Unhas encravadas

Com a posse do novo governo federal, nada muda além dos nomes nos ministérios. Talvez nem a esperança se salve, pois continuamos às voltas com velhos problemas que tendem a se confundir com os escândalos emergentes.

O mais grave deles, por enquanto, é a denúncia de malversação de salários de servidores por um assessor do deputado carioca herdeiro do capitão-presidente, que assume com os pés atados, embora absolvido por seu  “estado maior”.

Segundo um dos generais-conselheiros do novo presidente, a apropriação de salários de servidores-fantasmas pode ser uma contravenção tolerável, dado seu baixo valor.

Tamanha complacência com “um dos nossos” traz à memória a frase atribuída a De Gaulle: “O Brasil não é um país sério”, uma generalização ofensiva às pessoas éticas.

Até prova em contrário, a corrupção continua liderando a lista de problemas que nos próximos anos haverão de atormentar corações e mentes de homens e mulheres livres e conscientes deste país. Assim, para que ninguém se esqueça, eis a lista das unhas encravadas do Brasil contemporâneo:

I – A corrupção e o mau uso das verbas públicas

II – O desmazelo ambiental sob a égide do Agronegócio, comandado pela indústria química globalizada

III – A manutenção das desigualdades sociais e econômicas como fonte da violação dos direitos humanos, civis, trabalhistas e previdenciários

IV – A ascensão do voluntarismo do Ministério Público e a letargia do Supremo em face da progressiva invalidez da Constituição de 88

V – A virose fascista em vários segmentos da sociedade

VI – A contaminação do parlamento pelo fundamentalismo religioso

VII – O desemprego, matriz da drogadição, da miséria e da violência

VIII – O agravamento do entreguismo com a subordinação desavergonhada aos interesses dos EUA

LEMBRETE DE OCASIÃO

“A agenda de Bolsonaro, alinhada a Washington, inclui privatizações de setores estratégicos de energia com a privatização da Embraer e entrega de bacias do pré-sal”.

Trecho de resolução do PT divulgada no início de dezembro de 2018.

Produtores de melato também querem certificado de origem

No rastro de apicultores do lado gaúcho dos Campos de Cima da Serra, que iniciaram em 2018 uma campanha para obter o selo de indicação geográfica do mel branco, apicultores e técnicos do Planalto Catarinense começaram a trabalhar recentemente para obter o selo de indicação geográfica do melato.

Melato é fabricado pelas abelhas a partir da secreção da caule da bracatinga (Mimosa scrabella), árvore das matas de galeria do Sul do Brasil e que ocorre desde a porção norte da região metropolitana de Porto Alegre até o leste paulista e regiões de altitude de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, incluindo o interior catarinense e o planalto de Curitiba.

Boa fonte de lenha e carvão, a bracatinga é tradicionalmente usada em pequenas propriedades rurais do Sul do Brasil para recuperar áreas degradadas, mas somente agora tem sido valorizada pelo valor valor nutricional do melato.

Segundo Áquila Schneider, agrônomo da Epagri, empresa de pesquisa agrícola que coordena a campanha catarinense, o mel da bracatinga é pouco apreciado pelos consumidores brasileiros porque contém menos açúcar do que os méis florais em geral.

Em compensação, por ser rico em aminoácidos e sais minerais, é muito valorizado na Alemanha, o maior mercado importador desse mel escuro, cuja viabilidade comercial depende, exclusivamente, da manutenção de um ecossistema de baixa temperatura próprio do bioma da Mata Atlântica.

Além da Epagri, trabalham na campanha o Sebrae e a Universidade Federal de Santa Catarina, que vem pesquisando as qualidades medicinais do melato. Recentemente, associou-se ao projeto da IG do melato a Apicampos, de São José dos Ausentes (RS), que lidera a campanha pelo registro agroindustrial do exclusivo mel branco, produzido pelas abelhas a partir das flores (brancas) da carne-de-vaca, da gramimunha e do guaraperê, três árvores típicas dos Campos de Cima de Serra, tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina.

