A beleza da morte

Naira Hofmeister
O homem de camisa azul e gravata cinza está de mangas arregaçadas, mãos cruzadas, parece estar descansando depois de um dia de trabalho. As pessoas que chegam no velório dizem que ele está com um ar “sereno, repousado”.
A boa aparência do defunto é obra do agente funerário Paulo Coelho, um artista que torna a morte menos feia. Ele é considerado pelos profissionais do ramo como um dos melhores embalsamadores da cidade – seu toque delicado ajuda a reduzir a dor da família.
Funerária moderna é assim. Só coveiro, motorista e atendente não bastam. Hoje, muitas lojas oferecem qualidade no embalsamamento, serviço de psicóloga, assistente social, direito funerário e até filósofa, para ajudar a entender a morte e enfrentar o luto. Além do apoio psicológico, os agentes funerários contam também com o avanço de técnicas de preparação de cadáveres que garantem resultados surpreendentes.
Aos 54 anos, mulher e duas filhas, cristão não-praticante e sem medo de morrer, Paulo Coelho é um dos profissionais que dá aos mortos o aspecto ‘saudável’ dos velórios. Usando massas, óleos, argila e até silicone, Paulo pode transformar um rosto decrépito e sofrido em uma alegre expressão de paz. A tecnologia é eficiente: “Não há mais necessidade de velório com urna fechada, mesmo em morte violenta”, diz.
Paulo trabalha no porão da funerária. É uma sala fria, úmida, com cheiro de formol. Ele descreve a coisa de forma impessoal, diz que sua atividade “minimiza os aspectos decorrentes de doenças e acidentes que tenham levado a pessoa ao óbito”.
O embalsamador acredita que pode, se não devolver vitalidade ao morto, garantir à família que não haverá traumas decorrentes da imagem de seu ente querido após sua morte: “Ela pode ser mais bonita do que pensamos”, filosofa.
O que acontece dentro da sala de preparação Paulo Coelho não revela: “Alguns métodos podem ser traumatizantes e exigem o sigilo profissional”. Para o agente, o que importa não é como o serviço é feito, mas sim, que assegure à família simplesmente o direito de sofrer nessa hora, sem outras preocupações. O lema seria “a funerária cuida de tudo para que o choro seja só pelos mortos”.
Geralmente, o serviço é feito buscando o aspecto natural da pessoa – uma imagem próxima de quando viva: “Não estamos preparando a pessoa falecida para uma festa, mas caso a família queira, é possível fazer uma maquiagem mais marcante ou unhas pintadas com detalhes especiais”.
Paulo Coelho se corrige: “Maquiagem não, restauração facial”. É feita inclusive nos homens, e segundo ele, imperceptível, de tão discreta.
Quando entra na sala de preparação, abandona todos os outros pensamentos e se dedica com exclusividade ao defunto. “Peço para estar iluminado, trabalhar adequadamente, obedecendo os preceitos técnicos e intuindo o que há de mais importante naquele momento”.

Sucesso entre os vivos
Há nove anos, quando entrou no mercado funerário, Paulo Coelho se motivou pelo lado humano da morte. Inovou os serviços da época, oferecendo amparo à família, esclarecendo seus direitos, qualificando sua equipe. “A vida é a marca de nossa existência, nossa tentativa de perpetuá-la. O momento da morte exige ritos de celebração de tudo o que fomos”.
Hoje, Coelho encara com profissionalismo a lida diária com o outro lado. “Eu não posso chorar, não posso me dar esse luxo. Aquela dor não é nossa, é da família”. Toma cuidado para não se sensibilizar com a morte, mas ao mesmo tempo, tenta não banalizá-la.
Não faz julgamentos de quem está na sua maca. Já preparou os corpos de seus avós, mas também de bandidos, todos com a mesma dedicação. “Não trabalhamos só com anjos. Os marginais também têm um pai, uma mãe ou um filho que vão querer um enterro decente”.
Seu trabalho à frente da funerária rendeu-lhe mais três cargos: o de Presidente do Sindicato dos Estabalecimentos de Serviços Funerários do Estado do RS, Presidente da Associação Brasileira de Tanatopraxia e Diretor da Associação de Tanatopraxistas do Mercosul. Nesses postos, Paulo trabalha para mudar a visão que a população tem do segmento, segundo ele, repleta de preconceitos.
Seguro de morte?
Entusiasta da profissão, Coelho pretende ampliar os canais de formação dos colegas da área e terminar com o medo que ronda a profissão.
Os anos em que viveu tão perto dos mortos o fizeram aprofundar o pensamento sobre o significado da morte para a humanidade. Por que ainda é tão difícil se programar para a morte? Porque não aceitamos o fato – sabido por todos – de que um dia vamos morrer?
“Todos cremos na imortalidade, independente de religião. O ser humano acredita que tem alma, ela é o sentido da nossa preservação”. E argumenta: “Quando fazemos seguro do carro é porque ele será roubado ou batido? Porque então não nos somos previdentes também nessa hora?”.
Orgulhoso do trabalho que realiza, ele não tem medo de que alguma alma penada venha puxar seu pé enquanto dorme: “Tenho certeza que se pudessem, até me agradeceriam”, acredita.

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