomia ao Banco Central para executar a política monetária (determinar a quantidade de moeda em circulação, a oferta de crédito e as taxas de juros na economia brasileira para controlar a inflação) estão em discussão no Congresso Nacional desde a década de 1990 e nunca se chegou a um consenso para aprová-las.