Como serão os nove anos sob o Regime de Recuperação Fiscal no Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul encaminhou ao Tesouro Nacional seu pedido de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

Se o pedido for aceito, o último ano de Eduardo Leite e os dois governos seguintes estarão  “engessados” por regras rígidas de corte de gastos e controle estreito das contas estaduais pela Secretaria do Tesouro nacional.

É um “remédio amargo” com muitos efeitos colaterais.

Trata-se de um contrato que o Rio Grande do Sul  busca assinar com a União, para renegociar a dívida com o Tesouro Federal, que se tornou impagável. A dívida total do Estado chega aos R$ 70 bilhões, mais de R$ 59 bilhões correspondem ao montante devido ao governo federal.

Desde 2017, com base numa liminar, o governo gaúcho não paga as parcelas da dívida, que já acumulam mais de R$ 14 bilhões.

Se a União aceitar o pedido de adesão (a decisão final será de Bolsonaro) os pagamentos atrasados serão “rolados” por mais 30 anos, o governo ganha tempo e retoma o pagamento em parcelas menores e o Estado recupera sua capacidade de receber financiamentos para resolver os outros passivos.

O governador Eduardo Leite mencionou uma possível operação de crédito de US$ 500 milhões (cerca de R$ 3 bilhões), junto ao BID. para pagamentos em acordos diretos com credores de precatórios, que tem R$ 16 bilhões a receber.

A adesão, no entanto,  tem contrapartidas.

O que o governo do RS não pode fazer:

1) Concessão de reajustes a servidores e empregados públicos e militares (exceto a revisão anual assegurada pela Constituição Federal e de casos envolvendo sentença judicial)

2) Criação de cargo, emprego ou função e alteração de estrutura de carreira que impliquem mais despesa

3) Admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e de contratos temporários

4) Realização de concurso público que não seja para reposição de quadros

5) Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares

6) Concessão, prorrogação, renova­ção ou ampliação de incen­ti­vo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita

7) Empenho ou contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade pública

8) Alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação

Há quase cinco anos, desde que o governador Sartori não conseguiu  mais pagar a dívida, o Estado vem fazendo ajustes para se credenciar ao acordo com a União.

O governo Eduardo Leite deu continuidade e aprofundou as reformas iniciadas por Sartori, para reduzir o déficit crônico das contas públicas.  Venceu uma resistência histórica na Assembleia Estatual ao obter autorização para privatizar o setor de energia (Companhia Estadual de Energia Elétrica, Companhia Riograndense de Mineração  e Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás).

Visando o acordo, privatizou também a Corsan,  a estatal do saneamento.

Em 30 de novembro, foi aprovado o  Teto de Gastos para as despesas do Estado, limitando o crescimento à inflação por dez anos. A medida era uma das imposições do governo federal para adesão ao RRF.

Das exigências para ter acesso ao Regime de Recuperação Fiscal, só falta a privatização na área financeira,  que no caso do Rio Grande do Sul seria o Banrisul, o último dos bancos estaduais. O governador Eduardo Leite já declarou que considera “inevitável” a privatização do “banco dos gaúchos”

Em seu relatório divulgado em setembro, a Comissão Especial  da Assembléia sobre a Crise Fiscal sugeriu que o governo do Estado não aderisse ao Regime de Recuperação Fiscal.

Seria, segundo a conclusão, um caminho que exige enorme sacrifício, com precarização de serviços públicos e sem garantia de que vá resolver o desajuste financeiro.

Essa dívida que o Estado está renegociando agora, de R$ 59 bilhões, resulta de uma renegociação feita em 1998, quanto o total devido chegava a R$ 26 bilhões (valores atualizados).

Embora, desde então,  tenha pago todas as parcelas até a suspensão dos pagamentos em 2017,  essa dívida só cresceu.

 

 

 

 

Estudo da Receita Estadual estima em R$ 67 bilhões as perdas com Lei Kandir

Em suas negociações com o governo federal, o governador Eduardo Leite evita incluir a questão das perdas que o Estado sofre pelas desonerações de exportações, especialmente a chamada Lei Kandir, que isenta de ICMS as vendas externas de produtos primários e semi-elaborados.
Os porta-vozes do governo gaúcho chegam a dizer que tentar recuperar essas perdas, como prega a oposição, é uma “causa perdida” e que levar em conta estes créditos “é vender ilusões”.
Isso não impede que o governo estadual esteja munido de dados completos e atualizados sobre as perdas que o Estado sofre, principalmente desde 1996, quando foi aprovada a dita Lei Kandir.
Desde agosto do ano passado a Secretaria da Fazenda dispõe de um “Demonstrativo das Perdas de ICM com Exportações e Lei Kandir”, feito por técnicos da Receita Estadual a pedido do próprio secretário.
Os dados estão atualizados até dezembro de 2018 e apontam que, em números atualizados, o Estado tem créditos compensatórios que somam R$ 41 bilhões em valores nominais que, atualizados monetariamente, sobem a mais de R$ 67 bilhões.
PERDAS TOTAIS EM VALORES NOMINAIS