Após o cumprimento de todas as etapas de certificação dos dois produtos da apicultura do Sul, os dois selos – do mel branco e do mel escuro – podem ser concedidos em 2020 pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Pampa já perdeu 20% da sua vegetação nativa com avanço da soja e da silvicultura

O pampa riograndense perde vegetação nativa e está crescentemente acuado pelo avanço das lavouras de soja, que usam insumos sem controle, principalmente venenos nocivos à fauna e à flora.
Essa foi a síntese de um conjunto de quatro palestras de especialistas da UFRGS sobre o bioma Pampa que representa 2% do território brasileiro e ocupa 60% do Rio Grande do Sul.
Henrique Hasenack, do Departamento de Ecologia da UFRGS, baseado em levantamentos feitos desde 1985 pelo satélite Landsat, disse que nesses 33 anos, o território pampeano perdeu 20% de suas formações campestres, enquanto houve crescimento de 27,7% nas áreas de lavouras e de 2% em silvicultura.
Realizado na tarde de segunda (17) no auditório do Centro Cultural da UFRGS, o encontro denominado Pacto pelo Pampa atraiu cerca de 80 pessoas entre estudantes, professores, agrônomos e produtores rurais.
Diante da constatação generalizada de que a população e as entidades regionais ignoram o que os estudos científicos vêm revelando sobre a degradação paulatina do Pampa, o botânico Paulo Brack encerrou o evento convocando os presentes a participar de uma nova reunião em março.
Nesse mês o Departamento de Ecologia da universidade pretende reiniciar o movimento em defesa da recuperação do principal bioma gaúcho, que se estende ainda por quase todo o Uruguai, por boa parte da Argentina e um pedacinho do Paraguai.
“Nós precisamos parar de falar somente para nós mesmos”, exclamou Brack, salientando que nos últimos dois anos, após o golpe civil,  houve um retrocesso no tratamento das questões ambientais e “agora sabemos que vai piorar”.
Para evitar o agravamento da situação, os estudiosos e técnicos que se manifestaram no debate final enfatizaram a necessidade de união de todos no sentido de defender a legislação vigente e impedir sua destruição.
O QUE DISSE CADA UM
Eduardo Vélez, do Instituto Curicaca, apresentou um quadro atualizado das áreas prioritárias para a biodiversidade no bioma Pampa.
São 516 “alvos”, destacando-se 291 plantas, 52 espécies de peixes, 43 aves, 23 mamíferos e 19 répteis, entre outras espécies menos numerosas. Os “custos” que mais concorrem para reduzir a biodiversidade são a agricultura, a silvicultura, hidrelétricas, estradas e urbanização.
Henrique Hasenack, do Departamento de Ecologia da UFRGS, baseou-se em levantamentos feitos desde 1985 pelo satélite Landsat que, nesses 33 anos, o território pampeano perdeu 20% de suas formações campestres, enquanto houve crescimento de 27,7% nas áreas de lavouras e de 2% em silvicultura.
“No total, a perda de vegetação nativa foi de 600 mil hectares por década”, concluiu, lembrando que 10% do território riograndense são ocupados por água, a começar pela Lagoa dos Patos. Essas informações podem ser capturadas no site mapbiomas.org
Carlos Nabinger, da Agronomia da UFRGS, especialista em produção pecuária em campos nativos, afirmou que “as tecnologias de processos devem anteceder o uso de insumos”. Com isso, ele quis dizer que é preciso aprofundar o conhecimento que se tem sobre os “serviços ecossistêmicos” oferecidos pelo bioma Pampa antes de usar a terra ao bel prazer do proprietário.
Segundo estudo de 2014 realizado por Robert Costanza, os serviços ecossistêmicos somam US$ 125 trilhões a US$ 145 trilhões anuais no mundo inteiro. Para dar uma ideia dos recursos naturais envolvidos nesse trabalho invisível e desprezado pela maioria das pessoas, Nabinger lembrou que o Pampa contém 3 mil espécies de plantas (mais de 600 forrageiras), 480 espécies de aves, 92 mamíferos, 84 anfíbios e répteis – isso sem falar da mesofauna, da microfrauna e da microflora.
As tecnologias de processos citadas acima referem-se a conhecimentos auferidos na gestão de pastagens para engorda de bovinos. Em 30 anos, a tecnologia acumulada pela UFRGS evoluiu de uma produção de 60 quilos de carne por hectare/ano para 140 kg apenas com ajuste de carga bovina, para 230 kg com manipulação da estrutura das pastagens e para 340 kg com o plantio de forrageiras. Pode-se chegar a 900 kg/ha/ano com sobressemeadura de pastos de inverno e a 1200 kg com irrigação e fertilização. Apenas uma elite de pecuaristas vem aplicando esses conhecimentos.
Para avançar, segundo Nabinger, é preciso: 1) estabelecer uma política de pagamento de serviços ambientais; 2) estabelecer um ordenamento territorial e não, apenas, um zoneamento agroecológico.
Gerhard Overbeck, da UFRGS, perguntou qual área do Pampa está sendo recuperada para que o Brasil cumpra a promessa de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, conforme o chamado Desafio de Bonn, assumido pelo governo Dilma Rousseff.
Pelo que se sabe, nenhum pedaço do Pampa está oficialmente inserido no programa de restauração da vegetação nativa.
Ao mostrar fotos de áreas degradadas por queimadas após o corte de áreas de pinus, ele lembrou que a restauração ecológica do bioma Pampa é dificultada pela falta de sementes de espécies nativas.
Nos debates finais, alguns presentes, entre agrônomos e produtores rurais, manifestaram-se preocupados com o avanço da soja em campos nativos. Na região de Aceguá, ficou provado que os solos são inadequados para o cultivo da leguminosa.
Um representante da Agapan lamentou a volta do uso do herbicida 2.4.D, que fora proibido há 35 anos, no início da vigência da lei dos agrotóxicos.
O professor Miguel Dallagnol, da Agronomia, afirmou que os cientistas precisam mudar a estratégia de comunicação sobre a degradação do bioma Pampa. Uma medida importante será a produção de sementes de vegetais nativos.
Outro associado da Agapan, fotógrafo profissional em Santa Maria, fez um desabafo sobre a atuação de sojicultores em Santiago e em Lavras do Sul, onde, segundo ele, “os pesquisadores estão tremendo a perna” diante de uma mineradora que se prepara para explorar o vale do rio Taquarembó .
 
