Por Francisco Ribeiro
A peça “Bukowski: histórias da vida subterrânea,” de Roberto de Oliveira – em cartaz no Teatro de Arena de Porto Alegre – faz um interessante recorte literário da obra do escritor norte-americano Charles Bukowski (1920-1994. Foto abaixo). Composta de trechos de vários livros – como “Cartas na rua” e “Mulheres” – a peça narra uma trajetória de vida feita de errâncias, porres, muitas paixões, alguns amores e, claro, de alguma poesia.

Feio, velho, tarado e bêbado o dia inteiro. Assim, Charles Bukowski, ou seu alterego, Henry Chinaski, descreveu-se para as gerações de leitores que – principalmente a partir da década de 70 do século passado – passaram a acompanhar sua obra que, em boa parte, se confunde com a própria vida do autor, por mais que se queira separar entre o que é realidade e ficção.
São temas recorrentes em seus escritos: alcoolismo, angústias, misantropia, corridas de cavalo, desespero, e sexo, muito sexo. Enfim, as aventuras, o absurdo e a loucura do cotidiano de pessoas ordinárias. O estilo narrativo de Bukowski é direto, cru, mas não é desprovido de humor, já que era um expert em zombar da própria desgraça. Percebe-se nele a profundidade da visão sobre a vida de alguém sem ilusões e que não faz concessões.
Oliveira, na adaptação que fez para a peça, soube, com o apoio de sua trupe do Depósito de Teatro, resguardar os traços essenciais da obra de Bukowski. E, enquanto ator, também tem o physique du rôle adequado para representar um velho safado ou, eufemismo erótico, sacana. As atrizes têm os atributos corporais necessários e a competência de interpretação para criar o clima quase pornográfico que permeia toda a peça. O gestual é obsceno, a linguagem vulgar, mantendo-se fidelidade ao universo de Bukowski, que era um homem sem papas na língua.
O cenário criado para o pequeno palco – mais o apoio da música de Tom Waits – materializa a ideia que se tem dos inúmeros muquifos habitados por Bukowski em sua fase mais delirante e criativa. Não faltam garrafas vazias, uma velha máquina de escrever, e a geladeira, pièce de resistance, repleta de cervejas, algumas consumidas in loco.

Destaque para a enorme cama que invade o espaço da plateia, local de amores, revelações íntimas, e destampatório de frustrações de personagens autodestrutivos, decadentes, sempre pré-dispostos ao vômito e ao suicídio. Assim, não há bebida suficiente para apagar as dolorosas lembranças que carregam. Traumas como os de Bukowski em relação ao pai, um homem brutal que o espancava, e que ele, por sua vez, pôs a nocaute na adolescência.
Bukowski morreu há 20 anos, mas o seu público, como o que vem lotando as dependências do Teatro de Arena, continua ser predominantemente jovem. Muitas garotas. Algumas, com certeza, têm na cabeceira o livro que dedicou a elas, “Mulheres”. E talvez sonhem em encontrar na fria capital gaúcha um senhor que satisfaça os seus desejos e alimente suas almas com poesia ou outras narrativas sórdidas. Há candidatos.
No túmulo de Charles Bukowski, na Califórnia, lê-se o epitáfio: “Don’t try” (“nem tente”). Conselho sábio de um ser caótico e corajoso, e que soube retirar de suas entranhas o conteúdo para suas histórias. Bukowski e seu sonho inconcluso de, ao fazer 80 anos, transar com uma teenager. Morreu alguns meses antes de completar 74 anos. Faltou pouco.
Bukowski: histórias da vida subterrânea
Teatro de Arena: Alto do Viaduto Otávio Rocha (Centro Histórico)
Até 17 de agosto de 2014: de sexta à domingo, sempre às 20h.
Bukowski, ode a um velho safado
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