Sérgio Lagranha
O que é a tevê digital para a sociedade brasileira? O que a sociedade quer? Qual o papel das emissoras? Como será feita a interiorização, a inclusão social? Com essas perguntas o engenheiro Mário Baumgarten, representante da Coalizão DVB Brasil, grupo que reúne principalmente fornecedores europeus de equipamentos de televisão e telecomunicações e que atua em defesa da adoção do padrão DVB nas transmissões de TV aberta digital no Brasil, começou o debate promovido pela Sociedade de Engenharia do RS “TV Digital – Definição do padrão a ser utilizado no Brasil: Desafios e oportunidades”, que aconteceu nesta quinta-feira (25/5) em Porto Alegre.
Para ele, o debate sobre tevê digital é confuso, pois a discussão política deveria anteceder a técnica e envolver toda a sociedade. “O consumidor foi deixado de lado e vai pagar a conta. Gastou-se mais de R$ 50 milhões com estudos nas universidades brasileiras e até agora não se tem um comparativo de custos. Existe a defesa de um modelo sem saber o custo. No mundo o padrão de inclusão social é o europeu. A proposta é que a televisão seja um computador de baixo custo”.
Baumgarten salienta que outro tema esquecido é o operador de rede. Sem um operador, as emissoras de tevê continuam transmitindo de suas próprias antenas e cada uma permanece dona de seu canal de seis MHz, um verdadeiro latifúndio.
O representante da Coalizão DVB entende que só respondendo estas perguntas fundamentais poderemos discutir se o modelo será brasileiro, japonês ou europeu. “Hoje a discussão não é transparente. Em um ano eleitoral a pressão das emissoras é grande. Existe uma ala do governo defendendo o modelo japonês, o menos utilizado no mundo”. Baumgarten refere-se ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, ex-funcionário da Rede Globo, que defende publicamente o modelo japonês.
Ele reconhece que a discussão não é neutra, pois cada lado defende interesses determinados. Supõe que o governo federal acabará decidindo por decreto. “Depois vamos descobrir que o modelo japonês não serve e precisaremos de muita verba para adequá-lo. Como não tem verba, ficará tudo como está. É fácil entender”.
O padrão europeu (DVB), conforme Baumgarten, já tem 50 adesões no mundo e 15 países estão estudando a possibilidade de adotá-lo. “O modelo japonês só existe no Japão, pois teve uma rejeição de 100% no resto do mundo. Não é por problemas tecnológicos. É que o governo e a indústria definiram um padrão doméstico. É uma forma do governo japonês proteger suas indústrias. Os preços ficam nas alturas, mas o povo tem renda para pagar. Esta é a razão da rejeição dos outros países. Afinal, ninguém quer pagar pela reserva de mercado dos japoneses”, explica. Outra dúvida de Baumgarten: para quem vamos exportar o modelo japonês?
Tropicalização do sistema
Ministra Dilma Rousseff está estimulando novamente as pesquisas das universidades brasileiras (Foto: Arquivo/JÁ)
O segundo palestrante foi o professor Fernando Comparsi de Castro, coordenador das pesquisas do Laboratório Multidisciplinar para Tecnologias da Informação e Telecomunicações (LMTIT) do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (IPCT) da PUCRS sobre TV Digital. Ele defende que a tevê digital brasileira deverá ser “tropicalizada”, utilizando tecnologia desenvolvida por centros de pesquisa nacionais para adaptar o padrão de transmissão a ser escolhido entre ISDB (japonês) e o DVB (europeu).
Depois que o ministro Hélio Costa deixou de lado as pesquisas brasileiras para aderir ao modelo japonês, o governo Lula passou a coordenação do debate a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Castro diz que ela tem estimulado os trabalhos da “academia”, que desde 1999 desenvolve sistemas próprios para a tevê digital, abrangendo l.500 pesquisadores de 80 instituições, agrupados em 22 consórcios.
A PUCRS foi responsável por duas linhas de pesquisa, desenvolvimento e inovação no contexto do Sistema Brasileiro da Televisão Digital (SBTVD): uma é o projeto Saint (Sistema de Antenas Inteligentes) e a outra é o projeto Sorcer (Sistema OFDM com Redução de Complexidade por Equalização Robusta). O Saint foi concebido de forma a prover robustez adicional ao receptor de televisão digital, que consiste em efetuar ajustes eletronicamente na antena receptora da mesma maneira que um usuário faria manualmente objetivando a melhor qualidade de imagem. Isto permite redução de custo no receptor, e, portanto, ao usuário final.
O Sorcer é um sistema de transmissão e recepção (modulação) inovador, genuinamente nacional, concebido de forma a permitir recepção de televisão digital em alta definição fixa e móvel, a mais de 120 Km/h. Diferentemente dos demais sistemas OFDM (sigla em inglês de Multiplicação Ortogonal por Divisão de Freqüência, tecnologia de transporte de dados por ondas de rádio) para transmissão de televisão que utilizam um grande número de portadoras (normalmente mais de 8.000), o Sorcer utiliza apenas 2048 portadoras, permitindo uma considerável redução de custo no receptor, e, portanto, ao usuário final. Tanto o Sorcer quanto o Saint são tecnologias wireless (sem-fio).
Emissoras fechadas com o japonês
O terceiro plaestrante foi o engenheiro Fernando Ferreira, diretor técnico da RBS TV, representante da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET) e da Associação Gaúcha de Empresas de Rádio e Televisão (Agert). Ele defende os interesses das emissoras de televisão. Sua explanação foi técnica. Definições de padrões, direcionamento tecnológico, defendendo as vantagens da alta definição.
Ferreira diz que a Agert reconhece a necessidade de regulamentação da passagem da tevê aberta para digital. No entanto, disse que nunca viu tanta discussão para passar de um modelo analógico para um digital. No final, explicou a razão das emissoras defenderem o padrão japonês e não o europeu. “O DVB (europeu) não oferece opção de HDTV (alta definição) móvel e portátil em um único canal de 6 MHz.”
Os defensores do padrão japonês deixam de esclarecer que ponto central é não alterar o modelo de negócios. A possibilidade das emissoras de tevê transmitir para celulares diretamente sem que seu sinal passe por operadoras de telefonia móvel. Além disso, o modelo europeu – embora também permita transmissão simultânea em alta definição e para celulares – favorece outros produtores de conteúdo, que poderiam usar parte dos canais de UHF e VHF.
Em resumo, o que as emissoras querem é evitar um operador de rede e que os novos espaços no canal de 6 MHz sejam utilizados por outros produtores de conteúdo. Enfim, manter tudo como está, concentração das verbas publicitárias, com muito mais espaço. As emissoras de televisão – principalmente rede Globo e suas afiliadas como a RBS – querem manter os mesmos privilégios que conquistaram a partir dos governos militares pós-64.
A tevê digital envolve um mercado que nos próximos 10 anos vai movimentar em toda a cadeia R$ 150 milhões, acredita o professor Fernando Comparsi de Castro.
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