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

PERDAS TOTAIS EM VALORES ATUALIZADOS
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esse valor não é maior porque o governo federal ressarciu parcialmente essas perdas ao longo de todo o período, num total de mais de  R$ 18 bilhões. O valor das compensações diminuiu ano a ano, como mostra o gráfico.

 
 
 
 
Somente em 2018, as perdas líquidas com a Lei Kandir somaram R$ 4,85 bilhões que equivalem a 13,6% da receita do ICM no ano.
O estudo mostra as perdas de receita do Estado também com as isenções na exportação de os produtos industrializados, prática anterior à lei Kandir.
Somadas as perdas com a isenção nas exportações de todos os produtos, agrícolas e industrializados, em 2018 o Rio Grande do Sul deixou de arrecadar mais de R$ 10 bilhões, que equivalem a 29% da receita total com ICMS. Ao mesmo tempo o valor das compensações foi o mais baixo da série.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Pedro Simon: "Sem as indenizações da Lei Kandir, o Rio Grande não sai da crise"

Ex-deputado, ex-ministro, ex-governador, ex-senador, às vésperas de completar 90 anos, Pedro Simon está com uma bandeira na mão: um movimento de união pelo Rio Grande, para obter as indenizações pelas perdas decorrentes da chamada Lei Kandir.
É uma bandeira que o coloca na contramão das forças que apoiam o governo Eduardo Leite, entre elas seu partido o MDB, que consideram a luta pelas indenizações uma causa perdida.
“A Lei Kandir foi a desgraça do Rio Grande”, disse ele falando ao JÁ em sua casa em Rainha do Mar, nesta sexta-feira.
“Lei Kandir” é como ficou conhecida a Lei Complementar 87/96,  de autoria do então deputado federal Antônio Kandir, do PSDB, que isentou do imposto estadual os produtos primários e semi elaborados quando exportados.
Os produtos industriais já não pagavam o ICMS, com essa lei, em 1996, ampliou-se a isenção para produtos das lavouras e da pecuária.
Para o Rio Grande do Sul, cujas exportações têm peso grande no PIB, foi enorme o impacto. “Nessas perdas está a origem dessa dívida impagável que o Estado tem hoje com a União”, diz Simon.
Ele acredita que esta seria uma causa, como  foi o Polo Petroquímico, capaz de unir as forças políticas do Rio Grande do Sul, para tirar o Estado da crise:
“O governo federal já reconheceu que há perdas, reconheceu que os Estados têm direito às compensações e até já pagou parte dessas compensações durante vários anos. O que falta é uma união das forças políticas, para exigir que a lei seja cumprida”
Simon recorda que no primeiro governo Lula, quando Dilma Rousseff assumiu a Casa Civil,  ele e os outros dois senadores gaúchos, Paulo Paim (PT) e Sérgio Zambiasi (PTB), foram recebidos no Planalto para tratar desse assunto:
“Chegamos às oito horas e entramos noite adentro. Mostramos como a União, historicamente, impunha sacrifícios ao Rio Grande e os enormes prejuízos que o Estado vinha sofrendo por uma decisão que lhe foi imposta com essa lei, de interesse do governo federal. Ficou acertado que haveria compensação, depois uma lei foi aprovada, uma comissão iria estudar como fazer, mas nunca se criou essa comissão. Não conseguimos, também, mobilizar o Estado para fazer pressão”.
O argumento de que os valores que os Estados reclamam como indenização pelas perdas acumuladas são impagáveis, porque a União simplesmente não tem como pagar, não convence Simon: “Se as compensações são impagáveis, a dívida do Estado com a União também é impagável. Por que não fazer um encontro de contas?”
Líder histórico do MDB, Simon avalia bem o governador Eduardo Leite (PSDB). “Ele está fazendo o que tem que ser feito”, diz ele. Acha que um movimento pelas indenizações da Kandir daria respaldo ao governador para as negociações com a União no Programa de Ajuste Fiscal. “O meu medo é que se troque por migalhas o que é um direito líquido do Estado.”