Com metade do quadro funcional, DMAE está à beira do colapso

O rompimento de uma adutora deixou mais de 30 bairros da Zona Leste de Porto Alegre sem água na sexta-feira, 22.
Foi apenas mais um dos incidentes que tem colocado o Departamento Municipal de   Águas e Esgotos de Porto Alegre nas manchetes desde o final do ano passado.
Num dos bairros mais populosos da capital, a Lomba do Pinheiro, os moradores desde o início do ano realizam passeatas protestando contra a falta d´agua que atinge quase 100 mil pessoas na região.
Segundo os termos de uma  Inspeção Especial promovida pelo Tribunal de Contas do Estado, há um claro processo de precarização dos serviços da autarquia municipal.
Dados colhidos pelo Tribunal no Portal da Transparência da Prefeitura  apontam que, dos 3.634 cargos existentes no DMAE, 2056 estão vagos.
Significa que há uma defasagem de 56% no quadro funcional, “situação que gera risco na continuidade e na qualidade dos serviços prestados pelo DMAE”, conforme a cautelar do ministro Pedro Henrique Figueiredo, do Tribunal de Contas do Estado (TCE) com data de 31 de janeiro.
A cautelar atende a uma representação do procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino, e cobra providências do prefeito Marchezan, alertando para “os graves riscos à saúde pública decorrentes deficiência dos serviços do DMAE”.
“Há grave deficiência no quadro de pessoal, situação que gera risco para a prestação de serviço de captação, tratamento e distribuição de água como coleta de água e esgoto sanitário. Medidas emergenciais são imperiosas”, diz o documento do Tribunal.
Uma das causas do problema da deficiência de pessoal, segundo a inspeção resulta da interferência do Poder Executivo na autonomia financeira e administrativa do DMAE, que está numa “situação de submissão”.
Segundo a avaliação do Tribunal o prefeito está editando atos normativos que ferem a lei que criou o DMAE como autarquia municipal, com autonomia administrativa e financeira.
Dois decretos de Marchezan são citados: um que veda a admissão ou contratação de pessoal efetivo, outro que institui o Comitê de Gestão Orçamentária vinculado ao gabinete do prefeito,  que “tem ultrapassado a função de orientação estabelecendo cortes em horas extras, suspensão das substituições de FGs e cargos em comissão, vetando a concessão de reajuste anual, entre outras”.
“Os decretos municipais referidos impedem que a autarquia execute seu orçamento e reponha seu quadro de pessoal”.
O elevado número e horas extras para manter regularidade do serviço “acarrreta aumento de riscos de acidentes operacionais e de trabalho”.
Segundo o Tribunal, “o DMAE possui plena capacidade de custeio e manutenção dos servidores solicitados”. A “manutenção do risco de desatendimento de serviços é injustificado segundo esse aspecto”.
É destacado, o pedido de concurso para Técnico de Tratamento de Água e Esgotos, que tornou-se uma questão emergencial “uma vez que há risco de não se conseguir mais operar as estações de tratamento de água e de esgoto por absoluta indisponibilidade de servidores com essa atribuição”.
Na representação do Procurador Geral, que resultou na cautelar emitida pelo ministro Figueiredo, é citada a correspondência eletrônica ao procurador municipal, na qual o Diretor Geral do DMAE afirma que “o cenário indica que estamos em um limite perigosíssimo de termos descontinuidade da prestação desses serviços” ( refere-se ao tratamento da água e do esgoto).
“As consequências de quaisquer descontinuidade desses serviços serão inúmeras e graves, com a falta de atendimento à população e inclusive a incriminação e criminalização dos profissionais servidores perante seus conselhos”, diz o email, de 2017..
A representação do Procurador Geral cita também um email do diretor de Tratamento e Meio Ambiente ao diretor geral, apontando que “em face de um cenário de incerteza de alteração da legislação previdenciária muitos servidores se aposentaram aumentando o déficit na área operacional”.
“Para evitar situações de colapso, adotaram-se medidas aumento de horas extras, fechamento de laboratórios, conversão de férias, mas executivo proibiu a venda de férias”, diz o diretor. Ele indaga: “Como justificar possíveis falhas nos padrões da água para consumo humano e no tratamento de esgoto em decorrência da falta de pessoas?”
Segundo o diretor, a situação tende a se agravar pois há a previsão de que cerca de 30% dos funcionários em atividade nas Estações de Tratamento de Água e de Esgotos se aposentem nos próximo dois anos.
Na cautelar, o ministro dá 30 dias para que o prefeito apresente esclarecimento sobre esses fatos arrolados na Inspeção Especial e que:
1)   O Prefeito Municipal de Porto Alegre se abstenha de praticar atos que, interferindo na autonomia da autarquia, possam afetar o adequado funcionamento do DMAE, e
2)   Que o Diretor-Geral do Departamento Municipal de Água e Esgoto – DMAE adote providências a fim de evitar riscos de comprometimento ou interrupção da prestação adequada do serviço público de água e esgoto.
O prazo para o prefeito se manifestar termina na proxima semana.(30 dias a partir de 31 de janeiro)
Reportagem de Marcelo Gonzatto, no Diário Gaúcho, revela que a crise no abastecimento das regiões Leste e Sul da capital tem origem antiga.
“Em 2011, conforme a atual direção do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), o órgão já havia realizado estudo apontando que as zonas Leste e Sul da cidade caminhavam para o desabastecimento”.
“A solução encontrada foi a construção de uma nova estação de tratamento, batizada Ponta do Arado, no sul da cidade. A estrutura deve ser capaz de gerar 2 mil litros de água por segundo — o dobro da capacidade do sistema Belém Novo”.
— O problema é que a obra nunca foi feita. Estamos buscando um financiamento para realizar esse investimento agora — afirma o diretor-geral do Dmae, Darcy Nunes dos Santos.
O custo do novo sistema é estimado em R$ 280 milhões, dos quais R$ 232 milhões, que permitiriam a construção das estruturas principais, como a estação de tratamento da água, viriam de financiamento. Obras complementares seriam custeadas com recursos próprios do DMAE.
“Santos diz que gestões anteriores deixaram de fazer a obra, entre outras razões, pela decisão de que a autarquia superavitária deveria socorrer os cofres do município”.
‘Entre 2013 e 2016 (na gestão de José Fortunati), por exemplo, teriam sido repassados R$ 262,7 milhões do Dmae para o caixa único da Prefeitura”.
Descapitalizado, o departamento não conseguiu tocar os investimentos necessários.
— Houve uma decisão de não iniciar (a obra). Decidiram postergar para um outro momento e socorrer (financeiramente) a prefeitura — relata Santos.
Procurado, o ex-prefeito José Fortunati disse ao repórter que não poderia se manifestar sobre a descapitalização do Dmae. Perguntado sobre as transferências que teriam impedido a realização de melhorias no abastecimento, declarou:
— Não lembro. Não poderia responder neste momento.
 

2 comentários em “Com metade do quadro funcional, DMAE está à beira do colapso”

  1. Tem de acrescentar no artigo que além de não haver servidores para dar conta dos serviços do DMAE, em abril terão de atender as casas de bombeamento sucateadas do DEP.

  2. E põe sucateadas nisto.
    Além de tudo, os operadores do antigo DEP não são servidores. Há muitos anos aquele departamento terceiriza o serviço de bombeamento para empresas que não têm nenhuma expertise no serviço que deve ser prestado.
    Nós, servidores que ainda restamos no DMAE, estamos trabalhando somente pra apagar o fogo. Não conseguimos mais ser proativos e antecipar ou melhorar as condições de trabalho.

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