Assis Hoffmann tinha 17 anos e era auxiliar do fotógrafo da sucursal do jornal Última Hora, em Caxias do Sul.
Um dia o fotógrafo saiu mais cedo, coube ao auxiliar empunhar a velha rollei, quase do tamanho de um paralelepípedo, para cobrir um evento político no cinema principal da cidade.
Era uma palestra do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Deveria ser um comício, mas a polícia, temendo conflito, restringira o evento a recinto fechado.
Mesmo assim, quebrou o pau logo no início: grupos anticomunistas açulados por padres católicos invadiram o cinema e atacaram os integrantes da mesa na hora em que Prestes começava a falar.
Assis Hoffmann estava chegando com sua rollei quando a pancadaria começou.
Ao contrário da maioria, inclusive os jornalistas, que procuravam se afastar do conflito, o novato se meteu no meio, onde rolavam socos, pontapés, cadeiradas. Até uma faca ele flagrou na mão de um padre.
A sequencia de fotos que cobriu a capa da Última Hora no dia seguinte marcou a entrada de Assis Hoffmann no aguerrido time de repórteres-fotográficos da UH, que na época revolucionava o pasmacento jornalismo em Porto Alegre.
Ali naquelas fotos de principiante já estava o seu DNA profissional – fotógrafo dentro da cena, em cima do fato.
Era o ano de 1959, era o início das agitações que culminariam em 1964, um tempo do qual Assis Hoffmann se tornaria um testemunho indispensável – as cenas da Legalidade, a visita de Lacerda a Porto Alegre às vésperas do golpe _ quando ele, fotografando no meio da pancadaria, atraiu a ira dos homens do Choque e acabou estendido no chão, desmaiado, com a rollei pendurada no pescoço.
O desembarque de Goulart em Porto Alegre na madrugada de 2 de abril de 1964. O governo ruindo. Jango na pista do aeroporto, tenso, fumando, com sua perna claudicante, é a imagem acabada de um presidente acuado.
O flagrante do delegado Luiz Fleury, em 1971, no auge do terror da ditadura, do qual ele era a face até então oculta. “Fleury!”, ele gritou quando viu o delegado já entrando no setor de embarque do aeroporto Salgado Filho. Fleury se virou e ele disparou a rollei. “Seu filho da puta…”, o delegado queria esganá-lo.
“Me dá esse filme”. Enquanto a máquina rebobina, ele pega um filme virgem no bolso. Abre a máquina, faz que retira o filme e entrega o outro,virgem, para o delegado que corre para o embarque. A foto, publicada na Veja, é uma das poucas que existem de Fleury nesse período.
Recupero de memória esses episódios que envolvem Assis Hoffmann. São coisas que ouvi dele, outras que presenciei nas muitas vezes em que trabalhamos juntos. E que me ocorrem no momento em que fico sabendo de sua morte.
Para Assis Hoffmann não importava o jornal ou a revista para o qual estava trabalhando. Seu alvo era sempre o mesmo: a foto, aquela que continha a síntese da notícia.
Pela seriedade, pelo rigor, pelo senso de responsabilidade com que desempenhava suas tarefas, ele se tornou um líder. O fotógrafo de jornal era até então uma categoria subalterna, desmerecida, o retratista.
Assis via na frente, a imagem como testemunho, a fotografia como notícia, o fotógrafo como um profissional do jornalismo. Não por acaso, das equipes que formou, saíram alguns dos maiores fotógrafos do jornalismo brasileiro.
Assis Hoffmann, o fotógrafo dentro da cena
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Comentários
2 respostas para “Assis Hoffmann, o fotógrafo dentro da cena”
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Assis foi uma legítima testemunha ocular da História. Basta lembrar que foi um dos cinco repórteres que viajaram de Montevideo a Porto Alegre, em setembro de 1961, no vôo em que o vice-presidente Jango Goulart voltou ao território nacional depois da renúncia de Jânio Quadros. Quem eram os outros jornalistas naquele DC-3? Cobras como Carlos Castello Branco, o Castellinho, já então uma lenda no JB do Rio. Assis tinha então 20 anos. Um ano depois já era chefe do departamento fotográfico do jornal em que trabalhava, se não me engano o Correio do Povo, onde não hesitava em suspender os colegas relapsos. “Três dias de gancho pra ti, nego veio!”, disparava ele, ao vivo, antes de mandar o papelzinho para o Dep Pessoal. Foi assim, como chefe durão, que ele se impôs num meio tocado por um misto de boemia e deixa-pra-lá. Em pouco tempo se fez respeitar pelos veteranos do ofício. A fotografia era a sua linguagem. Assis falava pouco. Certa vez me contou que não conheceu o pai, um sargento de fronteira de quem herdou o nome, com o acréscimo intermediário de um Valdir que só constava em seus documentos. A partir dos 2 anos, morou com a avó materna e um tio surdo e mudo, sua principal referência masculina até a adolescência, quando passou a morar com a mãe em Porto Alegre (por pouco tempo, pois fugiu de casa e acabou voltando para Santiago, onde fez o serviço militar). Importante é que o irmão Edilson Hoffmann trabalhava na imprensa e tanto escrevia como fotografava para uma coluna sobre a vida noturna da capital. A máquina fotográfica do irmão foi o primeiro instrumento de trabalho de Assis. O resto está na memória dos veteranos da imprensa de Porto Alegre. Falta agora juntar o extraordinário acervo fotográfico dele num álbum que tem tudo para ser o retrato de uma época no Sul.
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Assis na cena, Ilustrou a capa do livro do Jefferson, estirado no centro de Porto Alegre depois de ter levado uma surra da policia quando cobria uma manifestação para a Última Hora.

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