Higino Barros
Estreia nessa sexta-feira, 02, no teatro do Instituto Goethe, “Nas Sombras do Coração”, espetáculo baseado na peça radiofônica “Die Lächerliche Finsternis”, de Wolfram Lotz, por sua vez inspirada no romance “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, e Apocalypse Now, filme de Francis Ford Coppola. É a mais recente montagem do diretor Camilo de Lélis, da Cia. Teatral Face&Carretos.
A peça fala de dois oficiais do exército alemão que viajam, através do Afeganistão, com a missão de eliminar um tenente-coronel renegado, que enlouqueceu e matou seus soldados. Paralelamente a essa aventura, o texto apresenta o julgamento, em um tribunal na Alemanha, de um nativo da Somália, que se tornou pirata devido à pesca de seu país estar sendo roubada pelos pesqueiros das grandes nações.

O diretor da peça, Camilo de Lélis, respondeu às perguntas do JÁ:
JÁ: A peça “Nas sombras do Coração” é baseada numa novela radiofônica alemã, desconhecida para o público brasileiro. Que por sua vez, se baseia no “Coração das Trevas”, do Conrad e no filme “Apocalypse Now”, do Coppola, talvez a referência maior para o público em geral. Tua transposição dessa história para um palco tem, digamos, o jeito Camilo de Lélis de fazer teatro?
Camilo de Lélis: Totalmente. E isso pode ser conferido, assistindo a peça do diretor Alexandre Dill, que segue o mesmo texto radiofônico de W. Lotz, e, como a minha, estreou no Festival Palco Giratório do SESC, nos dias 23 e 24 de maio, e voltará a cartaz logo depois da minha temporada, que é de 27 de maio a 18 de Junho. O Instituto Goethe nos convidou, para que ambos dessem a sua visão a respeito do premiado texto de Lotz “As Trevas Risíveis“, considerado, por essa obra, o melhor autor alemão de 2015. Dill colocou um enfoque mais ao estilo pós-dramático, enquanto eu dei um passo atrás, rumo às minhas origens teatrais, que ainda bebiam na brasilidade de Oswald de Andrade e Mario de Andrade.
A peça fala de uma viagem pela Selva, pelos grandes rios, pela estranhamento dos costumes nativos, do medo arcaico do canibalismo. Fiz um espetáculo em 1991, primeira parceria com o Instituto Goethe – Macário, o Afortunado – que tinha um tema parecido, o colonialismo europeu sobre a América Latina. Agora, 26 anos depois, estamos tratando do neocolonialismo globalizado. Por isso, eu achei melhor fazer uma reflexão sobre o que significa um texto alemão, quando submetido a uma estética latina, especialmente brasileira, na qual o índio e o negro tem muita coisa a dizer por si, sem necessitar de um intermediário branco para representá-lo. Por isso chamei atores brancos, negros e mestiços para formar o elenco.
E também botei sacanagem, “macunaímicamente” coloquei a brincadeira em meio a dor e a desolação. O misticismo misturado à sexualidade, o horror em meio ao encantamento… Enfim é uma peça muito a ver comigo, com a minha história de não seguir modismos ou pensamentos filosóficos, quase todos advindos da velha Europa, pós Escola de Frankfurt, que tentou muito, mas não explicou porra nenhuma sobre o crepúsculo da razão, do início do século 20 em diante, até agora. Resumo, acho que, de alguma forma, devemos rever nossa canibalização da cultura ocidental. Tupy or not tupy, essa é ainda a nossa questão.
JÁ: O que o expectador encontra vendo tua montagem? O que ela tem de inovadora? O que ela tem de teatro tradicional?
Camilo: Há o teatro. O teatro inova, quando retorna sobre seus passos. Não ao teatrão, à comédia ligeira, pois isso seria apenas uma fuga para o nada, mas temos de buscar o que de melhor tivemos a partir da semana de 22. As referências da força expressiva de Antunes Filho, Zé Celso, e outros encenadores que não se europeizaram, devem nos dar uma luz nesse momento. Eu sempre coloquei o Brasil nas minhas encenações de textos alemães, e isso se tornou a minha assinatura. Não se trata de uma coisa pueril, forçada, explícita, mas o público reconhece que aquilo ali tá muito digerido, amolecido, para ser uma encenação da ideologia branca ocidental.
JÁ: Como tu chegou na formação do elenco? O que tu privilegiou ou quis destacar?
Camilo: Juntei velhos camaradas da década de 70, como o Zeca Kiechaloski e o Marco Sório, mas que não fizeram parte de minha trajetória, também gente que já fez alguma coisa comigo, e um jovem de 26 anos, com quem eu nunca havia trabalhado. Também resolvi canibalizar os técnicos para dentro do espetáculo, fazendo som ao vivo e performances sem texto.
JÁ: É um grande elenco, uma produção cuidadosa e como obter isso nos dias de hoje, com a cena cultural da cidade tão debaixo de chuvas e trovoadas?
Camilo: Isso só Dionísio explica. É muito amor à arte. Muito tesão pelo tablado.
Serviço:
Teatro: NAS SOMBRAS DO CORAÇÃO
Onde: Teatro do Instituto Goethe (Rua 24 de Outubro, 112 – fone:21187800)
Quando: De 02 a 18 de junho – sextas, sábados e domingos às 20h
Quanto: R$40,00 (inteira)- 50% desconto para idosos, estudantes e classe artística (mediante apresentação de documento)
Ficha técnica:
Texto Wolfram Lotz. Direção geral Camilo de Lélis
Elenco: Denizeli Cardoso, Marco Sório, Diego Acauan, Luis Franke e participação especial de Zeca Kiechaloski, no papel do Tenente-Coronel louco. Atuações performáticas, no decorrer do espetáculo, de Fabrízio Rodrigues, Diego Steffani e Jorge Foques.
Equipe de criação: Cenário Felipe Helfer. Iluminação Fernando Ochôa. Figurino Fabrízio Rodrigues. Trilha Sérgio Rojas. Preparação vocal Marisa Rotenberg. Designer gráfico Rafael Franskowiak. Dramaturgista Renata de Lélis. Fotografia Gerson de Oliveira.
A Cia. Teatral Face & Carretos, fundada em 1982, conquistou em sua trajetória, a partir da encenação de “Macário, o Afortunado”, muitos prêmios e fez várias excursões pelo Brasil e exterior. Seu último trabalho foi “As Quatro Direções do Céu”, de Roland Schimmelpfennig, pelo qual recebeu o Prêmio Braskem – 2015 de melhor espetáculo e direção para Camilo de Lélis.
Camilo de Lélis e o jeito Macunaíma de fazer teatro no mundo globalizado
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Comentários
2 respostas para “Camilo de Lélis e o jeito Macunaíma de fazer teatro no mundo globalizado”
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Que bom que ainda há jornalismo como o do Jornal Já e gente como Higino Barros, para nos incentivar a continuar no nosso ofício.
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Concordo plenamente, Camilo!
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