O presidente Jair Bolsonaro disse na sua live das quintas-feiras que a decisão sobre a tecnologia 5G no Brasil é dele: “Não vai ter ninguém dando palpite”, afirmou.
Bolsonaro não mencionou, nem os principais noticiários fizeram a relação, mas a declaração é uma evidente resposta ao vice presidente, general Hamilton Mourão.
Na terça-feira em uma entrevista à Xinhua, a agência oficial de notícias da China, Mourão garantiu que o leilão “seguirá padrões técnicos e que não há qualquer restrição a empresas de quaisquer países”.
A tecnologia do 5G é o principal campo da disputa político-comercial hoje entre China e Estados Unidos.
Disse Mourão: “Não distinguimos as empresas pelo país de origem, mas sim pela sua capacidade em oferecer produtos e serviços confiáveis, seguros e, obviamente, a preços competitivos”.
Mourão lembrou que a empresa chinesa Huawei “é hoje um importante fornecedor de equipamentos com ampla presença no mercado brasileiro”.
Segundo ele, haveria “um custo exorbitante” para retirar a empresa da rede brasileira, além de que, caso houvesse decisão neste sentido, isso atrasaria a instalação da rede 5G.
“Nossas decisões nesta matéria, assim como em qualquer outra, serão soberanas e responsáveis, seguindo critérios técnicos, econômicos e de segurança nacional que forem estabelecidos por nossas autoridades competentes”, garantiu o vice-presidente.
No Brasil, Mourão acredita que possíveis considerações de segurança podem ser mitigadas por um marco regulatório eficiente.
O leilão das novas frequências de telecomunicações, onde vai “trafegar” o 5G, foi adiado para 2021 em razão da pandemia.
Até o momento, há apenas um aparelho de celular habilitado para a frequência no Brasil, e as operadoras fazem testes. Mas a discussão é candente.
Na sua live, desta quinta, 3, Bolsonaro abordou o assunto sem ser provocado:
“Olha só, temos o negócio do 5G pela frente. Deixar bem claro, quem vai decidir o 5G sou eu. Não é terceiro, ninguém dando palpite por aí, não. Eu vou decidir o 5G”, declarou o presidente.
A definição dos parâmetros do leilão cabe à Anatel – que, segundo a Lei Geral de Telecomunicações, goza de “independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira”.
Há, no entanto, debates sobre a tecnologia 5G em temas como segurança nacional, espionagem e privacidade de dados.
Apesar de afirmar que não aceitará palpites, Bolsonaro também disse que conversa com autoridades do próprio governo, e com “governos de outros países” sobre os prós e contras dos modelos disponíveis.
“Não é da minha cabeça, apenas. Eu converso com o general Augusto Heleno, do GSI, converso com Ramagem, que é chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), converso com o Rolando Alexandre que é o diretor-geral da Polícia Federal, com mais inteligência do Brasil, com gente mais experiente”, enumerou Bolsonaro.
O presidente prosseguiu: “Converso com o governo americano, converso com várias entidades, países, né, o que temos de pró e contra”, afirmou.
Bolsonaro começou a falar do assunto enquanto defendia a necessidade de o Brasil ter um sistema robusto de inteligência.
Nesse momento, o presidente comentava a produção de um suposto dossiê contra movimentos antifascistas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública – algo não relacionado ao 5G.
“Nós somos uma potência. Nós temos que ter um sistema de inteligência robusto para poder trabalhar ali na frente. Olha só, tem o negócio do 5G pela frente”, disse Bolsonaro, ao entrar no tema.
Além de questões tecnológicas, o debate do 5G envolve disputas ideológicas, econômicas e de segurança nacional e está no centro da guerra comercial entre Estados Unidos e China.
A nova tecnologia permite conexões cerca de 10 vezes mais rápidas que o 4G e é considerada fundamental para a chamada “internet das coisas”, com a automatização de casas, veículos e objetos de uso diário.
Uma das principais detentoras de patentes no 5G é a empresa chinesa Huawei, que enfrenta restrições nos Estados Unidos e na Inglaterra e é acusada de ser um braço do Partido Comunista Chinês.
A empresa nega envolvimento em qualquer tipo de espionagem, governamental ou privada.
Em workshop com jornalistas brasileiros, em março, a Huawei afirmou que não participará do leilão de frequências – o foco da empresa é na fase posterior, quando as operadoras que vencerem a concorrência precisarão de equipamentos para colocar o 5G em operação.
Em março, integrantes do conselho diretor da Anatel afirmaram ao que a questão sobre quem poderia, ou não, participar do 5G brasileiro deveria ser discutida pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e pela Presidência da República.
A afirmação indica que a decisão não será apenas de ordem técnica, ou tecnológica, mas também sofrerá influência de temas econômicos, diplomáticos e de segurança nacional.
No Brasil, a proposta de edital para o leilão foi aprovada pela Anatel em fevereiro e submetida a consulta pública.
Serão ofertadas quatro faixas de frequência: 700 MHz, 2,3 GHz, 26 GHz e 3,5 GHz. As faixas de frequências são espectros usados, por exemplo, para a oferta de telefonia celular e de TV por assinatura.
A quem cabe a decisão?
Como agência reguladora, a Anatel não tem poder para definir quais empresas poderão, ou não, participar do leilão do 5G no Brasil.
Deve basear-se teoricamente em critérios técnicos. As discussões sobre segurança nacional e espionagem, no entanto, ultrapassam a atuação da agência reguladora.
Em evento no Rio, em junho, o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, declarou que o tema não seria analisado apenas com base técnica. “Já tenho, inclusive, diretrizes do próprio presidente no tocante a esse assunto. Mas não é exclusivamente técnica. Tá bom?”, afirmou.
Em novembro passado, por exemplo, Jair Bolsonaro recebeu o CEO da Huawei para a América Latina, Zou Zhilei, e o presidente da Huawei do Brasil, Yao Wei, em reunião no Palácio do Planalto.
Ao comentar o encontro, disse que apenas ouviu sobre a situação da empresa e o interesse dela em participar do 5G.
(Com informações da Reuters, G1, Agencia Brasil e Xinhua)