Babel on line: comunicação digital e capitalismo

Geraldo Hasse
Quando a TV chegou ao Brasil, décadas atrás, alguém tentou vender um televisor a um próspero agricultor, homem razoavelmente bem informado, assinante de jornais e radiouvinte contumaz.
Meio de má vontade, já sabendo que o novo brinquedo tecnológico começava a ornar a sala dos ricos da cidade, o bom homem rural aceitou ir a uma loja.
Diante do caixote luminoso, foi informado de que era preciso dispor de uma certa infraestrutura para usar o aparelho: uma mesa perto de uma tomada de luz e – o mais difícil – uma antena no telhado, para captar as imagens.
Naquele horário vespertino, na loja, clientes e vendedores podiam assistir a um filme no principal canal disponível. Em outro canal, rolava uma novela, mas a imagem estava com chuviscos. Na terceira emissora, arrastava-se um xaroposo programa de estúdio.
O agricultor ficou decepcionado:
– Se a televisão é só isso, não me interessa.
O vendedor e outras pessoas presentes lhe perguntaram qual era sua expectativa em relação à novidade. Ele explicou:
– Me falaram tanto da TV que eu imaginei assim: a gente vai girando um botão e escolhe um programa. Pode ser a paisagem de um país distante, uma partida de futebol, uma corrida de cavalos, um filme, uma orquestra, um programa de notícias e assim por diante – tudo muito rico e mais variado do que um cinema, mas de acordo com meu desejo, não com a vontade da estação de TV.
Encurtando o causo, o agricultor morreu com mais de 80 anos em 1994, o ano em que a internet entrou timidamente no Brasil. Portanto, ele não teve a oportunidade de acompanhar o que vivenciamos hoje em dia: boa parte do mundo está conectada, é como se vivêssemos numa torre de Babel em que as pessoas (as que podem, claro) se comunicam e se entendem, ou brigam.
Imaginemos aquele agricultor, hoje centenário, diante de um moderno televisor ligado num provedor de TV a cabo e zapeando à vontade entre uma centena de canais de TV. Será que ele se sentiria satisfeito e realizado por poder ver tantos filmes, e jogos, e jornais, e musicais, e programas de aventuras nas paisagens mais exóticas?
Simplificando, podemos dizer que chegamos perto do ponto imaginado pelo agricultor de nossa história. De uma forma ou de outra, hoje podemos desfrutar de facilidades semelhantes àquelas imaginadas meio século atrás por nosso matreiro personagem.
Fruto do casamento da informática com a telecomunicação, a internet revolucionou a vida moderna.
É claro que é preciso dispor de certa infraestrutura técnica, mas basta acionar o mouse de um computador ou as teclas de um controle de TV ou de um telefone celular para ter acesso a 1001 imagens de diversas partes do mundo.
Fácil e divertido, não? Barato não é, mas o que é barato no mundo moderno? (Um cafezinho no bar da esquina custa mais do que um quilo de açúcar no supermercado).
Muito mais rápida no gatilho do que jornais e revistas, a internet não é apenas um meio de comunicação. É uma ferramenta de múltipla utilidade e com alta capacidade de interação com as fontes de informação e a massa de internautas.
O meio que mais se aproxima da mídia digital, em rapidez, é o rádio, mas a este falta a imagem, o grande trunfo da televisão, naturalmente mais lerda porque depende do deslocamento de equipamentos pesados e equipes numerosas. E de patrocínios consistentes. A infraestrutura que garante a qualidade das imagens/palavras está montada.
O que importa lembrar aqui é o seguinte: diante do avassalador poder de comunicação dos meios digitais, as emissoras de rádio e TV, os jornais e revistas reduziram seu raio de investigação, contentando-se em ser instrumento de lobbies que se especializaram na produção de dicas, dossiês e releases – tudo com um viés substancialmente mercantil.
Esse perfil comercial, submisso a quem paga mais, transformou a maioria dos profissionais da comunicação em meros serviçais acríticos e aéticos.
