Alexandre Lucchese e Paula Bianchi
“Não dá pra deixar aquele mendigo deitado ali!”, reclama um freqüentador do Parcão ao guarda-parque Luiz Antônio Rodrigues, apontando um senhor que dorme no gramado. Queixas como essa se tornaram comuns e aumentam proporcionalmente com o número de habitantes de calçadas do Moinhos de Vento.
Além do parque, é comum ver gente pedindo esmola ou dormindo na calçada em frente ao muro do Grêmio Náutico União que dá para a 24 de Outubro. O Morro Ricaldone e outras áreas verdes também foram escolhidos por essa população.
“Aumentou, mas não só aqui. É um problema das cidades “, observa o presidente da Associação Moinhos Vive, Raul Agostini, que presenciou a multiplicação de moradores nas esquinas do bairro.
Viver nas ruas do Moinhos de Vento aumenta a possibilidade de conseguir materiais recicláveis, fonte de subsistência de muitos deles. “É próximo ao Centro, onde o lixo é vendido”, completa um senhor de meia idade, que recolhe latas no parque.
O bairro também é perto do Albergue Municipal e de outros abrigos públicos. Não tão decisivo, mas também importante, é o fato de que a classe alta que circula no bairro significa maior facilidade de conseguir esmolas.
Os sem-teto provocam insegurança nos demais moradores. São poucos os que agüentam a realidade da rua livres de drogas ou álcool em excesso e é comum deixarem para trás utensílios sem uso e muito lixo.
Por isso despertam hostilidade da população, que evita passar pelos lugares com medo de assaltos, ataques ou para desviar-se do incômodo de testemunhar a situação. Muitos preferem chamar a Brigada Militar. Como medida definitiva, pedem o cercamento de áreas como o Morro Ricaldone, que teve o acesso fechado em 2006. A próxima será a praça Atos Damaceno Ferreira, no final das ruas Quintino Bocaiúva e Coronel Bordini. A iniciativa é dos lojistas em atenção aos moradores, que reclamam da bagunça noturna.
Versões distintas sobre atuação da Brigada
Periodicamente a Brigada Militar recolhe os sem-teto. “A relação é péssima”, revela um morador de rua. Ele garante que, ao contrário do que afirma a corporação, não há qualquer atividade construtiva depois das abordagens. “A gente fica lá, sentado, olhando um para a cara do outro e vendo os brigadianos tomar café”.
A ação matinal impede que os grupos se organizem para almoçar. “Passamos o dia inteiro em jejum”, revela o homem. Além disso, a saída só é permitida no fim da tarde, quando não há mais tempo de chegar aos albergues. “Deixando sem almoço e sem cama, acham que vão espantar a gente da rua”, conclui.
A reportagem do JÁ Bom Fim/Moinhos presenciou a prisão de um foragido. Algemado, ele foi conduzido aos gritos para a viatura enquanto um policial o ameaçava com um pedaço de madeira. Comandante da 3ª Cia, que policia o Moinhos de Vento, o Major Medina admite a necessidade de um tratamento duro. “Sem-teto virou assunto de polícia, pois os órgãos de assistência social não têm a autoridade da BM”, argumenta.
Para não se confrontar com a Brigada, mudam de local a cada pernoite. “São sazonais”, classifica um Guarda Municipal. Caso de Claudir Silveira, de 71 anos, que migra pelo bairro há trinta anos.
Com ou sem praça, Mata Bacelar já tem morador
Enquanto a Prefeitura não decide o futuro da rua Mata Bacelar, o lugar está sendo habitado por José Carlos da Rosa, flanelinha da praça Atos Damasceno Ferreira. “Estou aqui desde janeiro”, conta. A pequena casa de compensado é um luxo para o ex-servente de pedreiro, que a herdou depois que os operários concluíram o Conduto Forçado. “Eu cuidava das máquinas e dos carros dos engenheiros e me convidaram para ficar”, relata.
O relacionamento com os vizinhos é bom. “Estão me ajudando na aposentadoria”. O pedido já foi solicitado e em junho ele deve receber o primeiro salário por invalidez.
“Sabemos quem ele é e não temos medo”, avalia o presidente da Associação dos Moradores da Auxiliadora (AMA), João Violino Corrêa. Mas a associação e a ONG União pela Vida solicitam uma audiência com a Prefeitura para resolver a situação da rua.
Essa reportagem é um dos destaques da edição 384 do jornal JÁ Bom Fim/Moinhos. A publicação é quinzenal e circula gratuitamente nos 10 bairros da área central de Porto Alegre.