A volta do louco do Cati, agora num filme doidão

Mesmo com chuva, foi sucesso de público e de crítica a pré-estreia (gratuita) do longa A Última Estrada da Praia, do diretor gaúcho Fabiano de Souza. Das 80 pessoas presentes à Sala P. F. Gastal, no Gasômetro, em Porto Alegre, metade ficou para conversar com o diretor e parte da equipe, formada por 14 pessoas. Rodado em duas semanas de 2007 no litoral norte com patrocínio da RBS, o filme de 93 minutos custou R$ 200 mil. Foi montado em 2010. O lançamento comercial foi anunciado para este semestre.
A Última Estrada da Praia usa como referência o romance O Louco do Cati, de Dyonélio Machado, que o lançou em 1942, sob as tensões da ditadura de Getulio Vargas. O roteiro cinematográfico não se prende ao enredo do livro e assume uma versão livre absolutamente contemporânea. Um trio formado por dois rapazes e uma moça sai em viagem a bordo de uma camioneta Rural Willys. No início da jornada tipicamente “easy rider” incorpora-se à caravana um alienado sem nome que não diz palavra. Em Osório embarcam de ônibus numa viagem non sense para Terra de Areia, onde bebem, fumam e fazem uma orgia a três – o alienado sempre de fora. Em seguida, no chão de uma sorveteria praiana, fazem mais uma rodada de sexo grupal (de roupa), numa homenagem grotesca ao lixo cinematográfico brasileiro.
De exagero em exagero, a comitiva se divide perto de Cidreira e a Rural Willys sai de cena carregando o casal do início da história. Ficam na praia, a pé, apenas o alienado e o seu amigo doidão Norberto (mesmo nome da personagem do livro), que protagoniza as cenas mais divertidas da primeira parte do filme. É quando acaba a comédia tipo La Dolce Vita e o filme adquire a consistência de um drama “noir” à moda tcheca. O par arrasta-se pela praia deserta, sob um céu cinza, cercado por água marrom de lado e dunas de outro. “Não há como escapar da loucura num litoral desses”, conclui um espectador, fazendo uma leitura “dark” da história aparentemente sem pé nem cabeça.
Na realidade, embora sem se aprofundar, A Última Estrada da Praia é uma viagem em torno da loucura. Se em O Louco do Cati a personagem principal é tangida pelo medo – no caso, da ditadura política vigente no período 1937/1945 –, no filme de Fabiano de Souza a loucura não tem correlação explícita com alguma realidade política ou econômica. Ela faz parte da cena como uma anomalia que a um inspira piedade e a outros impaciência. A aparição esporádica de uma ambulância sugere que o alienado fugiu do hospital e vagueia sem rumo pelo mundo, só querendo escapar da ameaça de aprisionamento. Ao tentar comprar algo com uma velha nota de 100 cruzeiros, deixa claro que há muito perdeu contato com os valores do presente.
O que permanece do início ao fim do filme é o vínculo afetivo entre o alienado e Norberto, o seu protetor. Eles formam um duplo eu em que um fala e o outro fica em silêncio. Numa tentativa de diálogo, o máximo que o alienado consegue é chorar sem palavras. Na caminhada final em busca da civilização, os dois encontram na praia uma porta de madeira e brincam de bater de um lado e atender de outro. A porta é uma metáfora do dentro e do fora, do entrar e sair, do estar preso ou estar livre.
No final abrupto, os dois se separam. É quando o doidão Norberto, subitamente salvo do cansaço por um arroz-de-carreteiro oferecido por uma mulher solitária, que lhe abre a porta sem mais nem menos, manda o amigo alienado embora com a fala mais profunda e egoísta do filme. Algo que pode ser resumido assim: “Eu encontrei uma pessoa. Ela me deu comida. Vou ficar aqui. Tu segues viajando, nada te prende, és livre, vai”.
Embora tenha trechos mal pavimentados, A Última Estrada da Praia é um filme interessante, com fotografia de qualidade muito boa. (Geraldo Hasse)

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