 

Falhas e virtudes

A situação do Partido dos Trabalhadores lembra o desabafo do veterano treinador de futebol acusado de erros numa partida decisiva, após uma campanha muito bem sucedida. Na sua linguagem muito peculiar, o treinador defendeu-se nos seguintes termos:
“Minhas faia todo mundo vê, mas minhas virtude ninguém reconhece”.
Como o PT até agora não fez a autocrítica cobrada por adversários e até por militantes, é provável que a sigla continue sangrando em praça pública até que algum dia cicatrizem as chagas que suscitaram o movimento político responsável pelo impedimento da presidenta Dilma, a posse do vice Michel Temer (MDB) e a eleição do ex-capitão Bolsonaro (PSL).
Sendo penosa e demorada a cicatrização, seria então recomendável que o partido fizesse o “mea culpa”, jogando companheiros e aliados na fogueira? Ou será melhor deixar que cada um se defenda das acusações levantadas aqui e ali?
A julgar pela atitude de sua direção, o partido deve continuar negando que tenha cometido deslizes eleitorais, políticos ou administrativos. Isso fica bastante claro pelo comportamento do ex-presidente Lula e do ex-ministro Zé Dirceu, que se declaram inocentes ou, pelo menos, não culpados.
O único figurão a destoar dessa linha de defesa foi o ex-ministro Antonio Palocci, que assinou acordo de delação em que acusou Lula de orientar a distribuição de propinas originárias de contratos da Petrobras. Das grandes figuras do partido, só escapou da lama até agora o nome da ex-presidenta Dilma. Providência que parece estar a caminho.
Sabemos que a opinião pública costuma relativizar as declarações dos partidos e dos políticos, mas ainda não se acostumou a lidar com a atuação de outras instâncias públicas – o Ministério Público, a Polícia Federal e o Judiciário – e o ativismo dos meios de comunicação, especialmente os mais modernos, pendurados na Internet e articulados com os antigos: jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV.
É nesses terrenos sensíveis que o PT, junto com os outros partidos citados como aliados ou cúmplices, vem perdendo a batalha da credibilidade. Em sua última manifestação oficial, no início de dezembro, a direção do partido continuou se colocando como vítima de uma conspiração.
Não se pode negar que haja fundamento nessa linha de argumentação ou, seja, que Lula estaria na cadeia para pagar malfeitos alheios, sendo portanto um refém, um bode expiatório ou uma espécie de prisioneiro político, mas está provado que só isso não basta para libertá-lo.
No fundo o PT está no purgatório, chorando o banimento do paraíso e declarando-se alvo de uma trama urdida por uma aliança de funcionários públicos, políticos, empresários e jornalistas.
Na nota oficial distribuída dias atrás, a direção do PT afirma que “setores que dirigem o judiciário criminalizaram a própria política”, ao caracterizar o partido como uma organização criminosa.
Em outras palavras, o PT admite que a atividade política em geral, no Brasil, tem caráter criminoso. É uma acusação indireta a outros partidos e aos políticos em geral, categoria a quem acaba de se alinhar o ex-juiz Sergio Moro, que abandonou o Judiciário para ocupar o cargo de ministro da Justiça no futuro governo Bolsonaro.
Se bem entendida, a afirmação do PT sugere que o partido estaria disposto a admitir erros, desde que outros façam o mesmo. Com essa atitude defensiva, mais e mais o partido se imobiliza.
LEMBRETE DE OCASIÃO
(ditado latino)
Inops, potentem dum vult imitari, perit
(A desgraça do pobre é querer imitar o rico).
 

