Acampamento só acaba quando Lula for solto, garante a militância

Matheus Chaparini
Quando a reportagem do JÁ desembarcou em Curitiba, já não havia espaço para uma barraca de dois lugares no terreno alugado para receber o acampamento dos apoiadores do ex-presidente Lula. Rapazes do MST e da CUT trabalhavam com pás e enxadas, limpando o terreno. Somente quatro horas depois nossa “redação” estava montada. Mais meia hora e o entorno estava tomado de iglus, de forma que até uma ida ao banheiro exigia um caminho em zigue-zague com o máximo cuidado para não pisar em ninguém.
Mais de vinte e quatro horas haviam passado desde que um homem – filmado por câmeras de segurança, mas ainda não identificado – descarregou uma pistola 9mm contra o acampamento, trocou de pente, disparou mais algumas vezes e foi embora. Não havia um clima de tensão, mas o atentado pautava boa parte das conversas.
De chegada, fomos recebidos por um dos coordenadores do acampamento, Thulio Siviero, militante do PT de Juiz de Fora. Me identifico como repórter e manifesto interesse em uma entrevista, para falar sobre a rotina do acampamento. “Já te adianto que não mudou quase nada depois dos tiros. Na verdade, só veio mais gente”, afirmou, matando a segunda pergunta do repórter.
Na prática, algumas providências foram tomadas. Além da presença constante de viaturas, duas barricadas, com sacos de areia e cerca de um metro de altura, foram erguidas junto à entrada, onde ficam concentrados a maior parte dos seguranças. A terra retirada para limpar o terreno formou um barranco que auxilia na proteção da frente do terreno. A segurança, feita por uma empresa terceirizada com orientação de voluntários, ganhou reforço de homens treinados, altos e fortes, alguns deles participaram da segurança da caravana do ex-presidente Lula.

Após atentado a tiros, pilhas de areia foram colocadas por segurnaça

O terreno é amplo, cheio de árvores e divido em dois níveis, com dois metros de diferença, ligados por uma escada de madeira. Na parte alta, a entrada principal, a cozinha e uma tenda onde acontecem rodas de violão, conversas e discursos. Na parte baixa estão os banheiros e chuveiros. Por todos os cantos possíveis, barracas e mais barracas. Para otimizar o espaço, foram montados barracões de lona, grandes dormitórios coletivos com capacidade para cerca de 40 pessoas. Haviam pelo menos quatro destes.
Durante a semana, o número de acampados varia entre 150 e 200, nos finais de semana, sobe para 300, segundo a coordenação. Na véspera do ato do dia do trabalhador, o movimento cresceu a ponto de surpreender os organizadores. Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Ceará, Rio Grande do Norte, os apoiadores vinham de todas as partes do país. Um grupo de paulistas desce do ônibus e avisa: outros oito estão a caminho. “Eu não esperava tanta gente, mas acho que estamos dando conta da logística”, afirmou Thulio.
Quando a coisa bombou era possível encontrar todo tipo de militante. Os mais ferrenhos no discurso, os mais dedicados a tarefas práticas até os assíduos em redes sociais. Uma senhora de pele bem branca, transmitindo um vídeo ao vivo, interrompe um jovem tarefeiro e lhe solicita a enxada. Quer ser filmada com a ferramenta nas mãos. E discursa para a própria câmera. “Eu me criei no meio de um canavial. As terras, quase todas, eram do meu pai. Mas era como se fosse de todos.”
Na véspera do 1º de maio a senadora Gleisi Hoffmann experimentou o macarrão com salsicha no acampamento

Entre si, os membros da cozinha estimavam algo entre mil e dois mil jantares servidos na véspera do 1º de maio. O cardápio, massa com linguiça e feijão. Para manter a ocupação, os grupos se revezam. Os metalúrgicos da região metropolitana de Porto Alegre, por exemplo, se dividiram em três caravanas: os que chegaram na segunda, iam embora na quarta, quem vinha na terça ficava até quinta e assim por diante. Entre os acampados, “Lula livre” se tornou um mantra. Substituiu o “fora Temer”. mas com bem mais intensidade.
O terreno fica na rua João Wislinski. Por ali passam muitos carros. Alguns motoristas buzinam ou gritam alguma mensagem. É claro que não há somente apoio.
Um automóvel passa, alguém grita uma frase pró-Lula, em seguida, a gargalhada e um “vão trabalhar!” “Pô! E o que que eu to fazendo então?, resmunga um rapaz suado de enxada na mão, abrindo espaço para mais barracas das caravanas que não param de chegar.
Frases de apoio ao deputado Jair Bolsonaro também têm certa frequência, mas sempre durante a madrugada.

