Artista e ex-diretora do MAC, Marli Amado de Araújo, criou uma grande instalação escultórica para o espaço expositivo, além de uma obra que recepciona os visitantes composta por um mosaico com fotos polaroides em que o público, previamente convidado, registrou o panorama urbano de Porto Alegre e do entorno da Casa de Cultura Mario Quintana. A mostra será inaugurada nessa terça-feira, dia 27, às 19h, na galeria Xico Stockinger (Rua dos Andradas, 736, 6º andar), com curadoria de André Venzon, e apresenta também trabalhos da artista em pintura e escultura, bem como algumas obras em relevo acessíveis que poderão ser percebidas através do toque, democratizando a cultura e abraçando a inclusão de pessoas com deficiência visual.
Segundo o curador, “mais que criar disfarces para as paredes brancas, o trabalho de Marli intersecciona conteúdo para este lugar, pois sua obra se faz com o espaço e as pessoas, com as próprias linhas que saem das superfícies lisas que até então delimitavam a sala, deixando de ser mero suporte decorativo ou contemplativo. A artista descobre o ambiente expositivo e convoca também a estrutura que o sustenta a participar do seu trabalho”
O trabalho, segundo o curador:
“Expor-se também é conquistar a liberdade. Elejo esta frase para iniciar o texto curatorial porque estamos todos nos expondo aqui. Diante da perspectiva da galeria Xico Stockinger não hesitamos em entrar para descobrir o que há no interior deste cubo branco que nos convida “a agarrar as paredes com o olhar”. Desse modo a artista Maria Amado de Araújo expressa o que sua exposição deseja em relação ao espaço que adentramos agora. Professora do magistério, do Ateliê Livre da Prefeitura, escultora e ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea do RS – MACRS; durante sua gestão (2003-2006) heroica à frente da direção desta instituição que nos acolhe, conheci todo seu entusiasmo e força, aparentemente inesgotáveis, período que levou a conquista, mesmo que provisória, da sede do Museu no Cais Mauá, tanto para arte e os artistas, quanto para o olhar do público. A primeira vez que participei de um edital para expor em um museu foi franqueado naquela administração, onde havia espaço para todos e cuidava-se de todas as possibilidades para se realizar uma exposição em um museu do Estado.
Na obra que nos recepciona já sentimos esta atmosfera democrática de Porto Alegre, cidade que se reconhece compartilhada nas fotos, em que cada um dos convidados acolheu para si uma parte do panorama urbano que constitui o trabalho com as polaroides. O público foi convidado a fotografar as paisagens do interior da Casa de Cultura Mario Quintana e da nova orla do Guaíba ─ recentemente inaugurada ─ o entorno urbano participa como documento desta aproximação com o lugar da exposição. Este mosaico prismático de percepções é que recebe os visitantes. Esta pode ser uma bela metáfora de como fazer algo ao mesmo tempo livre e fecundo; cada foto é um favo nesta colmeia humana que representa a aldeia que habitamos. Sem demora somos convidados a visitar a exposição que se dissipa como raios vermelhos no horizonte da galeria. A cor abduz, denuncia, avisa, adverte! É legado de todas as lutas, cor que circula viva em nosso sangue, que nos enrubesce a face ou até sangra em todos, indiferentemente e encoraja; a cor do coração, que nos faz sentir vivos, livres e plenos de direitos.
A instalação faz o movimento de ir e vir, não conhece o encima ou o embaixo, de uma parede a outra costura o espaço com uma corda, invento antigo, usado para fabricar armadilhas que prendem, mas também as redes que embalam os sonhos. O leve ruído da cidade, indistinto e rítmico, aqui resplandece nas linhas vermelhas que cruzam estridentemente a sala. Eis a galeria onde desejamos estar, da pequena maquete que vislumbramos do alto, a cada uma das cordas que podem narrar a história da artista e também a nossa. Quando olhamos estas fibras, quando perscrutamos as cavidades destas caixas vermelhas que encarnam a forma abstrata de um coração podemos sentir o desejo de um projeto de construção do próprio centro pulsante da cidade, e com os sentidos plenos exploramos estes espaços. Sentimos nessa exposição, como na urbe contemporânea, o quanto uma obra de arte grande e voltada para o espaço restituí e eterniza de poder o público, que dela pode participar com seu corpo, antes de senti-la apenas com os olhos. Tudo se verifica neste encontro, a visão sensorial torna-se reconhecimento do lugar.