O alerta das abelhas

“Estamos pagando uma conta que não é nossa”, desabafou Aldo Machado, presidente da Cooperativa dos Apicultores do Pampa (Coapampa) e coordenador da Câmara Setorial de Abelhas, Produtos e Serviços da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul.
Junto com outros convidados, ele havia passado dois dias em um “diálogo participativo” promovido pelo Sindiveg – Sindicato da Indústria de Defensivos Vegetais, entidade que tergiversa sobre a responsabilidade dos agrotóxicos na mortandade de abelhas melíferas no interior gaúcho.
Ao explicar sua queixa-desabafo, Machado chegou a dizer que “o diálogo participativo é um engodo”, uma forma de ganhar tempo enquanto a cadeia de negócios da indústria agroquímica continua promovendo a chuva de agrotóxicos principalmente sobre as lavouras de soja, uma planta que só produz o que dela se espera se lhe forem dadas doses crescentes de “defensivos vegetais”, alguns aplicados sob a forma de coquetéis de drogas fatais para diversos seres vivos.
As vítimas mais imediatas têm sido as abelhas melíferas, um problema nacional que se tornou agudo no Pampa, onde as lavouras de soja vêm ocupando áreas de pastagens e de terras baixas tradicionalmente usadas por arrozeiros.
Embora não esteja estruturada em bases contábeis convencionais, pois é praticada por uma maioria de agricultores familiares que a exercem como fonte complementar de renda, a apicultura possui uma crescente vanguarda profissional voltada principalmente para a exportação de mel.
Se o produto não estiver de acordo com as normas internacionais de sanidade apícola, não embarca no navio ou será devolvido pelos países importadores.
É aí que mora o perigo: um dos melhores méis do mundo, valorizado pela diversidade de fontes apícolas, está ameaçado de ser vetado nos grandes mercados do Hemisfério Norte.
O que tem acontecido no interior gaúcho configura um quadro assustador que se repete toda primavera:
1) ao colher néctar e pólen de flores contaminadas por venenos agrícolas, algumas abelhas se desorientam e não voltam a seus ninhos, morrendo no campo;
2) outras voltam mas morrem do lado de fora das caixas;
3) ao processar o néctar e o pólen contaminados, as abelhas remanescentes podem provocar o colapso das colmeias por falta de alimento puro para as crias, que morrem e apodrecem nas caixas.
Em 2017, o apicultor Aldo Machado (citado acima) perdeu mais de 500 caixas, algumas já carregadas de mel.
Uma caixa com enxame saudável e caixilhos com cera alveolada, em início de temporada, custa R$ 200 para ser colocada no campo; na colheita, estando cheia de mel, pode ter valor duplicado ou render mais ainda, a depender das floradas e das condições climáticas.
Pequeno ou grande, o apicultor pode repor rapidamente as colmeias perdidas, mas não tem como recuperar o prejuízo causado pelo colapso das colônias de abelhas destruídas pelas agrodrogas.
O terror dos grandes apicultores-exportadores é que o mel produzido pelas colmeias sobreviventes saia dos apiários e das agroindústrias processadoras contendo traços de agrotóxicos da categoria dos neonicotinóides, dos quais o mais assustador é o fipronil, ingrediente-chave de inseticidas usados na sojicultura.
Se algo desse tipo for detectado em exames físico-químicos, o mel perderá a validade para exportação. Apenas o Rio Grande do Sul exporta uma média de US$ 7 milhões por ano.
Sem contar os prejuízos financeiros, que nem são calculados pois não há a quem reclamar ou apresentar “a conta”, o que mais dói nos criadores de abelhas é a reiterada falta de respeito.
Os apicultores constituem o elo mais fraco da cadeia do agronegócio, cujo carro-chefe é exatamente a soja, que lidera a produção de grãos e exerce influência fortíssima na produção de carnes, na agroindústria e na logística de exportação.
