Carnaval na Cidade Baixa inaugura a privatização do espaço público

Higino Barros
A manhã dessa segunda-feira, 05/02, foi mais trabalhosa para Celso Bota, aposentado, morador no número 209 da Rua da República, Cidade Baixa, bairro escolhido pela maioria dos blocos de Porto Alegre para celebrar o carnaval de rua de 2018. Normalmente, nesse dia da semana ele lava a calçada do prédio onde mora para limpar o que uma população itinerante e sem compromisso com o espaço que frequenta deixa no local. Garrafas, latas, fezes, cheiro forte de urina e outros detritos é o que ele encontra.
“Nesse fim de semana foi muito pior”, desabafa Bota, após jogar bastante água na calçada e nos cantos dos prédios próximos, fazendo o balanço de dois dias em que as esquinas da República e da Sofia Veloso, com a Lima e Silva, abrigaram eventos em que milhares de pessoas acorreram ao local, para evidente desagrado da maioria dos moradores do bairro da Cidade Baixa. Cálculos dos organizadores estimam que cerca de 50 mil pessoas passaram pela área nos dois dias.
“Na Vila Madalena, em São Paulo, ocorre a mesma coisa, é o preço que se paga por ser um bairro boêmio”, lembrava um dos comunicadores da Rádio Bandeirantes gaúcha, enquanto outro argumentava: “Mas os moradores da Vila Madalena e da Cidade Baixa foram consultados se eles queriam que o bairro fosse boêmio?”.
 

“Nesse fim de semana foi pior”, desabafa Bota

Ação promocional
Na opinião de Celso Bota o problema é irreversível e a cada ano piora. “Com essa novidade da Skol aqui agravou ainda mais o barulho e a sujeira, já que atraiu mais gente”, conta. Em uma ação promocional, a companhia de cerveja está marcando sua presença nesse carnaval em algumas cidades do País, entre elas, Porto Alegre. E nos eventos carnavalescos instalou ventiladores gigantes que promete trazer o vento das praias do Nordeste para o local da folia.
Ventiladores gigantes prometem trazer o vento das praias do Nordeste para o local da folia

Em Porto Alegre, tal equipamento funcionou no sábado e no domingo passado. Um trecho da Rua da República foi interditado e proibido a circulação de pedestres pela área do ventilador da Skol. O som foi música eletrônica. “É a privatização dos espaços públicos “, denunciaram internautas nas redes do facebook ao registrarem os eventos. A cervejaria se defende: o acesso aos menores na área é proibido e como se distribui cerveja de graça é necessário um cadastramento prévio para se ter acesso à área fechada.
A prática de empresas ocuparem espaços públicos, em acordos bancados pelo poder municipal tem sido crescente no carnaval brasileiro. Em Salvador, por exemplo, um dos lugares que o carnaval se tornou um evento de grande significado financeiro para a cidade, parece haver um esgotamento da fórmula comercial e um apelo cada vez mais presente a tempos menos comerciais.
Palavra de Waltinho
Walter Pinheiro de Queiroz Junior, o Waltinho, advogado, publicitário e compositor, respeitado em Salvador, um dos fundadores do Bloco do Jacu, que procura, com sucesso, fazer contraponto aos grandes blocos baianos que vendem abadás nessa época do ano para os foliões concentrados em áreas isoladas por cordas, pontifica:
“O carnaval é na sua essência a mais alta experiência de catarse coletiva. E num país de dolorosas diferenças como o nosso, institucionalizar o já reinante apartheid do modelo atual, é um tiro na esperança de uma festa mais humana e pacífica que só acontecerá quando caírem as cordas”.
Em entrevista ao blog Uma Outra Bahia, do jornalista Césio de Oliveira, Waltinho faz uma radiografia demolidora do que aconteceu com o carnaval baiano e que se projeta para outras cidades brasileiras: “A questão fundamental está no fato de que saímos de um modelo participativo e democrático para uma festa espremida por cordas e camarotes. O gigantismo dos trios de som predador, fantasias medíocres, músicas anódinas, o estímulo à baixa sensualidade que aliada ao álcool estimula a violência numa longa maratona momesca onde a poesia e a espontaneidade foram esquecidas”.
Conta de tudo
 
