Julia Bueno
Segunda-feira, 22 de fevereiro, noite quente em Porto Alegre. Apesar de ser início de semana, a Cidade Baixa mantinha sua essência: roda de violão no Largo Zumbi dos Palmares, jantares e petiscos no Bar do Beto, as cervejas geladas do Pinguim.
A noite começava a cair quando cerca de 30 mulheres se reuniram no Largo. Queriam amadurecer o projeto de um coletivo de percussão – envolvendo canto e dança – que também fosse um bloco de carnaval, engajado politicamente nas questões relacionadas ao feminismo. Pouco mais de seis meses depois, o coletivo “Não mexe comigo que eu não ando só” irá se apresentar pela primeira vez no Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomodê. O evento faz parte do lançamento do projeto Odomulher, a partir das 20h, hoje.
A origem de tudo foi um grupo aberto no Facebook, organizado por Tati Gutierres, Kaya Rodrigues e Kátia Azambuja. Naquele dia de fevereiro, a ideia começava a sair do imaginário para fazer parte do mundo real.
Enquanto as mulheres debatiam sobre o projeto, alguns homens começaram a circular ao redor. Foram de início ignorados por elas, embora se sentissem incomodadas com aquela presença.
O encontro chegou ao fim, e cada uma seguiu o seu caminho. Algumas partiram juntas, compartilhando um mesmo trajeto e, também, em busca de mais segurança. No caminho, os que antes apenas as olhavam agora as perseguiam.
Elas apertaram o passo, o coração acelerado. “Não mexe comigo que eu não ando só”, cantou alto uma delas. “Eu não ando só, que eu não ando só. Não mexe, não!”, bradou outra. O medo se foi, eles também. A história iria começar.
Unido pela vontade de combater o machismo através da arte, o grupo conta, hoje, com cerca de 50 mulheres. Negras, brancas, índias, coloridas. Crianças, meninas, mulheres, idosas. Mães e filhas. Diferentes em classes sociais, religião e crenças. Socióloga, jornalista, bióloga, advogada, veterinária. São o que quiserem ser. Acreditam que a música transforma as pessoas e a maneira delas enxergarem o mundo. “Por mais que eu não trabalhe profissionalmente com isso, consigo notar como a atividade repercute no outro. É uma mistura de todas as emoções”, observa Tati, emocionada.
Tambores, sopros, cordas, chocalhos, agogôs, tamborins, flautas e cavaquinhos dão alma, movimento e cor para uma luta contra um preconceito opaco e sem vida. “Ser mulher significa lutar por mim e pelas outras, pois a desigualdade, a opressão e a violência sofrida por quem nem conheço também me afeta, me abala e me instiga a lutar, a combater e a transformar a realidade”, reflete Kátia. Quanto ao repertório, Bebê, integrante da área de comunicação do coletivo, explica que a seleção é feita de maneira conjunta. Em geral, a busca é por canções que tragam uma mensagem implícita. “Preferimos cantos feitos por mulheres que tenham algo a nos acrescentar e que demonstrem empoderamento”, define Bebê.
Fundadora do Bloco da Laje e veterana nas zonas carnavalescas, Kaya chama a atenção para o fato de que o número de mulheres nas baterias das escolas de samba é pouco ou nada expressivo, enquanto nos blocos de carnaval a predominância é maior, apesar da ausência de voz. Outra questão que envolve o estereótipo conservador sobre a figura feminina nos desfiles é o da objetificação. É Bebê quem destaca que as mulheres são sempre vistas como enfeites, e não como tendo potencial para ‘levar” a escola para a avenida: “Tocar instrumento e ser protagonista é um recado.” Já na visão de Tati, o que o bloco deseja é mostrar capacidade e não superioridade, despertando o feminismo que existe dentro de cada mulher. O fato é que, ao proporcionar crescimento musical e pessoal, o projeto transformou a vida das integrantes do coletivo.
Com ensaios semanais que iniciaram no Largo da Epatur e depois foram deslocados para o Monumento dos Açorianos, agora o espaço oficial do grupo é o Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomodê. Depois de cinco meses repassando as músicas e aprimorando técnicas, chegou a hora do coletivo “Não mexe comigo que eu não ando só” mostrar publicamente o resultado do esforço. O local de lançamento do projeto Odomulher foi escolhido por historicamente representar o combate ao preconceito e pelo fato do Odomodê ser símbolo de resistência.
SERVIÇO
O que: Primeiro show do coletivo “Não mexe comigo que eu não ando só”
Onde: Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomodê – Av. Ipiranga, 3.850, em Porto Alegre.
Telefone: 51.2103-2915
Quando: sábado, 6 de agosto, às 20h
Quanto: ingressos antecipados a R$ 10. Na hora, R$ 15
Brado feminista inspira grupo musical e faz hoje sua primeira apresentação
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