Aos sojicultores estão ligados umbelicalmente:
1) os fabricantes de sementes e de pesticidas, hoje integrados em poucos grupos econômicos globais;
2) os fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, também concentrados em poucas marcas;
3) os revendedores de insumos agropecuários (1.500 lojas apenas no Rio Grande do Sul);
4) os prestadores de serviços de aviação agrícola;
5) os proprietários rurais que arrendam suas terras para profissionais da agricultura mecanizada;
6) os sindicatos rurais e suas respectivas federações.
Diante desse poderoso exército atrelado ao modelo norte-americano de agricultura, não é difícil entender a situação do elo mais fraco. Começa que a maioria dos apicultores depende da boa vontade dos proprietários rurais em ceder áreas para a instalação de apiários.
Nem todos gostam de abelhas ou de apicultores, muitos não dão valor ao mel ou à polinização executada pelas abelhas e alguns menosprezam a chance de receber 10% da produção de mel obtida em suas terras.
Mesmo que instalem seus apiários dentro de matos ou beiradas de córregos, os apicultores sabem que as abelhas podem chegar a locais pulverizados por inseticidas, pois voam até três quilômetros de casa, à procura de flores. Aí começa o problema.
Além do poder tóxico dos pesticidas, o maior perigo após a pulverização é a deriva, isto é, o produto químico jogado de avião ou de máquinas terrestres que se desloca levado pelo vento para áreas vizinhas, atingindo vegetação nativa e contaminando pequenos cursos d’água.
Há registros de que a deriva pode levar veneno a 15 quilômetros.
Em São Gabriel, onde se cultivam grãos como arroz e soja, exames em abelhas mortas constataram que elas não se contaminaram diretamente numa lavoura, mas ao coletar água (contaminada por agrotóxico) de uma sanga situada a seis quilômetros da plantação mais próxima.
Isso indica que o problema está mais generalizado do que parece. E já chegou a instâncias oficiais como o Ministério Pùblico, mas não há sinais de solução porque há um jogo de tirar o corpo fora e lavar as mãos.
O apicultor prejudicado pode reclamar às inspetorias veterinárias estaduais, obter um laudo toxicológico num laboratório público ou privado e entrar com uma reclamação judicial contra:
a) o agricultor que mandou aplicar o agrotóxico;
b) a empresa de aviação que prestou o serviço;
c) o técnico que receitou o produto;
e) o revendedor de insumos agropecuários;
f) o fabricante dos venenos.
Parece fácil, mas não é: “Se eu processar um agricultor ou fazendeiro que matou minhas abelhas, no dia seguinte todos os vizinhos dele vão pedir para eu tirar meus apiários das terras deles”, diz Aldo Machado, o apicultor citado no início deste texto.
Os apicultores estão presos dentro de uma engrenagem perversa. Se correr o veneno pega, se ficar o veneno come.
É um círculo vicioso que não apenas reduz a produção de mel, mas compromete a manutenção da biodiversidade, pois as abelhas exercem um papel fundamental na polinização da flora nativa e de lavouras e pomares.
“Sem abelhas, sem alimentos”, diz o slogan de uma campanha em curso no Brasil. O biólogo brasileiro Lionel Gonçalves, que se aposentou em Ribeirão Preto e foi dar consultoria à Universidade Rural do Rio Grande do Norte, para ajudar produtores de melão (fruta dependente da polinização por abelhas), criou uma organização não governamental chamada Bee Or Not To Be, numa referência direta à frase Ser ou Não Ser, de Hamlet, de Shakespeare.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais quatro anos de vida. Sem abelhas, não há polinização. Ou, seja, sem plantas, sem animais, sem homens”. Albert Einstein (1879-1955)

