Cleber Dioni
A sede dos anarquistas em Porto Alegre se tornou pequena nos últimos três meses. Até gente do Interior tem vindo participar do planejamento das ações para marcar os 90 anos da Guerra dos Braços Cruzados, a primeira mobilização nacional de trabalhadores, que paralisou as indústrias e boa parte dos serviços, dos transportes ao abastecimento.
Começou em junho de 1917, nas fábricas têxteis dos bairros paulistanos da Moóca e do Ipiranga, estendeu-se para o Rio de Janeiro e outros centros industriais. Cerca de 50 mil pessoas aderiram. No Rio Grande do Sul, o primeiro foco grevista surgiu em Santa Maria. Um grupo de ferroviários tomou uma locomotiva para protestar contra as condições de trabalho na ferrovia.
Hoje os anarquistas não são mais sapateiros, ferroviários, alfaiates ou carpinteiros, mas estudantes, professores, um e outro artesão e gráficos. “O momento é de reforçar nossa participação política no movimento operário”, acredita Eduardo Colling, porto-alegrense de 28 anos, gráfico, estudado e com discurso afiado. Anderson Pereira Corrêa, 30 anos, está há um mês na capital. Professor de História numa escola estadual, veio do Alegrete tentar uma bolsa de mestrado. “Enquanto os social-democratas procuravam sempre amenizar os protestos, os anarquistas saíam às ruas e pressionavam até arrancar algumas conquistas da classe patronal ou do governo”, frisa Corrêa.
Não planejam promover protestos ou greves, mas organizar palestras, eventos de música, teatro e mostras de documentários. No livro A Greve Geral de 1917 e as Origens do Trabalhismo Gaúcho (Porto Alegre: L&PM, 1979), o economista e cientista político mineiro Miguel Bodea registra as reivindicações, entre elas, água, comida, aluguel e bonde mais baratos, aumento salarial, redução da jornada de trabalho para 8 horas para os homens e de 6 horas para mulheres e crianças. Panfletos distribuídos pela Liga em 30 de julho anunciavam um grande comício para o dia seguinte na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, que já amanheceu com as ruas tomadas de manifestantes e policiais.
Na Alfândega, o tipógrafo Cecílio Vilar fala a cerca de cinco mil pessoas: “O momento não é para conciliações, é de luta. A luta mais justificável, a luta pela vida. Os operários devem se erguer como um só homem, para sair às ruas e conquistar o pão que nos está sendo roubado”. Em 1o de agosto de 1917, estima-se que 30 mil pessoas cruzaram os braços: pedreiros, padeiros, chapeleiros, trapicheiros, estivadores, eletricitários, operários das indústrias têxtil e moveleira, carroceiros, caixeiros, choferes e tipógrafos.
No dia 2, uma comissão dos grevistas ouve do presidente do Estado, Borges de Medeiros, que algumas reivindicações serão atendidas. Entre elas, editar medidas de controle da exportação, de redução de horas de trabalho e de aumento salarial para o funcionalismo público.
Apesar das promessas do governador, a greve não acabou e os ânimos continuaram exaltados. A maioria das categorias encerrou a greve no dia 5 de agosto. Os ferroviários só voltaram ao trabalho no dia 6 por não suportarem mais a violenta repressão policial. Foi uma das classes que não obteve conquistas trabalhistas.
O filósofo que desafiou Marx
O russo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin descendia de família rica. Estudou filosofia e, em suas andanças por países europeus, conheceu Karl Marx e Proudhon. Em 1848, participou da Revolução Proletária em Paris. Foi preso e condenado à morte, mas fugiu para o Japão e depois se exilou na Suíça. Criticou o positivismo e o comunismo, os socialistas “autoritários”.
As divergências com Marx resultaram na sua expulsão da Associação Internacional de Trabalhadores. Sobre o marxismo, dizia : “… O governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.”
Bakunin passou a liderar a organização de grupos anarquistas em diversos países e ganhou adeptos como o russo Piotr Kropotkin e o italiano Errico Malatesta. Morreu em 1876, na Suíça. Diz-se que seus métodos de ação são notados hoje em grupos ambientalistas e movimentos de reforma agrária e urbana.
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