De uma forma ou de outra, como refletiu o agricultor de nossa história, todos nós consumidores/usuários continuamos submissos à vontade dos donos dos meios de comunicação.
Mas não é somente aí que mora o perigo.
O perigo maior está na cartelização e na oligopolização dos meios de comunicação. Em alguns países, essas deformações são proibidas por lei. Em outros, caso do Brasil, a própria mídia dominante argumenta que controlar a (de)formação de redes tentaculares seria impor a censura e ferir a liberdade de expressão.
O governo se intimida e não ousa propor nada. E segue o baile dirigido pelos grupos que transformaram a comunicação social num negócio altamente rentável. O interesse público foi colocado de lado.
Bem ou mal, enquanto os profissionais da comunicação de massa seguem manuais técnicos e códigos morais que têm como norte o compromisso com os valores democráticos e os direitos humanos, os donos dos negócios midiáticos estão severamente subordinados ao pensamento único ditado pelas leis do mercado ou, seja, “para vender mais, fazemos qualquer negócio”.
Veja, a propósito, o que escreveu em seu último artigo na Carta Maior o ensaista Emir Sader: “O estilo de consumo ‘shopping  center’ se globalizou de maneira aparentemente avassaladora. É uma espécie de ponta de lança do neoliberalismo, materializando seu principio geral, de que tudo é mercadoria, tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra”.
Sim, sempre houve um conflito entre a liberdade de expressão dos comunicadores profissionais e a necessidade de sobrevivência material dos empreendimentos midiáticos, mas nunca talvez na história da humanidade se viveu uma crise tão intensa e larga como a atual. Nesse contexto, o vigor da mídia digital é enganoso.
O estar conectado (ao mundo digital) é uma espécie de droga. Quem se sujeita à conexão permanente por meio dos diversos instrumentos de comunicação digital está inexoravelmente submetido às pautas do mercado, que se orienta pela razão mercantil.
O mercadejar insano que acompanha todos os movimentos em torno da modernização tecnológica conspira contra a vida em harmonia com a natureza, entendida como um contato amigável com animais, vegetais, terra, mar e ar.
Observe como muitas pessoas se tornaram, mais do que usuárias, dependentes, viciadas em aparelhos digitais, que servem à comunicação pessoal mas estão infiltrados por mil estratégias de mercantilização.
Esses instrumentos diabólicos que condensam telefonia, informática, eletrônica, máquina de escrever, canal de correio e notícias, aproximam as pessoas distantes e isolam quem está próximo.
Em qualquer lugar, podemos ver diversas pessoas juntas fisicamente, mas dispersas espiritualmente, graças ao uso das vias digitais disponíveis.
Até na rua as pessoas caminham de olho nos seus aparelhinhos de comunicação digital, buscando nutrir-se de informações superficiais e apressadas.
Aparentemente, a alienação sustentada pela mídia alimenta a robotização das pessoas. Tem-se a impressão de que a rede mundial de computadores assumiu efetivamente a liderança do processo de comunicação de massa, sobrepondo-se aos meios tradicionais – jornais, revistas, rádio, TV.
Está pendente de confirmação o vaticínio segundo o qual os meios impressos (jornal, revista, livro) vão morrer nas garras da mídia eletrônica, mas a verdade é que, atualmente, a comunicação de massa parece depender mais do tiroteio vigente na rede mundial de computadores do que da modorra dos meios convencionais de informação.
Diante dessa parafernália midiática, o que diria o agricultor da nossa história? Acredito que ele juntaria suas tralhas de pesca e diria:
“Minha gente, tô sartando fora!”
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Para mim a política é a luta para que a maioria das pessoas tenha uma vida melhor. Viver melhor não é apenas ter mais: é ser feliz, e isso tem a ver com as carências materiais, mas também com outras coisas.”
Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, que continua usando um fusca 1973 e morando numa chácara nos arredores de Montevidéu.

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