“Ataques que excedam a crítica legítima não podem ser tolerados”, diz juiz ameaçado

Juiz Eugênio Terra foi ameaçado por decisão liminar sobre cogestão. Foto: Divulgação Ajuris

O juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, foi atacado nas redes sociais, inclusive com exposição de
dados de sua vida pessoal, após conceder a liminar que suspendeu o retorno à gestão compartilhada (cogestão) no Sistema de Distanciamento Controlado, do governo estadual.

A medida foi, depois, revertida pelo Tribunal de Justiça do Estado.

As ofensas foram tão violentas que o Tribunal de Justiça adotou medidas de segurança para proteger o juiz e sua família.

O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo criticou a
decisão em sua conta no twitter, dando margem a comentários agressivos.

“A democracia é o império da lei, mas quando um juiz interfere em decisões que são de competência exclusiva do poder executivo,
está tudo errado“, escreveu o prefeito.

Um dos 48 comentários chama o juiz de “defensor do PSOL, que tem por fim quebrar o comércio, a indústria e dominar pela fome e a violência”.

O magistrado diz que o risco para os familiares é inaceitável.

Os ataques nas redes, certamente, quando criminosos ou que tenham superado o limite da crítica legítima,  não podem ser tolerados e terão a apuração de   responsabilidades“, assegura.

“Claro que há um sofrimento pessoal, mas o mais importante é defender a democracia”, afirmou.

“A tentativa de atacar a independência judicial, um dos pilares do
estado democrático de direito, não pode ser tolerada. Hoje fui eu, antes outros magistrados“, lamenta.

Em artigo publicado na página da Ajuris, dia 8 deste mês,  sob o título “O sistema de saúde pede socorro“, Eugênio Terra, advertiu que “se avolumam ações judiciais na busca por leitos em todo o Estado, mas decisões judiciais não criam vagas em hospital”.

“É falso o dilema entre preservar a saúde ou a atividade econômica. A retomada da economia precisa de pessoas vivas e sadias. O sistema de
cogestão,  que permite aplicar critérios de bandeira vermelha quando o regime geral é da bandeira preta, é prejudicial para salvar vidas e manter o sistema de saúde funcionando de modo próximo ao razoável. Priorizar o interesse econômico, mantendo todas as atividades funcionando, mata mais e acelera a degradação do atendimento à saúde”.

Entidades repudiam ataques

A Associação Juízes para a Democracia, a Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul (AJURIS) e o Tribunal de Contas do Estado do RS emitiram notas de repúdio à indevida exposição pessoal do magistrado e a disseminação do discurso de ódio.

“Ataques criminosos, covardes e de caráter claramente políticos, ideológicos e não-científicos, desconectados de uma racionalidade democrática via redes sociais serão tratados com o devido rigor
pelas respectivas autoridades competentes e nos devidos termos da Constituição e das leis do país“, apontou a AJD.

“Deve ser repudiado o que ultrapassa os limites das discussões sobre a decisão em si, expondo o próprio magistrado, num ataque à sua vida pessoal, inclusive com ameaças e declarações repulsivas de
caráter injurioso ou de concitação à violência, registrou o presidente da a Ajuris“,  Orlando Faccini Neto.

“Ao manifestar nossa solidariedade, repudiamos as agressões em curso, caudatárias de um intolerável discurso de ódio que infesta o país e que tem como objetivo submeter a todos, rasgando definitivamente
a Constituição da República. O Brasil e o Rio Grande do Sul vivem um momento gravíssimo, cujo enfrentamento exige união, solidariedade e respeito às instituições e aos valores humanos“, assinalou o presidente do TCE-RS, conselheiro Estilac Xavier.

A decisão

A decisão proferida na noite da sexta-feira (19/3) atendeu pedido do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre e mais oito entidades que ajuizaram ação civil pública contra o Estado do RS.

No domingo, o desembargador Marco Aurélio Heinz, suspendeu os efeitos da decisão de 1º grau, que havia vedado o retorno ao sistema de cogestão
adotado no RS, até o julgamento definitivo do recurso junto a 22ª Câmara Cível do TJRS, que trata de questões relacionadas ao Direito Público.

Conforme o Juiz Eugênio Couto Terra, é “pública e notória” a situação de caos nas redes pública e privada de saúde do Estado e que, no momento, ao menos 239 pessoas aguardam por leito de UTI apenas em Porto Alegre, que se encontra com 114,12% de lotação dos seus leitos de UTI.

Na decisão, o Juiz destaca que “inúmeros municípios, onde os prefeitos querem privilegiar a economia em detrimento das medidas sanitárias
preventivas, há grande tolerância com o descumprimento dos protocolos mínimos de prevenção”.

“Negar esta realidade, é fazer de conta que tal não acontece. O momento, como dizem todas as autoridades médicas ,gestores hospitalares,
infectologistas, sanitaristas e cientistas que estudam e trabalham com a pandemia, exige total foco no combate à disseminação viral. Só assim haverá a diminuição da contaminação e a cessação das mutações do vírus, circunstância que só agrava o quadro de adoecimento da população. Além de ser a única forma de dar alguma condição do sistema de saúde ganhar um fôlego para atender o número de doentes graves que só aumenta”, afirma Eugênio.

Para o magistrado, a manutenção das restrições severas de circulação, é o único meio de obter-se uma melhora sanitária de caráter mais geral.

“É falso o dilema de que fazer a economia ter uma retomada é o melhor caminho. As pessoas só conseguem sobreviver com um mínimo de dignidade se estiverem em condições de trabalhar. Na verdade, a existência de segurança sanitária é que permitirá que os cidadãos
refaçam suas vidas, inclusive econômica. Desta forma, até que venham as informações preliminares a serem prestadas pelo ERGS, quando poderá
apresentar elementos que justifiquem a diminuição das restrições de circulação, há que se privilegiar a realidade escancarada de colapso do sistema de saúde, do aumento exponencial do número de morte
e de pessoas contaminadas”,  ressaltou o juiz.

 

Deixe uma resposta