De algum modo estamos conectados, ligados de fato, somos parte desta rede da artista, da teia umbilical de sentidos que compreende o universo artístico. Encontramo-nos com essas estruturas em expansão, linhas visíveis da perspectiva espacial, em contraste com as cabines que acolhem a escala humana e as caixas para espreitar, respectivamente, com o corpo e o olhar. Esses dois dispositivos visuais refletem sobre as edificações, aquela a que estamos presos, e também as que nos são exterior. A artista envolve o corpo do observador num jogo visual, como na lúdica brincadeira da “cama de gato”, constrói imagens que podem representar situações do cotidiano urbano, mas também íntimo, colocando-nos em contato físico e conceitual com uma poética que empreende a construção desse espaço para a percepção de nós mesmos e da arte.
Uma instalação é sempre um convite a não sentirmos o espaço apenas com o olhar, mas com todo o corpo. Esse enfrentamento tem sido uma constante no modo de pensar e fazer da artista. Suas pinturas também se organizam numa estruturação modular, com signos próprios, remontando um mural totêmico de culturas que ainda estamos por descobrir. E como poderíamos interpretar estes signos? Por analogia estas composições pictóricas, formadas por fragmentos de pinturas sobre tacos de madeira, que podem ser tocados, relacionam-se com as fotografias compartilhadas pelo público na entrada da galeria. Este conjunto de imagens constituem um conceito de espaço sagrado, do qual a artista e o curador comungam como ex-diretores desta instituição museológica, e que pode representar aquele sentimento mais contemporâneo em nossa sociedade, isto significa dizer que um museu de arte contemporânea deve ser um espaço para todos, diferente das paredes do museu clássico, mas assim como a rua é para todos: popular.
Vivemos, há algum tempo, um momento de retenção e de reflexão para a arte. Especialmente para a arte contemporânea que se dedica a debater muitas questões: da arte e a política, a cidade, a memória, a identidade, entre outros. Sobretudo a arte atual se devota a construir o próprio espaço para afirmação e existência da diversidade contemporânea. Temos um compromisso fundador com a conquista de um lugar para arte do presente. Não é suficiente que a arte reflita suas relações intrínsecas e com a vida em sociedade, sem assegurar o lugar para a preservação destes pensamentos onde se conheça, reflita e respeite as diferenças de ideias e se perceba o mundo contemporâneo. Sobre as paredes dessa galeria a artista tenciona e abre o espaço para que possamos também expor as nossas questões, um lugar que se apresenta diferentemente de uma simples exposição de quadros.
Assim, mais que criar disfarces para as paredes brancas, o trabalho de Marli intersecciona conteúdo para este lugar, pois sua obra se faz com o espaço e as pessoas, com as próprias linhas que saem das superfícies lisas que até então delimitavam a sala, deixando de ser mero suporte decorativo ou contemplativo. A artista descobre o ambiente expositivo e convoca também a estrutura que o sustenta a participar do seu trabalho. Outros artistas, como BonGiovanni e Tulio Pinto, inclusive nesta galeria, além da carioca Ana Holck, também compreenderam esta necessidade permanente de reflexão, enfrentando o espaço que nos recepciona e desafiando o público a pensar sobre a experiência artística.
Logo, também somos chamados a discutir, mais longe que a obra, o espaço que ela ocupa. A questão que se coloca é o próprio espaço para arte contemporânea, a ocupação e o direito a este lugar. Uma reflexão entre os limites da obra formada pela trama de fios que pode emaranhar nossos pensamentos ou estabelecer ligações, expressando conceitos que compartilham a visão de mundo exterior e interior da artista conosco”
André Venzon.
Artista visual, curador e gestor cultural. Mestrando em Poéticas Visuais pelo PPGAV/IA-UFRGS
SERVIÇO:
Exposição “ESPAÇO SENTIDO” da artista Marli Amado de Araújo
Curadoria de André Venzon
Museu de Arte Contemporânea do RS
Rua dos Andradas, 736, 6º andar – Galeria Xico Stockinger, Casa de Cultura Mario Quintana
Abertura dia 27 de novembro de 2018, às 19h
Visitação de 28 de novembro à 06 de janeiro de 2019
De terça à sexta, das 9h às 19h, sábados, domingos e feriados das 12h às 19h
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A arte tensionada e aberta de Marli Amado de Araújo, na exposição "Espaço Sentido" no MAC.
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