Projeto fomenta a produção de mel nas plantações de eucalipto

A Favos do Sul, parceria da Celulose Riograndense com a Zapata
Consultores, reuniu nesta quinta (6) em Butiá, a 80 km de Porto Alegre,
meia centena de apicultores a quem foram apresentadas as mudanças no
fomento apícola nos eucaliptais da região carbonífera, onde se localiza
hoje a maior concentração de cultivos da árvore-base da produção de
celulose em Guaíba.
Segundo a mudança, em vigor a partir de 2019, a Celulose cederá os 290 mil hectares de eucaliptos disponíveis no território gaúcho para que a Zapata contrate a instalação de tantos apiários quantos couberem à razão de uma colmeia a cada dois hectares,
índice extremamente conservador, já que se considera razoável a
colocação de duas a cinco caixas por hectare.

Não há prazo para atingir o potencial de 145 mil colmeias, com o que os
eucaliptais industriais passariam a responder por 30% da atual produção
de mel do Estado.
É possível chegar lá, afirma Gustavo Zapata, líder da
empresa que assumiu a gestão da apicultura em nome da Celulose. Agrônomo
uruguaio, Zapata é consultor apícola da Celulose Riograndense e da
Fibria, com sede em São Paulo; são seus sócios o contador Marcelo Porto,
responsável pela parte administrativa; e o técnico agrícola Atilio
Lopes, gestor das áreas de manejo apícola, que já trabalhava com
silvicultura antes de se aposentar, um ano atrás, na Celulose Riograndense.
Animado com a mudança, o trio de gestores está cobrando dos apicultores
“foco na oportunidade” e “responsabilidade na parceria”. Foram esses os
pontos dominantes da reunião de Butiá. “O cavalo encilhado está
passando”, disse Lopes, enquanto respondia a dúvidas dos apicultores
sobre as regras das parcerias — da Celulose com a Zapata Consultores e
desta com cada um dos donos dos apiários, que terão sua localização
determinada por GPS.
Atualmente, há 9 mil colmeias nos hortos da Celulose, ocupação que
corresponde a 7% do potencial produtivo dos eucaliptais da empresa. A
meta para 2919 é chegar a 15 mil colmeias e, para 2020,  a 25 mil
caixas. Também se espera o aumento do rendimento anual situado na faixa
de 17 quilos de mel por colmeia.
As regras são elementares: as abelhas não devem ser colocadas junto às estradas de serviços e precisam ser removidas com antecedência dos talhões a serem colhidos e das áreas de plantio.
A segurança será intensificada para evitar furtos de mel e
danos às caixas. Em 2018, foram registrados danos em 97 colmeias (1% do
total); e foram capturados 759 enxames, “uma dádiva”, segundo as
palavras de Atilio Lopes.
Uma vez por ano, em maio, os apicultores contratados pagarão 8% da
produção de mel a título de arrendamento. O pagamento poderá ser feito
em mel — valendo como referência a cotação do produto no mercado de
exportação, atualmente, entre seis e sete dólares por quilo — ou em
dinheiro a ser depositado em conta corrente aberta pela Zapata
Consultores no Sicredi, banco que elegeu a apicultura como um segmento
promissor da economia gaúcha.
Como contrapartida à cessão das áreas pela indústria, a Zapata deverá
entregar 6 toneladas/ano de mel à Celulose, que tem há anos o
compromisso de doar tal volume a escolas de educação especial situadas
em 23 municípios onde ela cultiva eucaliptos.
O que sobrar dos 8% do valor do “arrendamento” será a remuneração da
Zapata Consultores.
(Fotos de Tania Meinerz)

Qual é, Mister Bols?

Estamos sendo fritos em óleo do pré-sal
GERALDO HASSE
O pessoal estranhou quando, ainda candidato, o capitão bateu continência para a bandeira dos EUA.
Tudo bem, a bandeira é um símbolo nacional, portanto, pode-se argumentar que ele reverenciou o povo americano.
Agora, convenhamos, não pegou bem esse lance de bater continência para uma subautoridade do governo americano.
Não precisava ser tão subserviente. Se em vez de um conselheiro viesse o próprio presidente Trump, Mr. Bols se ajoelharia?
A franqueza do presidente eleito vem tornando fácil o entendimento das coisas. Parece que ele quer deixar claro que se orienta para entregar o comando nacional aos gringos. Como se não bastasse a influência vigente. Talvez seu projeto de aposentadoria seja morar em Miami. Mas para isso não precisa se jogar aos pés dos poderosos.
Quando diz que os médicos cubanos eram agentes secretos infiltrados, Mr. Bols está admitindo implicitamente que o Brasil deve renunciar a qualquer veleidade de soberania diante da potência hegemônica.
Pelo que tem deixado escapar em declarações e desabafos, ele vai ajudar no desmonte dos direitos dos trabalhadores, quer restringir a liberdade de expressão do magistério, afrouxar a legislação ambiental, aprofundar a desnacionalização do petróleo e atender às pressões dos EUA para acuar Cuba, afastar-se da China e abrir novas brechas ao capital estrangeiro (leia-se americano) em nichos privilegiados da economia.
São vários retrocessos encadeados. No fundo, temos aí não apenas um caso de inépcia, mas de ruptura de compromissos históricos e o abandono de princípios inerentes à soberania.
No popular, a palavra que define esse comportamento é entreguismo. No léxico, pode ser traição.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
ENTREGUISMO – Termo utilizado de forma pejorativa a partir do final da década de 1940 para designar a corrente que defendia um modelo de desenvolvimento para o Brasil baseado na participação do capital internacional e na “entrega” da exploração das riquezas naturais a grupos estrangeiros. Aos entreguistas se opunham os nacionalistas, defensores do desenvolvimento baseado no capital nacional. Surgido a partir da campanha para a exploração do petróleo, o termo percorreu toda a década de 1950, caindo em desuso após 1964.

(Verbete do Centro de Pesquisa e
Documentação da História Contemporânea
da Fundação Getúlio Vargas)

Valorização do mel faz crescer procura por abelhas sem ferrão

Estabelecido em Bom Princípio, no vale do Caí, o meliponicultor Evald Gossler passou o dia de ontem (28) no Centro de Treinamento da Emater em Montenegro.
Ali se realizou um evento que atraiu cerca de 400 pessoas, entre apicultores veteranos, jovens, mulheres, pequenos agricultores e vendedores de equipamentos e insumos próprios para a criação de abelhas.
O sucesso do encontro é uma prova do bom momento da apicultura e, especialmente, da meliponicultura, que pode ser exercida  em jardins e quintais urbanos, sem risco de ferroada.
Especializado na reprodução de enxames de abelhas nativas, Gossler armou
sua banca debaixo de uma lona clara num dos jardins da Emater e não teve
mais sossego.
“Eu não produzo mel”, dizia, explicando a curiosos e aficcionados que se especializou na reprodução de enxames de abelhas nativas, as melíponas ou sem ferrão, que exercem um papel importante na polinização da flora nativa e, de quebra, produzem modestas quantidades de méis vendidos a pelo menos R$ 80 por quilo, quatro vezes mais valorizados do que o mel comum de abelha melífera.
Gossler mostrou ao vivo e em cores porque se dedica exclusivamente à reprodução de abelhas indígenas — no Rio Grande do Sul, há 24 espécies identificadas, quatro delas sob risco de extinção: guaraipo, manduri, mandaçaia e uma das nove mirins.
Após um breve diálogo com um meliponicultor experiente, vendeu por R$ 300 um enxame de mandaguari com a respectiva caixinha de madeira de lei. No chão ele tinha outras caixas com abelhas.
Sobre a capota da camioneta, entrando e saindo de uma  caixinha, um colônia de mandaçaia chamava a atenção. Mesmo sob o chuvisco que começou a cair às 11 horas, as abelhinhas continuavam buscando néctar nas redondezas.
De vez em quando o vendedor de enxames  abria a caixa das mandaçaias para mostrar como operam. Elas se alvoroçam, enquanto o meliponicultor permanece tranquilo. Sem comparação com as abelhas melíferas.
Considerada sob ameaça de extinção na natureza, a abelha mandaçaia é uma
das espécies mais procuradas para criação em meliponários, mas apresenta
uma vulnerabilidade que se manifesta no fim do verão.
“São tantas mortes sem causa aparente que chamamos o fenômeno de março negro”, diz Nelson Angnes, presidente da Associação dos Meliponicultores do Vale do Taquari  (Amevat), criada em 2014 em Lajeado.
Na manhã de sábado, 1 de dezembro, a mortandade da mandaçaia será debatida num seminário no campus da UFRGS em Eldorado do Sul.

