Por Cleber Dioni Tentardini
Hoje, 23 de setembro, completa 221 anos de seu nascimento. Em julho passaram-se 162 anos de sua morte. O mais famoso monumento em sua homenagem, em Rio Grande, chegou aos cem anos no dia 20. E o general farrapo permanece uma figura intrigante.
O personagem virou mito de um período histórico que faz parte do folclore riograndense. Suas façanhas viraram lenda, mas sua história ainda é desconhecida.
Nenhum dos mais de 500 livros sobre o conflito narra a vida de Bento Gonçalves no Uruguai, onde casou, criou os filhos, foi fazendeiro e capitão de milícias. Durante 15 dos 58 anos de vida. Pelo menos a metade da vida adulta. Historiadores apenas pincelaram a passagem de Bento pela uruguaia Melo, onde, depois, residiu o maragato Gaspar Silveira Martins. Ali, do outro lado do rio Jaguarão, Bento foi espião dos chefes luso-brasileiros, mas mantinha estreitas relações com a oligarquia castelhana. Foi até prefeito distrital, com direito a voto à cabresto.
Além do charque, que outras razões teriam levado um coronel da Guarda Nacional e um de seus melhores comandantes nas fronteiras do Sul a se voltar contra o Império. O fazendeiro abastado e senhor de escravos era simpático à monarquia, mas nutria convicções republicanas nos gabinetes maçons e na Assembléia Provincial, ao lado de liberais como Padre Chagas e Mariano de Matos.
O que moveu um pai de seis filhos pequenos e dois recém saídos da adolescência a sacrificar o convívio com a família e quase todas as suas posses para lutar contra aqueles com quem um dia ombreou nos campos de batalhas? Militar ardil, arquitetou uma revolução sem medir as consequências? Que influências tiveram em sua formação as guerras de Napoleão e a bandeira libertária do caudilho Artigas.
Bento Gonçalves foi acusado de assassino, ladrão e contrabandista. Submeteu Porto Alegre ao maior sítio de sua história, provocando bombardeios e racionamento de comida, mas se tornou patrono do Regimento de Cavalaria da Brigada Militar, o corpo policial que o general combateu na sua origem.
Sua morte, dois anos depois do fim da guerra, foi silenciada. Nem a Cúria Metropolitana registrou. O Riograndense foi o único jornal que ousou noticiar, timidamente.
Seu inventário foi realizado só dez anos após a morte. Deixou aos oito filhos 33 escravos com idades entre um ano e meio e 60 anos; 700 reses, 24 bois, 15 novilhos, 30 cavalos, 22 potros, 8 éguas, 270 chucras. Bens de Raiz: 3.746 braças de campo no Christal. Quinhão e meio mato à margem de Camaquã. Casa, tafonas e outros.”
Nem herói nem ladrão,
um homem de seu tempo
O historiador Tau Golin publicou um livro com o título Bento Gonçalves – o herói ladrão, em que chamou o líder farrapo de contrabandista e proprietário de escravos.
Golin criticou a ligação de Bento com as oligarquias e afirmou que ele não fez jus ao título de herói popular, “como um personagem para ser cultuado pelo povo rio-grandense”, porque as suas ações apenas procuraram preservar os seus privilégios e os de outros latifundiários. “Como conseqüência de seu projeto de sociedade, a partir de um liberalismo farroupilha antagônico à democracia, alienou o povo material e espiritualmente, submetendo-o à exploração e ao espólio”, disse.
E citou Moacyr Flores, historiador e professor da PUC gaúcha, para classificar o líder farrapo como simpatizante do absolutismo monáquico. “Nunca foi republicano, segundo Moacyr Flores, “e deixou de ser liberal ao assumir a presidência sem convocar ou permitir que reunisse a assembléia constituinte e legislativa.”
Alguns historiadores disseram que Bento não foi herói nem vilão, apenas um homem de seu tempo. O escritor Fernando Sampaio criticou Golin por ele ter descontextualizado as atividades de Bento como estancieiro e produtor de charque, sendo que a mão de obra disponível e barata era a escrava.
Sobre o contrabando de gado, Sampaio alega que essa prática era uma atividade social revolucionária, para fugir dos impostos. “Era uma atitude que passou a ser protegida entre os nacionais, ou entre a elite dominante local, contra a autoridade colonial e estrangeira”, destaca.
