Ceitec será liquidado em 120 dias: “É um completo descalabro”, diz cientista

O  Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), construído em Porto Alegre em 2008, será liquidado no máximo em 120 dias. A informação é do secretário do Programa de Parcerias e Investimentos, o gaúcho Wesley Cardia.

Segundo Cardia, o estudo do governo para decidir o destino da estatal durou dez meses, de agosto do ano passado até este mês de junho, quando o Conselho do PPI decidiu por unamimidade liquidar a empresa.

Concebida para ser um polo para o desenvolvimento de tecnologia de ponta no país, a fábrica de chips e semi-condutores que ocupa mais de 9 mil metros quadrados no bairro Lomba do Pinheiro foi inaugurada no governo Lula. Já absorveu quase R$ 1 bilhão de investimentos, mas ainda não funcionou plenamente, embora tenha já registrado cerca de 40 patentes.

A primeira intenção do governo era privatizá-la mas não encontrou interessados: “O governo fez consultas a dez grandes empresas do setor, ninguém se interessou. Então como o governo não pretende continuar gastando com uma empresa que não funciona, ela será liquidada”, disse Cardia, falando numa live do Jornal do Comércio.

A extinção da empresa é criticada nos meios científicos. Mesmo entre os que fazem restrição à sua condição de estatal, os pesquisadores do setor consideram que representará um enorme retrocesso para o país, que depende integralmente de importações no campo da microeletrônica.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBMicro), Nilton Itiro Morimoto, acabar com a Ceitec é um sinal de fracasso total e um retrocesso de anos.

“A extinção pura e simples é um completo descalabro. Vai matar todo esforço que a comunidade de microeletrônica brasileira fez nos últimos anos para o desenvolvimento desta indústria”, alerta.

Isso, conforme Morimoto, vai na contramão da tendência de as nações procurarem a independência em segmentos estratégicos. Europa, Japão e Estados Unidos, por exemplo, estão criando fundos de investimentos para a atração de empresas de semicondutores para lá. “Com a pandemia da covid-19, todos viram que não foi uma boa estar na mão da China, que concentra muitas coisas nesta área”, avalia.

“Com a extinção da empresa, perderemos tudo o que desenvolvemos em termos de pesquisa e de patentes científicas. Hoje temos sensores que são capazes de detectar a covid-19 e não podemos desenvolvê-los em larga escala por uma política do governo federal. Quer dizer, temos uma empresa pública capaz de fornecer um importante instrumento sanitário, mas que não é fabricado por falta de interesse público”, critica Edvaldo Muniz, do Sindicato dos Trabalhadores.

Edvaldo destaca que a Ceitec não foi criada para gerar lucro, mas para alavancar o mercado de semicondutores e fazer com que não fossem importados chips e semicondutores da Ásia. “O que ainda hoje causa um déficit de R$ 300 bilhões em nossa balança comercial. Se houvesse interesse do governo, poderíamos ser uma potência no setor”, ressalta.

Para o engenheiro, professor e ex-deputado estadual Adão Villaverde, a extinção da Ceitec “é uma punhalada na estratégia da indústria 4.0 do Brasil”. Ele foi um dos principais articuladores da criação da empresa, quando era secretário de Ciência e Tecnologia no governo Olívio Dutra.

“Tivemos uma disputa grande com São Paulo, mas a proposta gaúcha agradou mais por ser mais ampla e envolver diversos atores”.

O projeto ganhou forma em 2000, quando um protocolo de intenções foi firmado entre os governos municipal, estadual e federal, instituições de ensino superior e empresas privadas (incluindo a Motorola).

As atividades do centro de design, onde são desenhados os projetos de chips, começaram nos parques tecnológicos da UFRGS e da PUCRS, em 2005. No mesmo ano, também começou a construção do prédio.

Em 2008, o governo Lula (PT) decidiu encampar o projeto e, por meio de decreto presidencial, foi criada a Ceitec como empresa pública federal. Em 27 de março de 2009, o prédio administrativo e o Design Center da empresa foram inaugurados.