A jornalista baiana Gilka Bandeira também explica o que aconteceu em Salvador, ao tomar conhecimento da ação da Skol nos espaços privativos públicos da capital gaúcha. “Aí também? Em Salvador já acontece há bom tempo. Os camarotes para ricos e apadrinhados ocupam quase toda orla e Campo Grande. Antigamente, quem não queria se misturar com a plebe ia aos clubes, hoje os clubes ocupam as ruas”. O fotógrafo René Cabrales, que conhece bem o carnaval da capital gaúcha, reforça o que está vendo na capital baiana: “Aqui na Bahia, a Skol tomou conta do carnaval”.
A jornalista gaúcha Andréa Martins, ao comentar o assunto no facebook, passou a versão que justifica a presença da Skol na rua da República: “O Carlos Machado, repórter da rádio Guaíba me explicou. Como o Jr. (prefeito Marchezan) não colaborou (financeiramente) com o carnaval, a Skol patrocinou tudo. Em troca pediu aquela quadra da República. Acho justo”. O fotógrafo Pedro Henrich, que também participou da folia bancada pela fabricante de cerveja no sábado, achou normal a sua presença: “No espaço da Skol era música eletrônica. Mas a poucos metros havia um trio elétrico tocando músicas de carnaval. Assim, havia música para todos os gostos”.
A Skol é a maior patrocinadora dos blocos de rua de Porto Alegre, ao lado do aplicativo de táxi 99 e da Claro, bancando principalmente os que são ligados às produtoras Opinião, Austral e Olêle. Em outras duas datas, dia 10 e dia 18, ela colocará seu aparato de novo em dois locais de Porto Alegre. Nn Rua da República novamente, em frente ao teatro Túlio Piva, e a segunda vez na avenida Edvaldo Pereira, junto à pista de skate do Parque Marinha do Brasil.
Casa geriátrica
Ana Maria Dorneles, 72 anos, moradora da rua Sofia Veloso, é das que investem contra os blocos e a Skol, afirmando que tem pena dos moradores dos locais próximos à folia momesca. “O som dos carros ficou mais alto, o barulho insuportável e aqui tem uma casa residencial geriátrica há poucos metros onde estava o caminhão. Não sei como seus moradores suportaram o som alto durante umas cinco horas”, investe Ana Dorneles.
Mas como um exemplo que o assunto é controverso e divide uma parte dos próprios moradores da Cidade Baixa, uma faixa estendida na frente da casa geriátrica citada proclamava nos dias de folia: “Bloco Sassarico da melhor…direto do Camarote Velha Guarda Gerion saúda o Carnaval da Cidade Baixa e o Bloco Maria do Bairro”.
Casa geriátrica

Assim entre marchinhas de carnaval, sambas, funks, raps e outros ritmos anódinos ao festejos de Momo se desenrola o Carnaval de Rua de Porto Alegre. Sem o dinheiro da Prefeitura para financiá-lo como já ocorreu no ano anterior e com o território livre para intervenções, consentidas pelo poder municipal, para ocupações de espaços públicos.

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Comentários

Uma resposta para “Carnaval na Cidade Baixa inaugura a privatização do espaço público”

  1. Avatar de Kristina Cruz
    Kristina Cruz

    As corporações mandando e manipulando o que é popular e das ruas!
    De inocente não tem nada, hoje distribuem cerveja e botam os trios, amanhã, se não fores “amigo do rei”, terás de desembolsar ou ficará de fora!
    Fora onde?
    Corre à boca pequena q planejam um leprosário para jogarem os invisíveis!

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