Existem documentos que demonstram que ao tratar da paz com o Império, Bento conseguiu que o barão de Caxias aceitasse as exigências da República Riograndense, relativas aos revolucionários negros. Consta que ele afirmou: “se o tratado de paz não assegurar a alforria dos ex-escravos revolucionários, continuaremos a guerra, para que não voltem aos grilhões os negros que há tantos anos lutam pela liberdade da América”.
O parágrafo 4º do acordo de paz de Ponche Verde, previa que ficariam livres todos os cativos que lutaram ao lado da República Riograndense. Mas fica a pergunta: até que ponto os farroupilhas combateram a escravidão negra quando não estava em jogo a arregimentação de homens para as manobras militares? A professora Margaret Bakos, da Faculdade de História da PUCRS respondeu: “Naturalmente, os senhores não desejavam libertar os negros porque significavam trabalho, capital, prestígio social e poder político”.
Para juiz, anarquista e demagogo
O baiano Rodrigo da Silva Pontes foi colega de Bento na 1ª legislatura provincial. Na época da revolução, era juiz de direito em Rio Pardo. Membro do Partido Conservador, ele classificou os liberais republicanos de anarquistas, demagogos, provincianos e de caráter duvidoso. Em seu texto-depoimento*, escrito no RJ, em 1844, por ordem de D. Pedro I, o magistrado informa que o desejo de ser proclamada uma república separada do Império fazia parte do imaginário político de uma facção dos sul-riograndenses que se reuniam em sociedades secretas para promoverem a conspiração, entre eles Bento Gonçalves.
Ele acusa Bento de conspirar contra o governo e coloca em dúvida sua capacidade de tomar decisões. “O astuto Bento Gonçalves procurava aliciar pessoas de boa fé para o partido de Lavalleja (…) o coronel desobedeceu as ordens de guardar neutralidade”, diz Silva Pontes.
Criticou a absolvição de Bento, acusado de contrabando de gado, e da pensão de um conto e duzentos mil réis concedida ao coronel, o que “apenas estimulou os desejos ávidos do caudilho, aumentou a influência dele na Província e ministrou aos propagadores do espírito de rebelião mais um poderoso argumento deduzido das simpatias do governo central pelo primeiro cabeça da facção.”
Silva Pontes diz que as correrias no Estado Oriental lhe deram a posse de cabeças de gado em um número suficiente para recuperar a fortuna perdida, mas Bento tinha sempre o mesmo gênio dissipador do caráter perdulário. (SEGUE)
(* O Arquivo Nacional, Arquivo Histórico do RS e Memorial do Judiciário do RS transcreveram as 84 tiras de papel almaço escritas de ambos os lados e lançaram em 2006 o livro Memórias Históricas da Revolução Farroupilha).
Muito bom o texto,
a reportagem histórica é mesmo um filao nobre ainda pouco e quase inexplorado pelos veículos da mídia tradicional… talvez aí uma brecha no mercado a ser trabalhada…
Quando o autor fala: “E citou Moacyr Flores, historiador e professor da PUC gaúcha, para classificar o líder farrapo como simpatizante do absolutismo monáquico”. Parece desconhecer que o Império do Brasil nunca foi absolutista, que fomos um dos primeiros países do mundo a possuir uma CONSTITUIÇÃO, que serviu até de modelo para outros países.
Absolutismo??? E não lembram que a Farroupilha aconteceu quando D Pedro II era muito jovem.
eu acho uma falta de respeito com todos os rio grandenses chamar um dos nossos maiore HEROIS de ladrão seno que isto se baseia em suposições, eu já li muito sobre bento gonsalves e sobre ele ser um homem honrado e justo e são varias as passagens na historia que provam isto como por exemplo o ataque em são jose do norte em que seus companheiros queriam por fogo na vila para vencer a batalha e ele disse¨EU PREFIRO PERDER A BATALHA A SAGRIFICAR INOCENTES, NÃO SE GANHA UMA BATALHA DE UM MODO TÃO COVARDE¨ e se retirou mesmo com um numero bem maior de soldados. eu tenho muito orgulho em dizer que sou gaucha e tenho muito orgulho dos herois farroupilhas como BENTO GONSALVES, NETO ET….