A avalanche antidemocrática

Passado um mês das eleições presidenciais, o eleito ignora a oferta de medalhões da política e, fora os notórios Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro para a Justiça, escolhe figuras obscuras e afinadas com um ideário retrógrado.
Preso a uma camisa-de-força ideológica, ele está sendo coerente com o que pregou na campanha eleitoral, desdenhando dos direitos humanos e ignorando o conceito elementar de cidadania.
Há quem diga que o Brasil está voltando a 1964, mas não precisamos ir tão longe: basta que fiquemos em 1979, quando imperava o arbítrio ditatorial, e o casuísmo político era moeda de troca na vida nacional.
A maioria do eleitorado, com os 55% dados à Direita, colocou o país à mercê de uma avalanche conservadora que, a pretexto de combater a corrupção, encaminha-se para a destruição de programas sociais criados nos governos petistas.
Seja lá que nome se dê a isso — harakiri ou tiro-no-pé –, o eleitorado deu carta branca para a privatização de estatais, todas estigmatizadas como antros de empreguismo e focos de corrupção, tendo como referência o que se descobriu na Petrobras.
Assim, também por “culpa do PT”, empresas tradicionais como Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobrás e outras foram colocadas no mesmo patamar da ineficiência e vulnerabilidade.
A esta altura do desenvolvimento brasileiro,  privatizar estatais eficientes é rasgar páginas da história nacional. Retrocesso!
Custa crer que compactuem com isso as Forças Armadas, que estão passando a exercer a tutela do governo do seu ex-pupilo desgarrado.
Se por um lado ele foi treinado para respeitar a hierarquia militar e seguir os regulamentos – dos quais se afastou, sendo por isso “reformado” para não ser banido –, por outro passou tanto tempo na Câmara a desfrutar da imunidade parlamentar que pode se achar no direito de ultrapassar os limites, como fez ao enaltecer a tortura e o estupro.
Quem vai com muita sede ao pote, corre o risco de quebrá-lo. Por enquanto, o eleito desfruta da leniência que protege os neófitos, mas em algum momento alguém precisará lhe ensinar bons modos. Quanto tempo levará para descobrir que o mundo não é binário e que o Brasil tem uma bem-sucedida tradição de altivez e pluralidade no concerto das nações?
A pressa em agradar os donos do Mercado alimenta a desesperança e a frustração da maioria sem recursos.
Quando diz que os médicos cubanos eram agentes secretos infiltrados, ele está admitindo implicitamente que o novo governo renunciou a qualquer veleidade de soberania diante da potência hegemônica.
Esse primarismo político, ideológico e diplomático é do tempo da Guerra Fria.
Voltamos, portanto, à doutrina de segurança nacional formulada em 1949 pelos intelectuais da Escola Superior de Guerra liderados por Golbery do Couto e Silva.
Essa doutrina de alinhamento automático aos EUA foi reformulada no governo Geisel (1974-1979), que ousou dar uma guinada para a Europa, a Africa e a Asia por meio de uma série de acordos técnicos e econômicos.
Acordo nuclear com a Alemanha; acordo tecnológico e comercial com o Japão para colonização do cerrado e exportação de soja; abertura com a Africa para obras de empreiteiras que abriram caminho para a exportação de serviços e equipamentos.
Pragmatismo responsável, esse o nome do jogo.
Pelo que tem deixado escapar em declarações e desabafos, o futuro presidente não conhece esses detalhes da História ou, com a cabeça feita não se sabe por quem, nutre por isso tudo um profundo desprezo.
O que o Brasil tem de melhor, do ponto de vista econômico, será mesmo concedido aos investidores internacionais? A parca experiência adquirida na gestão das riquezas nacionais vai para a cucuia? Qual o papel das Forças Armadas na atual conjuntura: serão agora pilares da nacionalidade ou correias da globalização financeira?
Quem poderá resistir a essa avalanche conservadora?
A Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal, as instituições nacionais: universidades, sindicatos, os movimentos sociais, a sociedade civil representada pela OAB, ABI e, no fundo, a população.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Às favas os escrúpulos de consciência, senhor Presidente!”
Coronel Jarbas Passarinho ao apoiar a edição do Ato Institucional Nº 5 em 13/12/1968

Agrovenenos voltam a causar morte de abelhas no oeste gaúcho

O colapso de colmeias de abelhas melíferas em regiões próximas de lavouras de soja em Santiago, Mata e Caçapava do Sul, colocou em alerta os apicultores de todo o Estado.

O coordenador da Câmara Setorial de Apicultura no Estado, Aldo Machado dos Santos, anunciou para 27 e 28 de novembro uma reunião geral para tentar implantar o que denomina “jogo de ganha-ganha” entre apicultores e sojicultores.

Se estiverem presentes os representantes dos fabricantes e comerciantes de agrotóxicos, a tendência é de um entendimento.

“É uma minoria de agricultores que faz uso incorreto de inseticidas”, disse Machado dos Santos em entrevista à Rádio São Gabriel na manhã de sexta-feira (16).

Segundo ele, a principal causa da mortandade de abelhas é um ingrediente chamado fipronil, neonicotinóide (feito com base no princípio ativo da nicotina) proibido na União Europeia e de uso autorizado no Brasil.

Segundo diversos estudos, essa substância interfere no sistema nervoso central das abelhas. Em consequência, elas perdem o senso de orientação e não retornam às colmeias. Se retornam, contaminam as famílias, causando a destruição das colmeias.

Os apicultores perdem a produção e, na sequência, precisam investir tempo e dinheiro na restauração dos enxames. “A recuperação dos enxames é rápida”, explicou Machado, “mas o prejuízo para os ecossitemas é incalculável, pois não morrem só abelhas melíferas, mas também as abelhas nativas” — importantes na polinização da vegetação nativa e das lavouras.

Seja qual for o desfecho da reunião da Câmara Setorial de Apicultura, o resultado deverá repercutir no encontro marcado para o dia 1 de dezembro no campus rural da UFRGS em Eldorado do Sul.

Na parte da manhã, haverá palestras técnicas coordenadas pelo professor Aroni Sattler, prestes a completar 30 anos no cargo. À tarde, uma assembléia geral da Federação Apícola do RS, cujos cabeças vêm sentindo no bolso o impacto dos venenos agrícolas.