Hasta la vitória

Quando se pergunta até quando dura a vigília, a resposta vem de pronto: até o Lula sair. “Onde ele estiver a gente vai, não importa a distância. Unindo forças para demonstrar apoio ao companheiro e repúdio a este estado de exceção”, afirma Thulio. “Uma coisa é certa: se sair de Curitiba, só aumenta”, complementa outro militante.
Com tanta gente amontoada, comendo, dormindo, militando, carregando celular, um certo grau de disciplina é necessário para manter o acampamento em ordem. Os horários são rigorosos. Das sete às oito é servido o café, depois, caminhada até a vigília – nove em ponto é o momento do “”Bom dia, Lula”. Às dezenove, o “Boa noite” e regresso para a janta. Dez e meia inicia o horário de silêncio, que termina logo cedo da manhã, quando recomeça a rotina.
Bebidas alcoólicas, baseados e afins não são bem vindos. Enrolar e acender um palheiro é um teste da determinação dos rapazes da segurança em cumprir estas regras. “Com todo respeito, companheiro, mas isso aí na sua mão é maconha?”
Além de uma questão interna, o acampamento tem a presença constante de duas viaturas da polícia na entrada. É reclamação entre os acampados que a presença da polícia fazia parte do acordo de desocupação do entorno da Superintendência da PF, entretanto, eles garantem que o policiamento só passou a ser realizado após o atentado.

Um retirante que virou ideia e estampa de camiseta

Nasceu menino pobre, na seca do sertão pernambucano, o líder que atrai essa multidão. Migrou para São Paulo com a mãe e irmãos em um pau de arara. Virou trabalhador, metalúrgico, liderança sindical, fundador do PT e incansável candidato do partido ao Planalto, nas eleições de 1989, 94 e 98, foi eleito presidente e “the guy”, segundo o então presidente americano Barack Obama. Depois tornou-se réu, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no famoso “caso do triplex” e preso, em um processo ágil como poucos no Judiciário brasileiro. E sua imagem não para de crescer.
Lula se converteu em uma ideia, segundo ele mesmo. Mas se converteu também na única esperança daquelas pessoas que se concentram em Curitiba em garantir os direitos que julgam terem sido rapinados pelo atual governo. Lula virou também ícone pop, com seu rosto estampando camisetas, qual um Che Guevara.

Mais de mil refeições em uma cozinha improvisada

José Luzardo Cruz Brum, gaúcho de santa Maria, é um dos responsável pela alimentação do acampamento

Após o acordo de retirada dos acampados junto ao local da vigília, próximo à PF, o acampamento Marisa Letícia ficou servindo de base de apoio aos que passam o dia na praça Olga Benário dando bom dia, boa tarde e boa noite ao ex-presidente e pontuando toda e qualquer frase com “Lula livre”.
São centenas – às vezes mais de mil – pessoas para comer. Para tal, há aqueles que não participam da vigília, não presenciam os discursos ali proferidos, nem gritam bom dia ao ex-presidente na esquina da PF. São os da retaguarda, os tarefeiros que fazem o acampamento funcionar.
José Luzardo Cruz Brum, gaúcho de santa Maria é um destes. Responsável pela alimentação do acampamento, Cruz, como é conhecido, coordena uma cozinha com mais quatro voluntários, que se revezam.
Ali são preparados e consumidos todos os dias 50 kg de arroz, 30 kg de feijão, 15 kg de café, os ingredientes mais frequentes. Com o agravante de nunca se saber ao certo quantas pessoas vão parecer na hora da refeição. Cruz nunca foi cozinheiro profissional. Aprendeu a cozinhar neste sistema de enormes quantidades quando serviu ao Exército Brasileiro durante oito anos. Recebeu a tarefa da coordenação e acatou de pronto.
São dois fogões industriais trabalhando sem folga sob a cobertura de uma tenda e lonas. Ao fundo, a despensa, formada com doações trazidas pelos movimentos que compõem o acampamento e por militantes avulsos.
Cruz está acampado desde o primeiro dia, veio a Curitiba “pela causa, pelo Lula e pela falecida” e se emociona ao citar o nome de Marisa.
“Esse acampamento não para. Se você fizer um encontro em Tocantins para um grupo debater política e a situação do Lula, Marisa Letícia vai estar lá. Ele é o começo de uma imensidão, de uma história. Onde Lula for, Marisa vai.”

 

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