“Não dá para confundir os limites da Ceitec com o seu potencial estratégico. Nunca foi o propósito ser uma gigante global de semicondutores, e sim uma indutora da política microeletrônica do país, o que de fato aconteceu”, explica Villaverde. Em artigo publicado no Jornal do Comércio desta segunda-feira (15), ele alerta que o fim da empresa seria “a condenação e a submissão, tecnológica e inovativa, das futuras gerações”.

No governo Dilma (PT), a Ceitec esteve focada em um projeto de desenvolvimento de microchips para passaportes. Era algo inovador que serviria de referência e poderia gerar mais de R$ 25 milhões em receita, conforme levantamento da própria empresa.

A pesquisa foi abortada em 2016 por determinação do então presidente Michel Temer (MDB), que deu início ao processo de desmonte da estatal.

“A Ceitec foi sabotada por Temer e agora está para ser liquidada por Bolsonaro. Com sua extinção, não perderemos apenas um importante aporte de recursos financeiros, mas um laboratório fundamental para os pós-graduandos em engenharia das universidades federais do Rio Grande do Sul”, denuncia o secretário de Organização e Política Sindical da CUT-RS, Claudir Nespolo.

Na avaliação do governo, a estatal tem um custo fixo alto: tem quase 200 empregados, dos quais quatro são pós-doutores, 10 doutores e 46 tem mestrado, ou seja, pessoal altamente qualificado. O salário médio é R$ 8,6 mil.

Funcionário da Ceitec e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre, Edvaldo Muniz salienta que mais de 250 servidores concursados da empresa e terceirizados perderão seus empregos com o fim das operações.

No entanto, as perdas para o mundo da pesquisa e da inovação tecnológica serão ainda maiores, além do fim de importantes receitas anuais nos cofres do Estado.

Uma comissão de funcionários enviou uma carta para a Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT-RS) pedindo apoio contra o fechamento. O documento frisa que foi construído “um capital intelectual significativo nos últimos dez anos, de extrema relevância para o desenvolvimento do país. São profissionais cobiçados internacionalmente, o que vem gerando a emigração, cada vez maior, de quadros altamente qualificados que saem do Brasil para atuar em grandes empresas de tecnologia no exterior”.

Para o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, é um contrassenso acabar com a empresa. “Temos que impedir a liquidação dessa empresa, que é estratégica e fundamental não somente para a política de semicondutores, mas para a microeletrônica do Brasil. Não há futuro para uma indústria forte e inovadora sem tecnologia de ponta”, afirma.

O Brasil, entre as grandes economias do mundo, é um dos poucos que não domina a cadeia de produção de circuitos integrados. China, Rússia e Índia são países que investem pesadamente nesse setor. Países com economias menores que a brasileira já possuem indústrias de microeletrônica que representam parte significativa de seu PIB, como Coreia e Malásia.

São signatárias do manifesto em defesa da Ceitec as seguintes entidades:

SENGE – Sindicato dos Engenheiros no Rio Grande do Sul
FNE – Federação Nacional dos Engenheiros
CUT – Central Única dos trabalhadores
Intersindical – Central Sindical
CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras Brasileiros
NCST – Nova Central Sindical dos Trabalhadores
FS – Força Sindical
CONLUTAS – Central Sindical e Popular
CGTB – Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros
CSB – Central Sindical Brasileira
PUBLICA – Central dos Servidores Público
FSP – Fórum Sindical e Popular
STIMEPA – Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre
FTM – Federação dos Metalúrgicos do RS
ADUFRGS – Associação dos Docentes da UFRGS
SINPRO – Sindicato dos Professores do RS
FEETSUL – Federação dos Trabalhadores da Educação Privada do RS
IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
SINTERGS – Sindicato dos Servidores de Nível Superior – RS
ESOCITE.BR – Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias